terça-feira, 24 de junho de 2008
A tribo dos homens-peixes
Na beira da praia, eu ia com os dois, de mãos dadas, perto de onde as menores ondas quebravam. Eu gostava de fazer isso com solenidade, como se fôssemos enfrentar juntos os exércitos dos oceanos, as tribos dos homens-peixes e seus tridentes. Éramos apenas três contra o mar e os agentes mergulhadores das profundezas malignas e infinitas. Quando estávamos em lugar seguro, eu me sentava na areia, as ondas quebrando a dois ou três metros da ponta dos meus pés. Os dois também se sentavam. Eu era o comandante supremo dos doidos náufragos, com meu calção de banho verde escuro. Os dois eram os almirantes malucos dos sete mares. Um de calção laranja e a outra de monoquíni amarelo.
_Fiiiiiirrrrmmmeeeeees! Reforçar a bujarrrona! Içar a contra-vela! Virar leme a estibordo – eu dizia, como um pirata antes de dar a ordem de atirar com os canhões, como o armeiro devia dizer para os grumetes, fazendo força para manter a chama para a mecha do pavio acesa.
_Fiiiiirrrmmmeeeeesss! Preparar a vela mestra! Cortar âncora! Lançar remos! – eu repetia, e quase podia sentir a excitação crescer no peito das minhas duas crianças. O fio de energia elétrica percorrendo a coluna, depois de nascer na ponta do dedão do pé de cada um.
_ Fiiiiirrrmmmeeeeesss! Apontar para o fígado do comandante! Fiiiiirrrmmmeeeeesss! – eu dizia, pela última vez, enquanto uma pequena marola enchia os calções de areia e fazia cócegas na planta dos pés.
_ Fuuuujaaaaaaaaaamm!Salvem suas vidas! – eu gritava, feito o último dos mais insanos marinheiros, antes de me virar e sair em carreira desabalada pela areia.
E como os dois voavam e riam, correndo e caindo, os joelhos arranhados na areia. Ninguém sentia dor nem nada. Era uma alegria pura e envolvente, a de brincar na beira da praia, sem pensar em obrigação nenhuma. Então pulávamos numa piscina formada pelo mar, onde vimos um pequeno polvo e duas lesmas marinhas muito bonitas.
_Nossa! É um polvo de verdade – eles disseram.
E num instante apareceu um pescador tisnado pelo sol com um sorriso branco, branco, de propaganda de dentifrício. E com um ferrinho torto ele cutucou a pedra onde o polvo estava escondido. Rápido,o pescador agachou e puxou com força o polvo, que se enroscou em sua mão, indefeso. Não sei como o pescador fez, mas o bicho afrouxou o aperto no instante seguinte e foi para dentro de uma redinha fina. Era apenas um entre muitos polvos do início de uma única manhã de janeiro e de pesca nos recifes daquela praia, lá em Lauro de Freitas, na Bahia. Acho que ninguém come lesma marinha, pois o pescador não ligou a mínima para elas.
_ Fiiiiiirrrrmmmeeeeees! – eu disse alguns minutos depois, quando voltamos a brincar de marinheiros do bem contra o perverso General Mar. Ficamos aquela manhã e todas as outras a brincar horas e horas de enfrentar e fugir das ondas. Não nos cansamos de repetir, nem mesmo quando estávamos cansados. E vimos as lesmas marinhas, amarelas, com bolinhas pretas, quase todos os dias.
E olhando para as fotos parece que já faz muito tempo que tudo aconteceu. Mas foram apenas seis meses, nem isso.
_ Fiiiiiirrrrmmmeeeeees!
Compreender o que é simples exige simplicidade? Ou exige apenas despojamento? Não sei. Às vezes eu acho que precisamos ver umas coisas intricadas só para apreciar a beleza do que é simples. Outras vezes eu acho que é só resistir o quanto puder e depois voltar a enfrentar tudo de novo, com um enorme sorriso no rosto. Resistir e sorrir. Para todos, inclusive o carrasco. E toda a tribo dos homens-peixes.Mas quem consegue viver como numa brincadeira de criança?
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4 comentários:
como assim? isso tudo não é uma brincadeira de criança????
Careca,
Hoje você foi poético...
Acho que a poesia está na simplicidade mesmo. É a capacidade de se emocionar, que não depende de nada complicado.
Bom que você está curtindo seus filhos. O que é simples para a gente, para eles é tudo!
Obs.: Obrigado por ter notado o meu blog - é uma sensação interessante...
Abraço,
Dani, tem gente que acha que não, que somos mais que meras peças nas mãos de grandes enxadristas. Eu acredito em livre arbítrio, sinceramente. Isso implica em que acredito que somos senhores dos nossos destinos. Para o bem e para o mal.
Mwho, é uma sensação ótima, e quando os primeiros comentários aparecem é melhor ainda.
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