terça-feira, 17 de junho de 2008

O metrô que nunca existiu



O engraçadinho do cúbi (é pequeno demais para se chamar cubículo) viajou e as horas estão mais modorrentas no trabalho. Como já deixei de ser novidade, as pessoas já não fazem mais cerimônia comigo. Sou só aquele cara que chegou no início do mês. E já passamos da metade do mês. Então já sou quase uma velharia no cúbi. Mas ainda estou construindo uma rotina. Acho que sou um pouco lento.

Eu e os colegas de cúbi estamos conversando menos, de costas uns para os outros. Estamos cada vez mais concentrados no trabalho. Acho que os caras relaxaram, já viram que eu não represento um perigo para seus empregos. Isso é muito bom.

Quando você chega com a caixa de badulaques de entrar no emprego geralmente as pessoas se assustam. Novidades e mudanças representam ameaças ao ambiente constituído, ao habitat do “homo burocraticus”. Então eu trato logo de parecer o que eu sou, um cara comum e inofensivo que precisa tratar os dentes. Conto aquelas piadas velhas. O botão vermelho do banheiro do avião. A piada do velhinho que troca de namorada no asilo, ele prefere a que tem Parkinson. A piada do argentino, da loura bonitona, da peso-pesado e do brasileiro, no vagão de trem. Exalo senso comum. Bocejo na frente da tela. Dou risada e bato na perna com a palma da mão. Sou eu mesmo, um pouco mais devagar.

E em pouco mais de uma semana os caras me olham com familiaridade. Uns poucos deixaram de me observar, cuidadosos, e agora assumem aquele ar de quem tem mais cabelo do que o vizinho. Aquele jeitão de quem acha que vai chover mais na sua horta. E num instante já tem quem olha para mim por cima dos óculos, com um sorrisinho no canto da boca. É a vida. A fauna humana se distribui, com a variedade de sempre, em todos os lugares.

Fico por fora de alguns assuntos. Não consigo falar de televisão, por exemplo. Há anos que só vejo filmes e um ou outro telejornal. Mesmo assim procuro ser o mais sincero possível em todas as respostas que dou. Ainda fazem um bocado de perguntas. Mas já não prestam muita atenção nas respostas. Perceberam que eu não sou terrível. Que não vou dar rasteira.

Já esgotei as combinações possíveis da máquina de café. Definitivamente, o capuccino é sensacional. Mantenho as quatro doses diárias de café, duas no matutino e duas no vespertino. Duas das doses, as últimas de cada período, são de capuccino com chocolate. A máquina está sujeita a pequenas falhas, o que exige um pouco de atenção para obter o café desejado. De vez em quando, o copo bege entala e a máquina joga café, leite, açúcar, chocolate e palito de misturar no ralinho. Na primeira vez que isso aconteceu comigo, confesso, fiquei em pânico. Detesto desperdício. Um dos caras mais antigos foi solidário e me ensinou o macete: é só puxar o copo rápido e colocar no círculo do ralinho.

O defeito da máquina, não sei o motivo, me fez lembrar de um trote que sofri quando era calouro da universidade. Alguém inventou que havia um metrô que passava no subterrâneo do campus. Era um metrô-bala que fazia a ligação do campus com a biblioteca e o centro olímpico. E o idiota aqui comprou tíquetes para uma semana de metrô. Lembro de descer as escadas e ficar olhando para a pista sob o Minhocão, como é chamado o prédio da universidade. Fiquei dez minutos esperando, até que passou uma Kombi. Era dirigida pelo Juarez, que depois fui saber que era o técnico do laboratório de fotografia do Departamento de Comunicação.

_Metrô?! Mas é claro! Fica firme aí que daqui a pouco ele passa! – ele falou.

E eu, crédulo, esperei mais vinte minutos pelo metrô que nunca existiu.

Durante todo o período da universidade, o Juarez sempre fez a mesma piada comigo. Ele sempre me oferecia tíquetes para o metrô.

6 comentários:

Anônimo disse...

se você fosse mineiro já desconfiaria de alguém lhe oferecer algo sem você perguntar. ô, Careca, nós, os mineiros, chegamos muito cedo, até dimais (um exagero, eu acho) e somos desconfiados por natureza. na dúvida, duvide.
Que ótimo que as coisas andam bem no trabalho. Se alguém tenta me atazanar no trabalho, eu considero como um molho do macarrão na roupa. Eu coloco de molho, esfrego, ponho na máquina, lava, centrifuga e pinduro no varal. novinho em folha! Lavô tá novo!O tecido sendo bão, a roupa fica bem. abração (adorei a foto do metrô!)

Maroto disse...

tu és o mais perigoso dos colegas de trabalho: aquele que sabe que tem mais é que parecer inofensivo. Ainda vais conquistar o cúbi todo e depois partir para expansão do império. Eu tô do teu lado, nem pensar que eu me oponha.
Tõ tão do teu lado que já estive nessa universidade que tem metrô :) É uma federal, só não lembro qual delas. UNB?

Mwho disse...

Careca,
Bom é não ser novidade nem VIP!
O ideal é chegar próximo ao anonimato!
Mas, é bom não chegar tão perto assim, pois a perfeição (anonimato pleno) pode resultar no perigoso efeito colateral da dispensabilidade...
É uma arte!
Abração,

Careca disse...

Uai, "na dúvida, duvide" é um excelente slogan! Mas não sou tão crédulo assim. No texto eu não disse, mas um grupo de amigos organizou o trote. Caí feito um pato. No semestre seguinte eu mesmo peguei uma porção de calouros.

Careca disse...

Maroto, também não sou tão maquiavélico. E nem tem como expandir o território. Simplesmente não há espaço. É a UnB, sim.

Careca disse...

Mwho, é o fio da navalha, sei. Já dei um monte de tropeção nessa arte de eterno aprendizado. E continuo estudando. Abração,

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