quarta-feira, 11 de junho de 2008
A Cuca vem pegar
São pouco mais de onze horas da noite e o pai de um colega de sala do meu filho acaba de sair daqui de casa. É um dos melhores amigos do meu filho na escola alternativa. É o aliado de todas as horas. O outro cara da dupla, o parceiro de combinação das pequenas patifarias de criança. O chapa. Pois esse menino, depois de duas semanas de ensaio, decidiu que hoje viria passar a noite. Dormir aqui em casa. Mas não conseguiu. Ficou preocupado, com saudades dos pais, começou a ameaçar ter enjôo, a querer vomitar. E eu e Patroa jogamos a toalha. Telefonamos para os pais.
Depois de uma maratona de quase dez horas de brincadeiras ininterruptas, o menino não adormeceu. A Rose, a babá-encanadora-lavadeira-governanta daqui de casa, foi embora com um ar evidente de estafa. Mas o menino não conseguiu relaxar. Meu filho e minha filha já estavam ressonando e o colega de escola ali, na cama improvisada, firme, de olho arregalado.
Nessas horas, uma das coisas essenciais é não sugerir nada para a criança. Você quer que ela durma ali e a estadia seja um sucesso. Principalmente porque você já está de pijama e morrendo de sono. Também é importante para o seu filho que os amigos dele se sintam seguros e confortáveis na sua casa. Isso amplia a auto-confiança e o amor próprio. Isso é importante à beça. E acho que era isso que estava escrito num manual de criar filhos, que eu li há muito tempo. O manual chamava “A Arte de Ser Pai”, ou “Ser pai é uma arte”. Não lembro, mas tinha arte no meio. O que geralmente significa que o livro é de um amador. Quando deveria ser exatamente o contrário.
Eu e a Patroa procuramos diversificar os assuntos. Falar de coisas da escola. Das coisas do pátio da escola. Das coisas da sala da escola. Mas acabamos ficando sem assunto com esse menino. Ele sentou na cama e disse que estava com saudades.
_Acho que eu vou vomitar – ele disse.
Vomitar é terrível. Crianças detestam vomitar. Aquilo fica grudado na memória delas, junto com o gosto ruim na garganta. Passa o gosto ruim, mas elas ainda lembram do que fica na memória. E ainda por cima, alguém precisa limpar. Por isso, nós decidimos, com uma rápida troca de olhares, que o melhor era não insistir com o perigo. E capitulamos.
Eu sei, você deve estar pensando que na sua época de criança você nunca nem dormiu na casa de um colega de escola. Eu também não. Nem a Patroa. No máximo, dormi na casa de primos. Mas os tempos mudaram. E o meu filho já dormiu na casa de alguns colegas. E no dia seguinte, quando o vi na escola, ele estava bem orgulhoso da façanha. Da amostra de coragem e independência. Ele olhava de igual para igual os meninos que já haviam dormido na casa dos amigos. Acho que é só para isso que serve.
Não. Também serve para a gente ficar super-preocupado, como o pai do menino que veio aqui em casa.
_Está tudo bem? Aconteceu alguma coisa? Precisa de algo? Sim? Ok? Tudo bem? – perguntou o pai do menino, assim que atendeu.
E foi difícil deixá-lo tranqüilo. Como foi difícil me tranqüilizar, quando eu tive que ir buscar o meu filho de madrugada, alguns meses atrás. Mas quando o colega do meu filho se despediu, já dentro do elevador, eu lembrei que para o meu filho, triste mesmo foi aquele dia seguinte.
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10 comentários:
nem me fala da Cuca. Eu morria de medo, velho. aliás, funcionava esse argumento. por que não ameaçou o guri?
abraço, carecone
É nessas horas que um calmante misturado ao nescau faz falta
ehehhe
Tô brincando ;p
mais um grande relato, careca. minha filha, muito ligada aos pais, só conseguiu dormir fora de casa quando já era quase adolescente. é algo mesmo muito difícil de lidar. e quando os nossos filhos têm essa dificuldade, boa parte da 'culpa' -lamento admitir e dizer - é dos pais...
quando isso acontecia em casa eu sempre achava que era culpa das minhas histórias pra eles dormirem.
Careca eu me lembro de dormir na casa de algumas amiguinhas, mas para o meu sobrinho que agora tem 12 anos, essa etapa foi bem traumática. Diversas vezes já tiveram que buscá-lo na casa dos outros, de madrugada :)
Bono, tá maluco? Não se ameaça nem criança e nem adulto. Abraço,
Rodrigo, isso é terrorismo. É o pavor dos pais, suspeitar que alguém dopou os filhos. Isso tira o sono de qualquer um.
Márcio, concordo em gênero, número e grau.
Franka, eu até ia contar uma história, mas a Patroa me deu uma cotovelada. Mas dou razão a ela. Evitou que o menino vomitasse de verdade.
Márcia, concordo com o que disse o Márcio Gaspar. E eu também vivo buscando sarna para me coçar.
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