Cerveja não pode em cartão alimentação. Às vezes eu esqueço disso no supermercado e dá a maior confusão. Na hora de fechar a conta, o caixa olha atravessado e diz que vai ter que retirar as cervejas ou o vinho, quando eu compro. É sempre um olhar terrível, daqueles "seca-pimenteira". O caixa franze a testa, levanta uma sobrancelha e aplica um esgar, de leve, no canto da boca. Parece uma senha para todo mundo começar a te olhar com desprezo ali mesmo na fila do caixa.
_Pô, Mané, bebida alcóolica não pode ser paga com cartão-alimentação! - parece dizer o cara que ajuda a colocar as compras em caixas de papelão.
_Deve ser um alcoólatra - eu imagino a velhinha, ao meu lado, me reprovando.
_É um chauvinista etílico - eu imagino a quarentona sem-graça a me dizer, enquanto me olha e balança a cabeça. Tsc,tsc,tsc.
Mas, de verdade, ninguém fala nada. É só muito olhar e a minha imaginação com complexo de inferioridade. E na hora de passar as bebidas à parte, é claro que não tenho dinheiro suficiente, sou obrigado a deixar a metade.
Aí os olhares pioram.
_Olha o Mané, já bebeu todo o salário.
_Que horror, o jovem de outrora leva mais birita que comida.
_Olha o chauvinista, vá afogar os preconceitos em álcool seu...
E nem era nada disso, eu só estava comprando bebidas para uma festa em casa de amigos. Mas a minha imaginação terceiro mundista sempre me deixa pra baixo. Aí hoje fui fazer umas compras no mini-mercado do japonês, aqui perto de casa. Comprei umas frutinhas, pão, queijo, salsicha para cachorro-quente, umas verduras e lembrei do jantar na casa do Guina. Pô, o Guina faz um yaksoba sensacional e eu prometi levar cerveja. Portanto, peguei um six-pack e fui para o caixa. Passei tudo e deixei as cervas por último, não ia bancar o Mané.
_Não vai levar as cervejas? - disse a mulher no caixa. Era a mulher do japonês.
_Vou, mas vou pagar com cartão alimentação - eu disse.
_Não vai passar tudo junto? - disse a mulher.
_Não pode, é cartão alimentação - eu disse.
_Seu cartão está no limite? - ela disse.
_Não, é a regra do cartão. Não pode bebida alcoólica - eu disse.
_Pode sim, todo mundo passa - ela disse.
Atrás de mim, uma longa fila já se formara. Todo mundo olhava para o Mané que não sabe que a mulher do japonês está andando para a regra do cartão alimentação. E ali todo mundo passa a cerveja no cartão alimentação. Mané.
_Qual é o seu cartão? Vai passar junto ou não vai? - ela disse.
_Bom, se não tiver problema, passa tudo junto, né? - eu disse e estiquei o meu cartão.
Eu tinha certeza de que não haveria fundos, que alguma coisa iria dar errado, talvez eu esquecesse a senha, a tarja magnética tocaria uma rumba, sei lá. Mas foi tranquilo. Foram só alguns segundos de angústia e toda a operação foi completada numa boa. Caramba! Funcionou.
Mas eu não me sentia bem. Tinha cometido uma infração das regras do cartão alimentação. Estava me sentindo super mal. Todos os meus escrúpulos tinham sido corrompidos em segundos, e tudo por causa da minha maldita insegurança e da minha imaginação com complexo de inferioridade. Tive ímpetos de voltar para a mulher do japonês e pedir para ela descontar as cervejas. Eu não sou todo mundo, eu sou só o Careca, e não é porque todo mundo faz uma coisa errada que eu vou fazer uma coisa errada. Pois sim, vou voltar lá e devolver as cervejas e solicitar o estorno imediato do valor no meu cartão - eu pensei. E depois vou pagar as cervas com dinheiro, cash, notas e moedas de reais. E juro que eu teria feito isso mesmo, ó minha kombi de leitores, mas me lembrei que eu não tinha um puto no bolso. Só o cartão alimentação. Fica pra próxima, né?
2 comentários:
isso sempre acontece comigo. e eu nem tenho cartão de alimentação.
Franka, uma vez eu fiquei meia hora tentando o cartão e só depois é que percebi que era o cartão da videolocadora.
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