sábado, 14 de junho de 2008

Como nasce gente em junho



Quase todos os sábados, nós almoçamos juntos. Eu, o Cabeça, a Maira e a Patroa. É um bom hábito arraigado. Fazemos isso há vários anos. Colocamos a conversa em dia, falamos dos amigos ausentes, dos amigos presentes, do que acontece de bom na cidade e no País. Também falamos do que acontece de ruim, mas em geral não alongamos nisso que é para não estragar o sábado. Existe uma série de assuntos recorrentes. Futebol(pouco, eu não entendo mais nada de futebol), fórmula um, capa de revista, política, economia, bolsa de valores(até parece!), cultura afro-nipo-brasileira, aquários, televisão, TV a cabo, moça do tempo, pôster central de revista, música, cinema e livros. E bobagem. Muita bobagem. Depois falamos sério. E aí cansamos e voltamos a falar muita, muita bobagem. É divertido.

Mas também é cultural. O Cabeça me diz quais os livros que ele recomenda para a semana e eu procuro tomar nota, mentalmente ou com o bloquinho que eu sempre carrego. Ele já me deu umas dicas preciosas. O Cabeça é uma máquina de ler livros. Sabe tudo. Não é como eu, que só vou a livrarias de vez em quando. Faço isso por razões meramente econômicas, não quero assumir dívidas impagáveis. O Cabeça é assíduo. Acompanha lançamentos, assina edições especiais ilustradas e autografadas. Para você ter uma idéia, o Cabeça tem uma primeira edição em espanhol do Don Quixote com ilustrações do Gustave Dorè. Foi presente do avô dele, outro apaixonado por livros. O Don Quixote é tão bonito, pesado, imponente e maravilhoso que possuirá, em breve, um móvel só para ele, na biblioteca. Ah, é, isso é importante. O Cabeça tem uma biblioteca em casa. É diferente da personagem do Elias Canetti em Auto-de-Fé, não tem tanto livro. Mas é uma boa biblioteca.

E além de ser meu guru de livros, o Cabeça também é o meu guru de música. A maior parte do rock´n´roll que eu escuto eu ouvi primeiro na casa dele ou foi dica direta dele. Dos outros gêneros ele não manja muito, mas se for rock, o Cabeça já ouviu e tem opinião formada.

Também trocamos muitas impressões sobre os filmes que assistimos. Ele gosta de filmes que sejam malucos e divertidos, com muita ação, tiros, máquinas velozes, enredo envolvente, nudez feminina, closes de pés e uma boa música. Eu, por minha vez, gosto de filmes que tenham muita ação, tiros, enredo envolvente, uma boa música, máquinas velozes, nudez feminina frontal e traseiral e que sejam malucos e divertidos. Então eu procuro ouvir as dicas de filmes e vídeos que ele recomenda.

Mas hoje foi diferente. Era aniversário de uma amiga das crianças, a Ana Beatriz. E a festa seria no horário do almoço. Então eu nem liguei para o Cabeça, achei que não ia rolar o almoço tradicional. Demoramos uma eternidade para sair de casa e quando deu meio-dia nós ainda estávamos procurando uma vaga para deixar o carro. Demos sorte de achar uma vaga em frente a uma churrascaria argentina. Aí andamos um pouquinho e chegamos naquela casa de festas.

_Pai, essa é a Casa da Ana Beatriz? – perguntou o meu filho.
_Não, filho. Isso é uma loja de festas – respondi, inocente.
_ A Ana Beatriz mora numa loja de festas? – perguntou o sabido.
_Não. Ela comemora na loja de festas – fiz a escada.
_Ela come e mora na loja de festas? – encerrou ele. Céus, eu criei um trocadilhista.

Pois então, eu e a Patroa estávamos naquela loja de festa de criança quando o Cabeça ligou para combinar o lugar de almoçar. Fiquei branco, juro. Pasmo.
_Careca, o que foi? – perguntou a Patroa.
_Caramba, a probabilidade disso acontecer é muito pequena, mas aconteceu.
_O que foi? O que foi?
_O Cabeça combinou de almoçar na churrascaria argentina da esquina, aquela do estacionamento.

E quando o Cabeça chegou, eu contei da coincidência para ele. Falei da minha surpresa, da minha estupefação e pasmaceira em função da coincidência.

_Não é demais, Cabeça?
_Nossa! Demais! Como nasce gente em junho!

12 comentários:

Anônimo disse...

nasce muito mais gente nove meses depois do carnaval.
qual o blog do cabeça, ein careca?

Careca disse...

Franka, nasce muita gente todo dia. E acho que o Cabeça não tem blog. Se tivesse, eu acho que num sábado desses ele já teria dito que tem.

Rodrigo Carreiro disse...

Nasce muito mais em setembro.
E essa cidade é um ovo.

Careca disse...

É, Rodrigo, em setembro nasce gente à beça, Brasília é pequena e em Salvador não neva.

Anônimo disse...

Todos os dias, quando acordo, recito o seguinte mantra: "que bom que meu avô deu a edição de mil oitocentos e bolinha do Dom Quixote para o meu irmão, que bom que o meu avô deu a edição de mil oitocentos e bolinha do Dom Quixote para o meu irmão"... Oito vezes. É um santo remédio. Tem me ajudado a sobreviver e, o que é melhor, sem odiar nenhum dos dois. Agora, saber que você vai poder olhar a edição de mil oitocentos e bolinha do Dom Quixote e eu não, aí também já é demais, né Careca?

Careca disse...

Cynthia, isso pode soar horrível, mas a verdade é que o Cabeça também deixa eu virar as páginas do Don Quixote de vez em quando. E a textura das páginas é fantástica! Sempre que visito o Cabeça ele me deixa olhar o Don Quixote. Então eu vou lá pelo menos umas cinco vezes por semana, tirando o sábado e o domingo.

Anônimo disse...

Ha ha! Criatura odienta!

Careca disse...

Cynthia, e ele planeja colocar o Don Quixote dentro de um móvel fechado, trancado. E adivinha quem vai ganhar a única cópia da chave tetra que abrirá o armário? Hein? Eu, El Carequito!

Anônimo disse...

Careca, já que você foi eleito guardião do Quixote, vou te passar um segredo de família. Quando eu era criança, às vezes ajudava minha avó a limpar a biblioteca do meu avô. O ritual incluía colocar um pozinho entre as páginas dos livros que ficavam expostos. Diz-se que o tal pozinho aumenta muito a sensibilidade dos dedos, desde que devidamente umedecidos com a língua antes de usá-los para virar as páginas. A textura de um papel como aquele fica que é uma coisa!

Parece que o pó também tem a vantagem de manter longe as traças e outros creepy crawlers. Um tal de baygon, sei lá. Mas isso é bobagem. O importante mesmo é lamber os dedinhos antes de folhear o livro e curtir a textura. Tipo os fradinhos de O Nome da Rosa, saca?

Só não diz para o meu irmão que eu te contei isso. Esses médicos têm mania de administrar uns antídotos para cortar o barato da gente. Sem falar que ele pode não gostar da idéia de você babando o Dom Quixote.

Mwho disse...

Careca,
Sinceramente, gostaria de ver o tal livro apenas pelo vidro...
Ficaria apenas com as dicas musicais...
Esse Cabeça deve ser o cara, hein!
Abraço,

Careca disse...

Cynthia, isso explica a minha queda de cabelo e de dentes!

Careca disse...

Mwho, é o Cara!

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