segunda-feira, 23 de junho de 2008

Sobre o lugar de escrever



Escritor não consegue escrever em qualquer lugar, tem que se habituar. Testar a escrita em lugares diferentes. Achar o melhor canto. E quando ele encontrar o melhor lugar, ele vai demorar a pegar o melhor jeito. Essas mandingas demoram a ser criadas.

Mark Twain, por exemplo, demorou a descobrir que gostava de escrever deitado. De preferência, dentro de um barco, descendo o Rio Mississipi. Dizem que Mark Twain era tão acostumado a escrever deitado que passava semanas deitado no beliche. Ele teria escrito “As Aventuras de Tom Sawyer” em apenas três meses, mas teve uma cãibra no pescoço que o impediu de terminar tudo rapidinho. Felizmente, foi durante a cãibra que ele teve a idéia de escrever “As Aventuras de Huckleberry Finn” e inventar, em 1876, a interminável mania americana de continuações infindáveis que iriam desembocar em Rambo 4. Mas, antes de tudo, Twain foi só um repórter que excursionou pela Europa fazendo piadas sobre os europeus. Numa breve passagem pela França, sob a monarquia constitucionalista de Napoleão III, ele diria: "Se você falar a verdade, não precisará se lembrar de nada."

Tolstoi era outro que gostava de escrever deitado. E ele só não terminou de escrever “Guerra e Paz” deitado de barriga na cama por causa da barba. Era uma barba grande e branca, que o Tolstoi tinha que jogar para trás dos ombros quando escrevia. A barba do Tolstoi crescia muito, muito depressa. A barba ficou tão grande que ele tinha que ficar em pé para jogá-la atrás das costas.

Como Tolstoi era um pouco corcunda, a barba não parava atrás das costas. E toda hora ele tinha que levantar e jogar a barba para trás. Cada página escrita custava um dia de trabalho e pelo menos umas cinqüenta jogadas de barba para trás.

Em 1865, quando o Leon já tinha escrito umas duzentas páginas, durante o inverno russo ele teve uma cãibra no joelho ao jogar a barba para trás. A barba e o general inverno o deixaram estatelado no chão do quarto onde escrevia. Foi assim que imaginou a famosa cena onde Andrei Bolkonski(?), caído no chão depois de ter sido ferido no campo de batalha, vê Napoleão montado no cavalo branco passar bem pertinho. E o Bolkonski(?) e o Tolstoi e até o Khutuzov eram fãs do Napoleão. Depois disso, Tolstoi passou a escrever deitado de costas sobre a barba. Isso acabou com as dores nas costas. Mas em compensação, Tolstoi ficou o resto da vida com manchas de tinta no rosto. Os braços também pesavam muito, coitado.

Outro cara que só escrevia deitado era o Samuel Dashiell Hammett. Ele era dipsomaníaco, que é um jeito elegante de chamar os outros de pau-dágua. O Hammett gostava muito de uísque e a Lílian Hellman sabia o motivo. O Hammett tem uma história super-trágica. Durante a primeira guerra mundial o criador de “Continental Op” se alistou no exército dos Estados Unidos e serviu no batalhão de ambulâncias. Ele acabou pegando a gripe espanhola. Hospitalizado, ele conheceu uma enfermeira chamada Josephine, com quem se casou e teve duas filhas.

Logo que a segunda filha, também chamada Josephine, nasceu, em 1926, a mãe foi aconselhada a morar longe dele, pois a gripe havia evoluído para tuberculose. É lógico que o cara começou a beber feito um louco. E quatro anos depois ele escreveu “O Falcão Maltês”. E o melhor dele, “A chave de vidro”, nasceu no ano seguinte. Hammett era um sujeito com um estranho senso de humor. Um cara venerado grandes escritores, como Paul Auster. E amado pela Lílian Hellman. Essa mulher tinha o inferno no nome, mas era uma legal. Durante muito tempo eu pensei que Lilian tinha alguma coisa a ver com aquela maionese. Mas é só coincidência. Como é coincidência o fato de Josephine ser o nome da famosa amante de Napoleão.

Gosto muito de pensar sobre escrever de verdade. E aí outro dia eu tropecei num dos meus livros de cabeceira, dos tempos em que eu também achava que poderia escrever livros com as mãos atrás das costas. Era “Trópico de Câncer”, publicado em 1931 pelo Henry Miller e proibido por trinta anos nos EUA. A minha edição é da Nova Cultural Ltda, de 1987, tradução de Aydano Arruda. Publicação chinfrim, com papel amarelado, uma capa mixuruca e apelativa, que eu comprei num sebo por uma merreca. Mas o livro é genial, como quase tudo do Henry Miller. De cara ele sapeca uma epígrafe de Ralph Waldo Emerson: “Estes romances cederão lugar, pouco a pouco, a diários ou autobiografias – livros cativantes, desde que um homem saiba escolher, entre o que chama de suas experiências, aquilo que é realmente sua experiência e saiba registrar verdadeiramente a verdade.”

Eu escrevo em qualquer lugar. Mas na maior parte das vezes, eu enrolo. Prefiro escrever sentado, mas deitado eu também dou conta. E com qualquer coisa. Lápis, cotoco de lápis. Caneta. Caneta tinteiro. O que rabiscar. Mas ultimamente eu leio o que rabisco com minha Signo Uniball 0.7 no bloquinho de notas. Depois escrevo com o teclado, no blog. Demoro pacas. Sou só um escrevinhador. Ainda preciso aprender muito sobre escolher.

4 comentários:

Mwho disse...

Careca,
Você escreve muito bem. O Blog é um local de liberdade, onde você escolhe os temas, o ritmo e o que mais quiser. Ler o seu Blog foi uma forma de conhecê-lo melhor. Afinal, um cara que é amigo do Cabeça tem de ser um cara legal!
Abração,

Careca disse...

Mwho, valeu. Hoje é que fui ver que você também virou blogueiro, com o "Esfarelando".
Um abração,

Maroto disse...

Eu adoro ler o teu blog. Sério. Não faço a menor idéia se escreves deitado ou em pé, nem sei se és mesmo careca, imagine! Mas assino embaixo que escreves bem pra caramba.

Careca disse...

Maroto, obrigado pela generosidade do comentário. É muito bom ser lido e é melhor ainda quando alguém comenta. Você também bloga e sabe disso.

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