Todos os dias eu passeio com o cãozinho shi-tsu pela manhã, bem cedo. Para não perder tempo com troca de roupa, eu passeio com o Rafa com a roupa que vou para o trabalho. De terno e gravata. Nunca havia reparado na estranheza disso, até outro dia. A prefeitura da quadra disponibiliza os sacos plásticos para que os moradores cumpram a lei e recolham aquilo que o cachorro não enterra. Como a chuvinha me surpreendeu em pleno passeio, eu improvisei uma touca plástica sobre a cabeça, sem pensar direito.
Senti a cabeça mais quente e menos molhada, mas devia estar bem esquisito com o plástico branco e de terno preto, com gravata, puxando o cãozinho pela coleira. No meio do caminho, encontro uma velhinha simpática parecida com aquela vovó do Frajola (de calça jeans e blusa de mangas longas cor-de-rosa), segurando um schnáuzer por uma coleira meio frouxa e bamba.
_O senhor entende de coleira? – ela pergunta.
_Depende. Se for igual à minha, eu entendo.
_Igual à sua? – ela disse.
_Quer dizer, se for igual a esta aqui, do meu cachorro. As pernas entram aqui e aqui, as argolas se encontram em cima e o mosquetão prende as argolas, ó.
A velhinha mostrou a coleira do schnáuzer e perguntou se eu conseguiria colocar aquilo do jeito certo. A chuva estava aumentando, mas a velhinha tinha um guarda-chuva e eu achei que poderia tentar. Me agachei e comecei a montar o quebra-cabeça da coleira, que era de couro e tinha um monte de fivelas. No primeiro minuto, eu me senti ridículo com um saco de plástico na cabeça, de terno e quase de cócoras, tentando arrumar a coleira de um cachorro que não era meu. No segundo minuto, eu me senti mais ridículo ainda. E no terceiro minuto, o schnáuzer perdeu a paciência comigo e com o Rafa e avançou, cheio de rosnados. Com o susto, caí sentado na calçada, soltei a coleira do Rafa e ele saiu em disparada, fugindo do schnáuzer.
A velhinha não riu, no que fiquei imensamente agradecido. Eu disse que não conseguiria, coloquei a coleira do mesmo jeito que havia encontrado, torta e bamba, e pedi desculpas pela minha burrice. Depois saí atrás do Rafa, que não estava assustado. Tinha apenas fugido da chuva.
De volta ao prédio onde moro, Antônio, o porteiro sarcástico, não escondeu o sorriso. Ele ia falar alguma coisa mas eu não esperei e entrei logo pela porta de serviço com o Rafa. Tudo o que faltava era ouvir uma gracinha do Antônio, sim, senhor, eu pensava comigo mesmo. E quando eu abri a porta do elevador, com pressa, por muito pouco um saco de lixo não desabou em cima de mim.
_Seu Careca, vim lhe avisar que o elevador de serviço está cheio de sacos de lixo – disse o porteiro Antônio.
Depois de subir as escadas, olhei com atenção para ele e tive certeza de que o Rafa, aquele cachorrinho safado, estava rindo de mim.
(O título é John Fante, mas o resto é meu)
10 comentários:
Hahaha, sensacional! Ótima crônica.
hahahahaha careca, meu velho, careca e bom amigo, como que é? terno e touca? o rafa não fugiu de vergonha? hahahaha
Boa!!!
Careca, dá uma olhada nisso:
http://www.guardian.co.uk/books/2010/feb/20/ten-rules-for-writing-fiction-part-one
O que acha?
Valeu, Anna.:)
Franka, ele é sem-vergonha, esse cachorro, não pode ver um poodle...hahahaha
Mwho, legal.:)
Cynthia, as regras são ótimas. O Stephen King em "On Writing" também tem umas ótimas. O difícil é escrever algo palatável a despeito de ter esquecido uma regra ou duas. :)
Que cabelo você quis proteção da chuva?
Sun, nos que ficam em cima das orelhas, ué.
Postar um comentário