sábado, 26 de julho de 2008

O sorriso do gato



Acordei ontem com uma idéia noventa por cento Keri Smith. Alguma coisa como aprender o que uma criança ensinar para mim, ou descobrir, de verdade, uma coisa nova com uma criança. Isso vive acontecendo, mas em geral não presto atenção, ou não me dou ao trabalho de dizer que aprendi isso com o meu filho, ou com a minha filha. Talvez isso seja, lá no fundo, um reflexo do ranço e desdém para com as pessoas que nos ensinam coisas. A verdade é que nós (no sentido de todo mundo) não valorizamos quem transmite conhecimento, não damos o menor valor a quem divide a pelota, a quem é professor de verdade.

Então passei o dia prestando uma atenção danada nas crianças para ver se aprendia alguma coisa. Fiquei observando o meu filho, de cinco anos, e cheguei a anotar frases que ele disse a respeito de coisas à toa. Mas nada. Prestei uma atenção calculada na minha filha, de três anos, mas também não obtive muito êxito. Ela é cheia de observações super-mega-sérias e ponderadas, mas que não chegam a carregar uma tonelada de sabedoria sufi. E ontem parece que os dois passaram o dia sem frases brilhantes, sem nada de extraordinário. Eu me senti um aluno traído. Pôxa! Justo quando eu prestei a maior atenção, não acontece nada!

Aí fui dormir. De madrugada, depois de uma cotovelada escandalosa da Patroa, fui ajudar a minha filha a ir ao banheiro. Eu estava naquele estado meio zumbi, com um olho semi-aberto e outro semi—fechado, insistindo em procurar focar o meu cérebro. Não consegui encontrar os meus óculos e dei uma topada com o Drummond na quina do corredor. Todo poeta, ainda que seja o meu dedão do pé esquerdo, não vê a hora de aparecer. A topada acendeu uma luz dolorida atrás da minha cabeça. Assim, já desperto e com dor, pude auxiliar melhor a minha princesa a fazer suas necessidades.

Ela tem um extraordinário bom humor e gosta muito de conversar. Mesmo de madrugada. Enquanto eu esperava, ela começou o processo de me atropelar com perguntas seguidas, sem esperar pelas respostas. Ela gosta muito dessa brincadeira, que procurar confundir o outro com a velocidade das perguntas.
_Pai, você tá dormindo?
_Pai, você tá com sono?
_Pai, você tá sonhando?
_Pai, você faz uma mamadeira?
_Pai, você está com fome?
_Pai, você deixa eu assistir TV?

E então eu respondi:
_Não.
_Sim.
_Não.
_Vou fazer.
_Não.
_Não, está muito tarde, não é hora de assistir TV e nem de conversar.
_Tá bom, paiê, eu também estou com sono.
E depois que eu fiz a mamadeira, ela pediu que eu ficasse mais um pouco com ela, só enquanto ela tomava a mamadeira. E enquanto ela tomou a mamadeira, ela ficou beliscando o meu cotovelo, de leve.

Mesmo no escuro, quando eu cobri seus pés com o cobertor, pude ver que ela dormia sorrindo. Acho que o pulo do gato é intransmissível, intransferível e imprestável se for ensinado. E minha filha, quando dorme, tem o sorriso de quem tem o pulo do gato.

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