sábado, 28 de junho de 2008
Literatura contra a fome
O terceiro e último discurso do Orhan Pamuk em A Maleta do Meu Pai é, talvez, o mais instigante do livro. Eu não sei como é com você, mas eu adoro ler escritores que fazem as idéias pipocarem na cabeça da gente. E pipocar é a imagem exata.
Quando eu era menino e alguém falava que uma pessoa tinha imaginação fértil eu imediatamente imaginava uma árvore nascendo da cabeça de uma pessoa, os livros, as músicas e os desenhos pulando da cabeça daquela pessoa, começando a dançar, a fazer cinema. Era uma imagem meio recorrente.
Depois, ao ouvir que uma pessoa tinha imaginação fértil, eu deixei de pensar na tal pessoa. Isso começou a significar o efeito que aquela pessoa tinha sobre a minha cabeça. Então imaginação fértil começou a significar alguém vindo cavoucar a minha careca, adubar o meu cérebro, colocar sementes, jogar uma aguinha por cima, com regador, e fazer uma planta germinar. É lógico que depois a planta crescia mais rápido que o pé de feijão mágico, mas era uma viagem assim, meio lisérgica.
O micro-ondas mudou tudo. E a pipoca de micro-ondas completou a mudança. Hoje, para mim, imaginação fértil é como aquele saquinho de pipocas que a gente coloca com cuidado no prato giratório, este lado para cima, e aperta três minutos na potência máxima. Ler um escritor fértil provoca esse mesmo efeito, as idéias começam a pipocar dentro da minha cabeça e de repente eu me sinto um pouco estufado. Até a minha temperatura aumenta.
É, às vezes eu me sinto meio febril ao ler um livro bom demais, como se estivesse hipnotizado pelos parágrafos, flutuando entre idéias intangíveis. “Tiger, tiger”, um livro de ficção científica de Alfred Bester, de 1956, foi um livro que me deixou assim aos dezoito anos, aos 25, aos 30, aos 35 e no mês passado.
Como você pode notar, eu gosto muito de reler livros de tempos em tempos e às vezes nem leio o livro todo, só umas partes que eu sei que são muito boas. Quer um exemplo? “O Mundo Segundo Garp”. Eu gosto de reler inteiro, mas volta e meia eu me pego relendo só a “Pensão Grillpazer”, um conto maluco que o John Irving inventou de enfiar no meio do livro. O grande problema é que eu demoro a encontrar o livro. E como eu jamais sublinho, marco ou estrago de alguma forma a página de um livro, a demora aumenta ainda mais. E às vezes, como eu escrevi ontem, a necessidade do remédio é bem urgente, o que me deixa irritado.
Foi por isso que eu pensei que as editoras deveriam começar a vender livro por metro, em papel comestível, ou por parágrafos, não sei. É um nicho de mercado biliardário. É que nem música, às vezes você não está a fim do disco inteiro, você só gosta de uma música e olhe lá. Pode parecer cruel com o artista, eu sei, mas até os anos vinte, trinta, quarenta, sei lá, era assim. As pessoas compravam uma música, uma partitura. E pronto. Todo mundo ficava super-feliz. E agora está ficando assim de novo, com o ITune.
Já imaginou você chegar na livraria e falar assim:
_Ó, me dá aí uns trinta centímetros de Drummond, por favor.
_Só isso? Mas aí não dá nem um “E agora José?” inteiro – diria o vendedor.
_Na verdade, estou meio enjoado de Drummond. Me dá aí um metro de Bandeira.
_Poesia Para a Vida Inteira?
_Não, é só para uns dez minutos de felicidade e paz na terra.
_Com um metro você vai ficar numa boa o dia inteiro. Quer que embrulhe?
_Não, não, eu já vou ler agora.
_Bom apetite.
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4 comentários:
Careca,
Gostei: você faz o diagnóstico e receita um capítulo ou uma passagem de um livro. O paciente imprime a receita e vai até a farmácia, digo livraria (pode ser virtual), e compra o trecho receitado! O nome da especialidade poderia ser letroterapia!
Também não consigo riscar meus livros... Fico pensando se isso não é um defeito... Mas, por outro lado, o risco de hoje pode sugestionar a leitura de outros e do amanhã...
Abraço,
Texto criativo, com amplitude e profundidade de observação.
Mas me lembrou as pessoas que compra livro "por metro" só para decorar a sala.
Talvez a Franka, que é arquiteta explique, mas não entendo, tampouco, os lindos vasos de flores sobre livros, nas ricas mesinhas de centro.
Mwho, eu não risco e nem marco. Mas isso é pessoal. Pra falar a verdade, teve uma época que eu nem abria o livro direito, para não marcar a lombada, evitar descolar a página. Hoje já abro sem dó. No fim das contas é frescura, você pagou, o livro é seu, cada faz o que achar melhor...
Suzana, é isso mesmo. Com páginas comestíveis, valeria a pena visitar até essas pessoas. Enquanto elas estivessem lá dentro, a gente folheava e comia umas paginazinhas.
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