domingo, 1 de junho de 2008

Mais metamorfoses



Naquela manhã, eu acordei e vi que eu havia me transformado num par de chinelas hawaianas azuis. “Legal”, eu pensei, “eu sempre quis ser meu próprio irmão gêmeo”. Eu me sentia duplamente macio e esponjoso. E como eu gosto de azul, eu estava me sentindo super bem, de verdade. Era bem bacana ser um par de mim mesmo. Meio repetitivo, mas legal. Eu poderia continuar o resto da vida sendo aquele soberbo par de chinelas. Eu me sentia ambidestro. Sim, senhor. Até alguma coisa pesadíssima pisar em cima das minhas costas.

Tentei olhar para cima e ver quem era, mas aquela alguma coisa com chulé atrapalhava a minha visão. Chulé? O chulé me convenceu de que era um par de pés. Ou então era um par de mãos muito fedorentas de um sujeito que conseguia andar sobre as mãos usando chinelas. Como isso é pouco provável e eu era um par de chinelas razoáveis, descartei essa possibilidade. Acompanhei aquele bípede xulezento até o banheiro. Quando o bípede entrou no chuveiro, percebi que ele era careca e barrigudo. Bom, eu, o Careca, havia me transformado em um par de chinelas azuis, mas quem seria aquele Careca com xulé?

_A barata! – quase gritaram as duas chinelas cor-de-rosa da Patroa, vermelhas de raiva.

Nesse momento percebi que as chinelas são telepatas. Em pensamento, eu agradeci as meninas e pensei com as minhas alças: “É lógico! Aquela barata desgraçada está querendo me dividir para conquistar! Ela quer que eu me perca em dicotomias. Aquele inseto ambiciona se tornar dono do meu espaço, o único e legítimo roedor de minhas unhas, o asqueroso dono da minha barriga de chopp... Por mim, tudo bem. Vamos ver quanto tempo essa barata agüenta até pedir arrego.” E naquele instante eu percebi que as chinelas até podem ser razoáveis, mas são feitas para se pisar em cima. Ou seja, se dependesse da minha vontade chinelística, eu morreria chinelas. Eu estava mais próximo do que nunca do capacho.

E os dias passaram rapidamente. As semanas galoparam. Os meses aceleraram. Um ano passou voando. E eu ali, com dupla personalidade, mas sem soltar as tiras. Todos os dias iguais. O barato Careca acordava, me colocava nos pés, ia slapt slapt até o banheiro e escovava os dentes com uma escova elétrica oral B. Muito previsível e monótona a vida daquele inseto humanóide. Depois voltava e me colocava no chão, sobre o tapete. E tchau.

A falta do que fazer estimula, em mim, o aprendizado de línguas. Aprendi rapidamente a me comunicar com os outros objetos. Rangi muito. E também aprendi a me comunicar por meio de estaladas no calcanhar do Careca. Slapt, slapt, slapt. Nhec. Significava, por exemplo, “tombo no mala” em objetês, que é a língua dos objetos não telepatas. E a maioria dos objetos não é telepata. As toalhas, por exemplo, são surdo-mudas absorventes. Não dá para se comunicar com uma toalha. Elas ficam só secando. Vasos são ótimos telepatas. São como os novos presidiários. A maioria se diz inocente e diz que não deveria estar ali. Bibelôs e enfeites parecem usuários de drogas. Dizem que vão parar e de repente têm uma recaída na sarjeta. Mas tapetes só se comunicam em objetês, não tem o que fazer. E tapetes só sabem fazer duas coisas, escorregar ou não-escorregar. E no caso, eu acabara de estalar o recado para que o tapete do quarto escorregasse aquela barata Careca no chão.

E foi o que o tapete fez. Escorregou bonito, profissionalmente. Gosto muito desse tapete. Sempre gostei, presente de casamento de alguém. E o Careca barata levou o maior estabaco. Foi aí que uma tira se arrebentou. Ficou tudo azul de repente.

Quando eu acordei, percebi que já não era mais um par de chinelas azuis. Esse plástico. Essa umidade. Essas cerdas. Esse jeito oral. Esse sabor de eucaliptol....Socorro!!!

7 comentários:

Mwho disse...

Careca,
Acho que nunca mais vou conseguir pisar da mesma forma nas minhas hawaianas azuis...
Abraço,

Anônimo disse...

tava pensando aqui...o que será mais perigoso? ser chinelo ou escova? o chinelo sai pra passear. a escova vive a vida útil toda no banheiro (claro se for a que fica em casa, né). se temos segurança não temos aventura. ô dúvida cruel!talvez o chinelo viva mais,porque os dentistas falam pra trocar as escovas com +/- 3 meses. mas dá pra ir usando a escova e colocar um grampo de cabelo pra prender a tira do chinelo. abração

Paulo Bono disse...

isso me fez lembrar que precisp dar uma lavada nas minhas hawaianas azuis. estão encardidas.

abraço

Rodrigo Carreiro disse...

Ainda bem que nunca uso Havaianas...

Careca disse...

Mwho, as hawaianas não soltam as tiras e não têm cheiro. Use à vontade.

Uai, acho que o mais perigoso é ser grampo de cabelo. De telefone ainda é pior...

Careca disse...

Paulo, a higiene acima de tudo.

Careca disse...

Rodrigo, isso só é possível em terra de chão quente de manhã, bem cedo.

Frase do dia