Estava bem escuro quando acordei, na manhã de hoje. Tomei banho rapidamente e me vesti para acordar as crianças. Primeiro acendi a luz dos quartos, para que eles se cansassem da claridade e acordassem sozinhos. Depois, para o menino, um abraço para ele se dependurar e esticar a coluna. Para a menina, um beijo que ela fingiu não perceber e continuou a dormir para que a mãe também a mimasse um pouco. Em seguida, escovas de dentes e o uniforme. Os dois iniciam o ano com os calçados novos, mochilas estrambóticas de alças telescópicas gigantescas.
De volta do passeio cronometrado com o cachorro, encontro os dois à mesa. Minha mulher se aproxima com as torradas para o café da mañhã. Está uma delícia. Fazia tempo que as crianças não comiam tão rapidamente e sem reclamações. Iremos juntos conhecer os novos professores, ver as novas salas de aula. Estamos todos bem dispostos e com grandes expectativas.
_Como se chama a sua turma, filha?
_Ainda não tem nome, paiê. É só no dia de escolher - ela disse.
_Depois vamos pensar em alguma coisa para o dia de escolher.
No trajeto, nada de novo, o número de carros é bem maior do que no final do ano passado. Mas a intensidade do trânsito não é uma surpresa. Chegamos dentro do tempo planejado, sem correrias e sobressaltos. As pessoas da escola foram atenciosas e gentis. Os outros pais de alunos também se mostraram simpáticos e cordiais.
As salas de aula são arejadas e bem iluminadas. Na turma da minha filha, poucos alunos novos e os melhores amigos e colegas do ano passado continuam por lá. Na turma do meu filho a classe terá de ser dividida, devido ao grande número de alunos, sem maiores problemas.
E todo o resto do dia transcorreu com a mesma tranquilidade, sem alvoroço.
Eu ansiava por um dia assim, total e completamente banal.
segunda-feira, 31 de janeiro de 2011
domingo, 30 de janeiro de 2011
Volta às aulas 2011
As crianças voltam às aulas nesta segunda-feira. O domingo foi o "dia do último". Para tudo se lembravam que era o último dia. Felizmente fez um dia lindo, com sol. Brincaram até o esgotamento na piscina, no parquinho e nos balanços. Ontem já havíamos comprado sorvete, biscoitos e sucos. Colocamos o filme eleito por aclamação. Eu queria "Super-homem, o retorno", mas eles preferiram "Spy Kids = Pequenos Espiões".
A sessão de vídeo acabou cedo. Segunda-feira é dia de acordar cedo novamente.
A sessão de vídeo acabou cedo. Segunda-feira é dia de acordar cedo novamente.
sábado, 29 de janeiro de 2011
As coisas que aprendi com os discos
Às vezes eu me pego cantarolando pedaços de músicas e fico tentando encaixar esses pedaços em alguma parte da minha vida. É um quebra-cabeça simples para as músicas do Beatles, por exemplo. Eu escutava longamente os Fab 4 na adolescência e no início da vida adulta, então é fácil encaixar músicas dos Beatles no meu período de intenso aprendizado para as coisas da vida. Jazz, rock, funk, música clássica, MPB e até reggae, eu consigo localizar facilmente na minha linha do tempo musical.
A tarefa fica mais complicada quando eu tento encaixar trilhas sonoras com alguma conexão para os filmes da minha memória, para as coisas emocionantes que já me aconteceram. Também é difícil evitar clichês.
Vamos supor, por exemplo, que eu queira tocar na minha cabeça o filme do nascimento do meu primeiro filho. Qual seria a música que eu colocaria no fundo? Seria possível encaixar uma canção? Seria apenas um violão? Bongôs? Bateria? Flauta?
O exercício se revela bem complicado, porque não consigo me decidir e acho que todas as canções e músicas em que penso são inadequadas, não cabem naquele momento.
Agora o problema começa a aumentar se você começar a se pegar colocando uma trilha sonora no meio de uma conversa que ainda nem terminou.
_Precisamos discutir a nossa relação - ela diz.
_(Tcham-tcham-tcham-tchaaammmmm - Beethoven é lógico)Hum-hum - ele diz.
_Acho que você não me dá muita atenção...
_(Todo dia ela faz tudo sempre igual - Chico, é lógico) Hum-hum - ele diz.
_...e também não...
_(I can´t get no...Stones) Hum-hum - ele diz.
_ ... e você também ....
_ (No, no, no, no...ainda Stones)Hum-hum .
_... por isso eu vou ...
_(This is the end... Doors)Hum-hum.
_...porque você é um...
_(I am the walrus...Beatles)Hum-hum.
_..e minha mãe bem...
_(Your mother should know...Beatles)
_...sozinho...
_(Picture yuourself in a boat... Beatles)
A tarefa fica mais complicada quando eu tento encaixar trilhas sonoras com alguma conexão para os filmes da minha memória, para as coisas emocionantes que já me aconteceram. Também é difícil evitar clichês.
Vamos supor, por exemplo, que eu queira tocar na minha cabeça o filme do nascimento do meu primeiro filho. Qual seria a música que eu colocaria no fundo? Seria possível encaixar uma canção? Seria apenas um violão? Bongôs? Bateria? Flauta?
O exercício se revela bem complicado, porque não consigo me decidir e acho que todas as canções e músicas em que penso são inadequadas, não cabem naquele momento.
Agora o problema começa a aumentar se você começar a se pegar colocando uma trilha sonora no meio de uma conversa que ainda nem terminou.
_Precisamos discutir a nossa relação - ela diz.
_(Tcham-tcham-tcham-tchaaammmmm - Beethoven é lógico)Hum-hum - ele diz.
_Acho que você não me dá muita atenção...
_(Todo dia ela faz tudo sempre igual - Chico, é lógico) Hum-hum - ele diz.
_...e também não...
_(I can´t get no...Stones) Hum-hum - ele diz.
_ ... e você também ....
_ (No, no, no, no...ainda Stones)Hum-hum .
_... por isso eu vou ...
_(This is the end... Doors)Hum-hum.
_...porque você é um...
_(I am the walrus...Beatles)Hum-hum.
_..e minha mãe bem...
_(Your mother should know...Beatles)
_...sozinho...
_(Picture yuourself in a boat... Beatles)
sexta-feira, 28 de janeiro de 2011
Precisamos de um novo Jimmy
Era isso que falavam na TV, na série “Dinossauros”, de Jim Henson, o doido genial que inventou a Vila Sésamo e os Muppets. Em todos os episódios, Baby - um bebê dinossauro aparecia vendo TV, onde eram exibidos programas ainda mais loucos do que os amalucados episódios de uma típica família de dinossauros norte-americanos dos jurássicos anos oitenta.
Um deles era o Blarney, uma gozação com o Barney, um programa infantil chatíssimo que a NET exibia até pouco tempo no Brasil. Ambos, Barney e Blarney, cantavam músicas imbecis e ficavam passeando na frente da câmera imóvel, sem parar de se mexer e soltando interjeições idiotas o tempo todo: Oohhh, aaahahah, Gossh, hyyyyypppp, etc. Na série de Henson, estava ali, mais do que evidente, o gigantesco apelo comercial de Blarney e a pavorosa lavagem cerebral consumista que promovia nos bebês dinos e demais coadjuvantes. Coisa que os bonecos de Henson também faziam, mas com grandes doses de auto-ironia e gozação no meio.
Na minha opinião, Baby, o Bebê Dino é o melhor personagem criado pelo Jim Henson, depois do Animal. No Muppet Show, o baterista heavy metal ensandecido, com seus grunhidos e gritos aleatórios, as reações mais surpreendentes e o absoluto desdém para qualquer tipo de autoridade, sempre me levou às gargalhadas. O Animal era o lado mais selvagem, rebelde e engraçado que toda criança tem dentro de si e eu me identificava totalmente com aquele monstrinho, embora fosse um pouco mais pacato e menos espalhafatoso quando menino.
Baby, com seu egocentrismo absoluto e seu imediatismo furioso, também me fazia rir gargalhadas homéricas. Eu já era adulto, mas minha identificação com o Bebê era total e absoluta. Houve uma época relativamente longa em que EU só me importava absolutamente com o que EU fazia, com o que Eu queria, e com o que EU achava de tudo. E tudo tinha que ser AGORA. Hoje em dia tudo mudou uns dois por cento.
O Bebê Dino adorava ver a destruição diária de um eterno figurante dos programas de TV dos dinossauros, o Pequeno Jimmy. A TV que os olhos gulosos do dinossaurinho engoliam mostrava, por exemplo, um modesto programa de culinária . Nele, um dinossauro cozinheiro vestido de cientista maluco ensinaria a fazer prosaicos omeletes com a ajuda do Pequeno Jimmy. Porém, antes que a receita terminasse, Babyssauro já sabia que um triste fim esperava por Jimmy. O filhote de dinossauro assistia deliciado Jimmy ser explodido, fatiado, congelado, fervido, cozido e espremido e gritava junto com o cientista:
_Precisamos de um outro Jimmy!!
Quando estou de bom humor, acho que o Pequeno Jimmy era uma forma gozada que Henson tinha inventado para nos alertar sobre a exposição das crianças à violência gratuita da TV. Quando estou de mau humor, acho que Henson estava apenas praticando uma forma de humor mais escrachada e livre, com uma abordagem irônica sobre a violência a que todos estamos expostos, principalmente as crianças. Quando estou me sentindo bem reptiliano, acho tudo uma coisa muito engraçada, sem um propósito definido, ou seja, um barato.
Algumas vezes, no trabalho, eu olho para diversas pessoas, a quem chamo mentalmente de Pequenos Jimmys. Daí a pouco, quando uma dessas pessoas se aproxima, eu penso que o cientista lagarto bem que poderia aparecer a qualquer momento para me ensinar uma receita culinária bem simples. E mesmo quando ele não aparece, eu digo bem baixinho para mim mesmo:
_Precisamos de um novo Jimmy!
Um deles era o Blarney, uma gozação com o Barney, um programa infantil chatíssimo que a NET exibia até pouco tempo no Brasil. Ambos, Barney e Blarney, cantavam músicas imbecis e ficavam passeando na frente da câmera imóvel, sem parar de se mexer e soltando interjeições idiotas o tempo todo: Oohhh, aaahahah, Gossh, hyyyyypppp, etc. Na série de Henson, estava ali, mais do que evidente, o gigantesco apelo comercial de Blarney e a pavorosa lavagem cerebral consumista que promovia nos bebês dinos e demais coadjuvantes. Coisa que os bonecos de Henson também faziam, mas com grandes doses de auto-ironia e gozação no meio.
Na minha opinião, Baby, o Bebê Dino é o melhor personagem criado pelo Jim Henson, depois do Animal. No Muppet Show, o baterista heavy metal ensandecido, com seus grunhidos e gritos aleatórios, as reações mais surpreendentes e o absoluto desdém para qualquer tipo de autoridade, sempre me levou às gargalhadas. O Animal era o lado mais selvagem, rebelde e engraçado que toda criança tem dentro de si e eu me identificava totalmente com aquele monstrinho, embora fosse um pouco mais pacato e menos espalhafatoso quando menino.
Baby, com seu egocentrismo absoluto e seu imediatismo furioso, também me fazia rir gargalhadas homéricas. Eu já era adulto, mas minha identificação com o Bebê era total e absoluta. Houve uma época relativamente longa em que EU só me importava absolutamente com o que EU fazia, com o que Eu queria, e com o que EU achava de tudo. E tudo tinha que ser AGORA. Hoje em dia tudo mudou uns dois por cento.
O Bebê Dino adorava ver a destruição diária de um eterno figurante dos programas de TV dos dinossauros, o Pequeno Jimmy. A TV que os olhos gulosos do dinossaurinho engoliam mostrava, por exemplo, um modesto programa de culinária . Nele, um dinossauro cozinheiro vestido de cientista maluco ensinaria a fazer prosaicos omeletes com a ajuda do Pequeno Jimmy. Porém, antes que a receita terminasse, Babyssauro já sabia que um triste fim esperava por Jimmy. O filhote de dinossauro assistia deliciado Jimmy ser explodido, fatiado, congelado, fervido, cozido e espremido e gritava junto com o cientista:
_Precisamos de um outro Jimmy!!
Quando estou de bom humor, acho que o Pequeno Jimmy era uma forma gozada que Henson tinha inventado para nos alertar sobre a exposição das crianças à violência gratuita da TV. Quando estou de mau humor, acho que Henson estava apenas praticando uma forma de humor mais escrachada e livre, com uma abordagem irônica sobre a violência a que todos estamos expostos, principalmente as crianças. Quando estou me sentindo bem reptiliano, acho tudo uma coisa muito engraçada, sem um propósito definido, ou seja, um barato.
Algumas vezes, no trabalho, eu olho para diversas pessoas, a quem chamo mentalmente de Pequenos Jimmys. Daí a pouco, quando uma dessas pessoas se aproxima, eu penso que o cientista lagarto bem que poderia aparecer a qualquer momento para me ensinar uma receita culinária bem simples. E mesmo quando ele não aparece, eu digo bem baixinho para mim mesmo:
_Precisamos de um novo Jimmy!
quinta-feira, 27 de janeiro de 2011
Porque não tenho uma barriga tanquinho
Há anos tenho uma barra adaptável para fazer exercícios físicos. É de metal, é lógico. Um dos lados gira e "aparafusa", aumentando ou diminuindo a barra, e com isso você consegue colocá-la entre dois batentes de porta para fazer exercícios. Essa barra fica bem no alto da porta do quarto do meu filho e de vez em quando eu a uso para me exercitar. Houve uma época em que não havia o menor problema em fazer três séries seguidas de dez flexões. Hoje em dia, só consigo fazer séries de cinco, com intervalos de três minutos.
O que dificulta a realização dos exercícios não é a musculatura dos braços. É a musculatura da barriga. Sempre detestei fazer abdominais, mas sem o fortalecimento dos músculos da barriga estou condenado ao vexame de fazer apenas uma série de cinco barras a cada três minutos. Tudo bem, não sou nenhum atleta, mas isso é pouco mesmo para um sujeito sedentário.
A minha preocupação com os músculos da barriga começou quando li uma reportagem numa revista feminina que pretendia ensinar homens a ter uma barriga de “tanquinho”. Achei aquilo duplamente esquisito. Obviamente, eu não sabia o que era uma barriga dessas. E provavelmente nem teria lido a matéria se eu não tivesse perguntado para a minha mulher o que era aquilo e o que estava fazendo numa revista para mulheres.
_ Homens também sabem ler, oras. E tanquinho é uma barriga toda dividida por músculos fortes. É comum em homens jovens, bonitos e sarados. É coisa muito rara em homens com a sua idade – ela disse.
Na reportagem, estava escrito que o melhor exercício para ficar com barriga tanquinho era feito com a barra fixa. Era simples. As mãos deveriam agarrar a barra com os polegares para fora. Isso aumentaria a tensão da musculatura do pescoço, dos braços, do abdômen e até de vários músculos das pernas. Depois era só fazer força e erguer o corpo até que o queixo chegasse à altura da barra. A reportagem informava que o mesmo exercício também poderia ser feito com os polegares para dentro. E não havia nenhuma menção sobre as vantagens de se fazer o exercício com os polegares para dentro ou para fora. Com isso, deduzi que os benefícios seriam iguais.
Também estava escrito que a maioria das mulheres preferem os homens com barriga tanquinho. Pela resposta da minha mulher, não posso dizer que ela também está incluída nessa categoria. Afinal de contas, tenho essa barriga há muitos anos, desde os tempos de solteiro, e ela nunca reclamou dela. Nem é mesmo uma barriga do tamanho para se criar uma obsessão. É só uma barriga comum. Nem muito grande, que me impeça de colocar as meias ou de ver as pontas dos sapatos, nem muito pequena, daquelas barriguinhas ridículas, que parecem que o sujeito engoliu uma bola de meia.
Li essa reportagem há um bom tempo. Desde então, tenho olhado para a minha barra de fazer exercícios físicos e planejado a realização de séries gigantescas. Mas até mesmo na minha imaginação, a minha barriga flácida tem impedido todos os progressos. Nesse ponto eu tenho de confessar que não é só a minha barriga que impede o meu programa de exercícios. A barra é antiga e as espumas rijas nos pontos de apoio das mãos estão ressecadas. Em conseqüência, fazer esses exercícios é cansativo e provoca calos nas mãos. Com a prática, descobri que para mim é mais cômodo fazer o exercício da barra com os polegares para dentro. Mas não sou muito assíduo e costumo adiar o ímpeto de me pendurar na barra para me exercitar.
O melhor que faço é somente me pendurar ali, porque isso é ótimo para esticar a coluna e eliminar dores nas costas. Então eu me penduro ali praticamente todos os dias e me balanço um pouco, para frente e para trás. Não elimina a barriga, mas a perspectiva das coisas fica um pouco mais clara quando estou ali, pendurado. Entretanto, isso só acontece quando já estou ali há alguns minutos, com os músculos dos braços esticados e cansados. Quase sempre penso na mesma coisa. Estou suspenso sobre um enorme abismo e minha única chance de salvação está em fazer uma série de 10subidas rápidas, com as pernas cruzadas e sem balançar o corpo. Mesmo com esse pensamento, não passo de 5 subidas, a última quase me deixa sem fôlego. Então eu estico as pontas dos pés e apoio o peso triplicado do meu corpo sobre as minhas pernas. Deixo passar alguns minutos e volto a me pendurar.
Ontem fui examinar a barra de exercícios, porque da última vez que a usei, no início da semana, ela escorregou um pouco. Retirei a barra com cuidado. A borracha do lado que gira e “aparafusa” está mais ressacada. Depois eu recoloquei a barra e aproveitei para me pendurar um pouco. Enquanto estava ali fiquei pensando que estou sempre me auto-sabotando e que o melhor era esquecer essa coisa idiota de barriga tanquinho e simplesmente deixar pra lá. Aí fechei os olhos e me deixei cair no enorme abismo de mim mesmo.
O que dificulta a realização dos exercícios não é a musculatura dos braços. É a musculatura da barriga. Sempre detestei fazer abdominais, mas sem o fortalecimento dos músculos da barriga estou condenado ao vexame de fazer apenas uma série de cinco barras a cada três minutos. Tudo bem, não sou nenhum atleta, mas isso é pouco mesmo para um sujeito sedentário.
A minha preocupação com os músculos da barriga começou quando li uma reportagem numa revista feminina que pretendia ensinar homens a ter uma barriga de “tanquinho”. Achei aquilo duplamente esquisito. Obviamente, eu não sabia o que era uma barriga dessas. E provavelmente nem teria lido a matéria se eu não tivesse perguntado para a minha mulher o que era aquilo e o que estava fazendo numa revista para mulheres.
_ Homens também sabem ler, oras. E tanquinho é uma barriga toda dividida por músculos fortes. É comum em homens jovens, bonitos e sarados. É coisa muito rara em homens com a sua idade – ela disse.
Na reportagem, estava escrito que o melhor exercício para ficar com barriga tanquinho era feito com a barra fixa. Era simples. As mãos deveriam agarrar a barra com os polegares para fora. Isso aumentaria a tensão da musculatura do pescoço, dos braços, do abdômen e até de vários músculos das pernas. Depois era só fazer força e erguer o corpo até que o queixo chegasse à altura da barra. A reportagem informava que o mesmo exercício também poderia ser feito com os polegares para dentro. E não havia nenhuma menção sobre as vantagens de se fazer o exercício com os polegares para dentro ou para fora. Com isso, deduzi que os benefícios seriam iguais.
Também estava escrito que a maioria das mulheres preferem os homens com barriga tanquinho. Pela resposta da minha mulher, não posso dizer que ela também está incluída nessa categoria. Afinal de contas, tenho essa barriga há muitos anos, desde os tempos de solteiro, e ela nunca reclamou dela. Nem é mesmo uma barriga do tamanho para se criar uma obsessão. É só uma barriga comum. Nem muito grande, que me impeça de colocar as meias ou de ver as pontas dos sapatos, nem muito pequena, daquelas barriguinhas ridículas, que parecem que o sujeito engoliu uma bola de meia.
Li essa reportagem há um bom tempo. Desde então, tenho olhado para a minha barra de fazer exercícios físicos e planejado a realização de séries gigantescas. Mas até mesmo na minha imaginação, a minha barriga flácida tem impedido todos os progressos. Nesse ponto eu tenho de confessar que não é só a minha barriga que impede o meu programa de exercícios. A barra é antiga e as espumas rijas nos pontos de apoio das mãos estão ressecadas. Em conseqüência, fazer esses exercícios é cansativo e provoca calos nas mãos. Com a prática, descobri que para mim é mais cômodo fazer o exercício da barra com os polegares para dentro. Mas não sou muito assíduo e costumo adiar o ímpeto de me pendurar na barra para me exercitar.
O melhor que faço é somente me pendurar ali, porque isso é ótimo para esticar a coluna e eliminar dores nas costas. Então eu me penduro ali praticamente todos os dias e me balanço um pouco, para frente e para trás. Não elimina a barriga, mas a perspectiva das coisas fica um pouco mais clara quando estou ali, pendurado. Entretanto, isso só acontece quando já estou ali há alguns minutos, com os músculos dos braços esticados e cansados. Quase sempre penso na mesma coisa. Estou suspenso sobre um enorme abismo e minha única chance de salvação está em fazer uma série de 10subidas rápidas, com as pernas cruzadas e sem balançar o corpo. Mesmo com esse pensamento, não passo de 5 subidas, a última quase me deixa sem fôlego. Então eu estico as pontas dos pés e apoio o peso triplicado do meu corpo sobre as minhas pernas. Deixo passar alguns minutos e volto a me pendurar.
Ontem fui examinar a barra de exercícios, porque da última vez que a usei, no início da semana, ela escorregou um pouco. Retirei a barra com cuidado. A borracha do lado que gira e “aparafusa” está mais ressacada. Depois eu recoloquei a barra e aproveitei para me pendurar um pouco. Enquanto estava ali fiquei pensando que estou sempre me auto-sabotando e que o melhor era esquecer essa coisa idiota de barriga tanquinho e simplesmente deixar pra lá. Aí fechei os olhos e me deixei cair no enorme abismo de mim mesmo.
quarta-feira, 26 de janeiro de 2011
O menino e o lobo
Estou conversando com esse meu amigo e ele me conta que morou por alguns anos num apartamento que ficava perto de uma curva perigosa, no final da Asa Norte, em Brasília. Ali, os oito quilômetros de uma pista praticamente reta terminavam com uma dobradura de noventa graus. Os motoristas vinham embalados por álcool e velocidade, muitos não conseguiam concluir a curva.
Ele disse que a primeira vez aconteceu na noite seguinte à mudança para o apartamento. Era um apê de três quartos, bem grande e espaçoso para um cara solteiro, num prédio com três andares, sem elevador e sem porteiro. Ficava no último canto útil da quadra. E sua janela dava de frente para a pista. E também para os acidentes. Ele acordou assustado com o barulho, correu para a janela e viu o carro capotado. Saiu em disparada, sem pensar direito, sem método, sem estabelecer prioridades.
Era uma moça. Não tinha quebrado nada, mas tinha sangue no cabelo. Havia um cheiro forte de fumaça, gasolina. Os bombeiros foram os primeiros a chegar. Depois vieram os policiais. Mas quem ajudou a moça a sair do carro foi ele. Ela gemia. Amparou a criatura até a ambulância. É impossível lembrar o nome da mulher. As feições. Ou se houve um sorriso. Lembra apenas que ela não agradeceu. Não disse nem obrigado.
Depois, com o passar do tempo, se organizou. Primeiro telefonar, chamar o socorro, depois descer e ver se poderia fazer alguma coisa enquanto esperava os carros da polícia, dos bombeiros e a ambulância.
Ele conta que se cansou de socorrer pessoas acidentadas. Ouviu dezenas de gritos de dor. Se acostumou com os cheiros dos carros amassados, óleo pingando, borracha queimada. Viu pessoas morrerem. As piores noites eram de quinta para sexta e de sábado para domingo. Sempre ligava, chamando polícia, bombeiros, ambulância antes de descer correndo as escadas do primeiro andar até as vítimas. Em algumas ocasiões, ele socorreu acidentados em sequência. Escutava o barulho, pegava o telefone sem fio e corria. Enquanto discava para chamar ajuda para o primeiro, o segundo acontecia. Era tão perto de casa que o telefone sem fio funcionava muito bem. Rateava um pouco. Mas com o tempo, sabia exatamente onde o telefone começaria a falhar.
Eram homens, mulheres, moças, rapazes, duplas, trincas, quadras e até quinas de pessoas. Eram idosos, idosas, jovens, tios e tias, feios, bonitos, pobres, ricos, gente de todos os tipos. Alguns se machucavam muito dentro de carros que só amassavam um pouco. Outros escapavam sem um único arranhão de carros que se espatifavam.
Havia também os repetentes. Em um ano, ajudou o mesmo rapaz duas vezes, depois que ele destruiu dois carros diferentes. Mas o rapaz não se lembrava dele. Em outras ocasiões fez amigos. Mas também conheceu chatos auto-destrutivos e psicopatas que a Providência tinha deixado escapar por motivos impenetráveis.
Dois outros amigos foram morar com ele para dividir as despesas do apê. No início, atuavam em grupo, descendo juntos para auxiliar os acidentados. Formavam uma equipe. Uma tríade de salvadores da madrugada. Depois enjoaram. Nem olhavam mais pela janela. Acabaram dividindo também as operações de socorro. Tentaram um revezamento.
_Hoje é você, na próxima sexta tenho um encontro importante.
E como essas coisas de divisão sempre dão confusão, as pessoas esquecem quem já fez o quê e se aporrinham à toa, tudo dana a desandar. Aí começaram a tirar no palitinho quem iria descer.
_Pô, sacanagem, perdi de novo!
Cansaram de palitinho e partiram para a adedonha. Você sabe: A-DE-DOOOOONNNN-NHÁÁ. O diferente é o escolhido.
Um dia perceberam que estavam fingindo que não escutavam o barulho. E depois perceberam que não era fingimento. Eles realmente não escutavam mais o estrondo do retorcer dos metais e o estalar dos vidros partidos. E nem os gemidos.
_Sabe a história do menino e o lobo? O pastorzinho de ovelhas grita por socorro e todos da aldeia correm para ajudá-lo contra o lobo. Mas é mentira do pastor. Todos vão embora com raiva. Aí o pastor torna a gritar "socorro, socorro, é o lobo, é o lobo". E mais uma vez os aldeões correm para salvar suas ovelhas, mas é mentira. E na terceira vez que o pastorzinho grita por socorro, ninguém aparece para ajudá-lo e o lobo devora todas as ovelhas e mata o pastorzinho - disse o meu amigo.
_O que tem a ver? - eu disse.
_Você pode achar que é loucura, mas para mim, mesmo que o pastorzinho falasse sempre a verdade, ninguém apareceria para ajudá-lo. Os aldeões não ligam a mínima para o pastorzinho. A verdade é que eles só queriam um pretexto para se livrar da concorrência e aumentar o preço dos frangos criados na aldeia.
_Que frangos? - eu disse.
_Pô, você não entende metáfora.
_Nem sabia que os caras criavam frangos - eu disse.
Ele disse que a primeira vez aconteceu na noite seguinte à mudança para o apartamento. Era um apê de três quartos, bem grande e espaçoso para um cara solteiro, num prédio com três andares, sem elevador e sem porteiro. Ficava no último canto útil da quadra. E sua janela dava de frente para a pista. E também para os acidentes. Ele acordou assustado com o barulho, correu para a janela e viu o carro capotado. Saiu em disparada, sem pensar direito, sem método, sem estabelecer prioridades.
Era uma moça. Não tinha quebrado nada, mas tinha sangue no cabelo. Havia um cheiro forte de fumaça, gasolina. Os bombeiros foram os primeiros a chegar. Depois vieram os policiais. Mas quem ajudou a moça a sair do carro foi ele. Ela gemia. Amparou a criatura até a ambulância. É impossível lembrar o nome da mulher. As feições. Ou se houve um sorriso. Lembra apenas que ela não agradeceu. Não disse nem obrigado.
Depois, com o passar do tempo, se organizou. Primeiro telefonar, chamar o socorro, depois descer e ver se poderia fazer alguma coisa enquanto esperava os carros da polícia, dos bombeiros e a ambulância.
Ele conta que se cansou de socorrer pessoas acidentadas. Ouviu dezenas de gritos de dor. Se acostumou com os cheiros dos carros amassados, óleo pingando, borracha queimada. Viu pessoas morrerem. As piores noites eram de quinta para sexta e de sábado para domingo. Sempre ligava, chamando polícia, bombeiros, ambulância antes de descer correndo as escadas do primeiro andar até as vítimas. Em algumas ocasiões, ele socorreu acidentados em sequência. Escutava o barulho, pegava o telefone sem fio e corria. Enquanto discava para chamar ajuda para o primeiro, o segundo acontecia. Era tão perto de casa que o telefone sem fio funcionava muito bem. Rateava um pouco. Mas com o tempo, sabia exatamente onde o telefone começaria a falhar.
Eram homens, mulheres, moças, rapazes, duplas, trincas, quadras e até quinas de pessoas. Eram idosos, idosas, jovens, tios e tias, feios, bonitos, pobres, ricos, gente de todos os tipos. Alguns se machucavam muito dentro de carros que só amassavam um pouco. Outros escapavam sem um único arranhão de carros que se espatifavam.
Havia também os repetentes. Em um ano, ajudou o mesmo rapaz duas vezes, depois que ele destruiu dois carros diferentes. Mas o rapaz não se lembrava dele. Em outras ocasiões fez amigos. Mas também conheceu chatos auto-destrutivos e psicopatas que a Providência tinha deixado escapar por motivos impenetráveis.
Dois outros amigos foram morar com ele para dividir as despesas do apê. No início, atuavam em grupo, descendo juntos para auxiliar os acidentados. Formavam uma equipe. Uma tríade de salvadores da madrugada. Depois enjoaram. Nem olhavam mais pela janela. Acabaram dividindo também as operações de socorro. Tentaram um revezamento.
_Hoje é você, na próxima sexta tenho um encontro importante.
E como essas coisas de divisão sempre dão confusão, as pessoas esquecem quem já fez o quê e se aporrinham à toa, tudo dana a desandar. Aí começaram a tirar no palitinho quem iria descer.
_Pô, sacanagem, perdi de novo!
Cansaram de palitinho e partiram para a adedonha. Você sabe: A-DE-DOOOOONNNN-NHÁÁ. O diferente é o escolhido.
Um dia perceberam que estavam fingindo que não escutavam o barulho. E depois perceberam que não era fingimento. Eles realmente não escutavam mais o estrondo do retorcer dos metais e o estalar dos vidros partidos. E nem os gemidos.
_Sabe a história do menino e o lobo? O pastorzinho de ovelhas grita por socorro e todos da aldeia correm para ajudá-lo contra o lobo. Mas é mentira do pastor. Todos vão embora com raiva. Aí o pastor torna a gritar "socorro, socorro, é o lobo, é o lobo". E mais uma vez os aldeões correm para salvar suas ovelhas, mas é mentira. E na terceira vez que o pastorzinho grita por socorro, ninguém aparece para ajudá-lo e o lobo devora todas as ovelhas e mata o pastorzinho - disse o meu amigo.
_O que tem a ver? - eu disse.
_Você pode achar que é loucura, mas para mim, mesmo que o pastorzinho falasse sempre a verdade, ninguém apareceria para ajudá-lo. Os aldeões não ligam a mínima para o pastorzinho. A verdade é que eles só queriam um pretexto para se livrar da concorrência e aumentar o preço dos frangos criados na aldeia.
_Que frangos? - eu disse.
_Pô, você não entende metáfora.
_Nem sabia que os caras criavam frangos - eu disse.
terça-feira, 25 de janeiro de 2011
A morte do Tocha Humana
O Tocha vai morrer. Já estou perdendo a conta dos heróis que eu já vi partir desta para melhor. Teve o Capitão Marvel, uns dois ou três Robins, o Super-Homem, um clone do Homem-Aranha, o Capitão América, um herói que morreu de Aids(esqueci o nome), o Demolidor e uma miríade de heróis menos conhecidos e namoradas de super. O campeão de perdas era o herói aracnídeo.
Peter Parker perdeu o tio Ben, a Tia May, a namorada Gwen Stacy e umas duas outras que eu não me lembro o nome. E pensou ter perdido a si mesmo várias e várias vezes. Durante uma longa temporada, inventaram um clone para o Peter e o aposentaram. Virou uma bagunça tão confusa nessa época que deixei de comprar a revista.
Agora leio que o Tocha será incinerado, torpedeado, filetado e torrado. Por mim, tudo bem, nunca fui muito fã dos 4 Fantásticos nos quadrinhos. Só lamento porque o Tocha era um herói sem nenhuma modéstia, politicamente incorreto e mulherengo(pelo menos no cinema). Tocha era tão contador de vantagem quanto o Flash, o herói mais rápido do mundo. Era fogo. E vivia implicando com o Coisa, o monstrengo de pedra. As gozações e piadas de um com o outro eram frequentes nos quadrinhos, nos vídeos e no cinema. Tocha implicava com a grossura, a ignorância, o peso e o feiúra do Coisa. As situações às vezes terminavam em porrada. Eu gostava.
Para mim, a morte do Tocha significa mais uma vitória da turma politicamente correta e da chatice. Dizem que possivelmente é mais um golpe de marketing para esquentar as vendas dos quadrinhos. Duvido. A coisa degringolou. Agora os heróis não saem simplesmente de cena, desencarnam.
Já foi diferente, lembra? Batman aparentemente morria em todas as melhores capas da revista do herói, no início dos anos setenta. A fórmula funcionava super-bem. E foi mais do que usada e abusada, ainda muito tempo antes disso, nos primórdios da TV e do cinema, décadas antes das graphic novels. Zorro, Super-Homem, Spirit, Fantasma, Capitão Marvel, Tarzan, Flash, Jim das Selvas, Rin-tin-tin, Cabo Rust, Hulk, não importa, todos eles quase morriam em todos os episódios. Escapar da morte certa era o que fazia deles, afinal de contas, heróis. Ainda que fossem só um cachorro e um menino vestido com o uniforme da cavalaria. Eles escapavam da morte e faziam o bem, era o que bastava. E se escapavam de um jeito espetacular, sem revelar a identidade secreta, então, era super demais.
O Spirit, do Will Eisner , e o Fantasma, de Lee Falk nasceram evidentemente a partir desse princípio do imorrível. O Spirit monta o esconderijo na própria tumba. E o Fantasma,cujo símbolo é uma caveira, se esconde numa caverna onde repousam, secretamente, os ossos de todos os antepassados.
Ms tudo se relativiza e se enfastia. Os heróis ficam mais humanos e vulneráveis. Ficam mais transparentes e ganham sentimentos mais complexos. As coisas da infância permeiam o mundo adulto. As crianças torcem o nariz ou não? Difícil saber. As infâncias são diferentes, é óbvio, e as inocências e criancices também. Mesmo assim, aposto que não vão ligar a mínima para a morte do Tocha.
Peter Parker perdeu o tio Ben, a Tia May, a namorada Gwen Stacy e umas duas outras que eu não me lembro o nome. E pensou ter perdido a si mesmo várias e várias vezes. Durante uma longa temporada, inventaram um clone para o Peter e o aposentaram. Virou uma bagunça tão confusa nessa época que deixei de comprar a revista.
Agora leio que o Tocha será incinerado, torpedeado, filetado e torrado. Por mim, tudo bem, nunca fui muito fã dos 4 Fantásticos nos quadrinhos. Só lamento porque o Tocha era um herói sem nenhuma modéstia, politicamente incorreto e mulherengo(pelo menos no cinema). Tocha era tão contador de vantagem quanto o Flash, o herói mais rápido do mundo. Era fogo. E vivia implicando com o Coisa, o monstrengo de pedra. As gozações e piadas de um com o outro eram frequentes nos quadrinhos, nos vídeos e no cinema. Tocha implicava com a grossura, a ignorância, o peso e o feiúra do Coisa. As situações às vezes terminavam em porrada. Eu gostava.
Para mim, a morte do Tocha significa mais uma vitória da turma politicamente correta e da chatice. Dizem que possivelmente é mais um golpe de marketing para esquentar as vendas dos quadrinhos. Duvido. A coisa degringolou. Agora os heróis não saem simplesmente de cena, desencarnam.
Já foi diferente, lembra? Batman aparentemente morria em todas as melhores capas da revista do herói, no início dos anos setenta. A fórmula funcionava super-bem. E foi mais do que usada e abusada, ainda muito tempo antes disso, nos primórdios da TV e do cinema, décadas antes das graphic novels. Zorro, Super-Homem, Spirit, Fantasma, Capitão Marvel, Tarzan, Flash, Jim das Selvas, Rin-tin-tin, Cabo Rust, Hulk, não importa, todos eles quase morriam em todos os episódios. Escapar da morte certa era o que fazia deles, afinal de contas, heróis. Ainda que fossem só um cachorro e um menino vestido com o uniforme da cavalaria. Eles escapavam da morte e faziam o bem, era o que bastava. E se escapavam de um jeito espetacular, sem revelar a identidade secreta, então, era super demais.
O Spirit, do Will Eisner , e o Fantasma, de Lee Falk nasceram evidentemente a partir desse princípio do imorrível. O Spirit monta o esconderijo na própria tumba. E o Fantasma,cujo símbolo é uma caveira, se esconde numa caverna onde repousam, secretamente, os ossos de todos os antepassados.
Ms tudo se relativiza e se enfastia. Os heróis ficam mais humanos e vulneráveis. Ficam mais transparentes e ganham sentimentos mais complexos. As coisas da infância permeiam o mundo adulto. As crianças torcem o nariz ou não? Difícil saber. As infâncias são diferentes, é óbvio, e as inocências e criancices também. Mesmo assim, aposto que não vão ligar a mínima para a morte do Tocha.
segunda-feira, 24 de janeiro de 2011
Escombros e chamas
Estou lendo “O leitor apaixonado”, uma coletânea de crônicas sobre livros, revistas e escritores do inigualável Ruy Castro. Conta histórias do arco-da-velha sobre os autores que ele aprendeu a ler, sobre os escritores com quem conviveu e sobre os outros e outras que admirou e continua a ler até hoje.
Ruy Castro é um campeão da escrita. Ele escreve tão bem que deixa a gente com o beicinho pendurado, igual ao do Daniel Craig, o ator que faz o James Bond.
Castro desfia belas e gostosas histórias sobre seus amigos, como Carlos Heitor Cony e Paulo Francis. Conta, por exemplo, que Paulo Francis foi morar de favor em Nova York em 1971 porque não agüentava mais ser preso. Eram prisões kafkanianas, ele nunca soube porque o prendiam, ninguém lhe dizia nada, só o "teje preso". Tinha sido um esquerdossauro chinfrim e estava mais para esnobe da direita do que qualquer outra coisa.
No auto-exílio, Francis se reinventou e criou o personagem que falaria na TV com aquela pose sarcástica e o pendantismo arrastado. Ruy Castro atribui a morte de Paulo Francis a uma conjugação de fatores, inclusive displicência pessoal, mas destacou um vilão: o processo de US$ 100 milhões que Francis enfrentava na justiça norte-americana, movida pelo ex-presidente da Petrobrás, Joel Maria Rennó.
As crônicas reunidas são entusiasmadas, elogiosas, puro mel. Castro não desanca ninguém, coisa que mais acontece nas igrejinhas da literatura brasileira. Muito pelo contrário, ele exercita cânticos realmente apaixonados e apaixonantes sobre os livros e escritores que desfilam por ali.
Um deles é Luís Martins, de quem traça a fantástica biografia: do jovem jornalista/taxista/romancista que se apaixona por Tarsila do Amaral (com o dobro de sua idade, famosa, rica e casada) por quem é também correspondido. Tarsila fica com o garotão. Martins abandona o romance e vira o maior crítico de arte do país. Depois, a história se repete ao inverso, com Luís Martins tendo uma paixão fulminante por uma prima de Tarsila, que tinha a metade de sua idade. No final, Castro explica que está tudo ali, nas Cartas de Amor que as duas mulheres dirigiram a Luís Martins. Dá vontade de procurar o livro imediatamente e ler as cartas apaixonadas uma a uma, sem parar.
E aí descubro o problema de ler os livros que remetem prosaicamente e com tantos elogios a outros livros. Livros assim parecem bonecas russas, você tira uma boneca de dentro da outra, até cansar. Dá vontade de ler todos os livros e autores mencionados e de comparar opiniões e impressões.
Daria, porque agora já não acho o livro. Rose, a governanta-universitária-cozinheira-babá-faz-tudo daqui de casa, deve ter guardado o livro em algum ponto esquisito da estante. Passo horas procurando e nunca encontro.
Quando vejo, estou folheando outros livros, afoito, como se procurasse uma frase, um parágrafo, que eu não sei mais o que é. É um sentimento recorrente. Batizei isso de "angústia Nome da Rosa", porque parece a busca desesperada de um livro que terá resposta para o maior dos mistérios. Mas eu sei que se o encontrar, estará envenenado ou todas as outras coisas cairão entre escombros e chamas.
Ruy Castro é um campeão da escrita. Ele escreve tão bem que deixa a gente com o beicinho pendurado, igual ao do Daniel Craig, o ator que faz o James Bond.
Castro desfia belas e gostosas histórias sobre seus amigos, como Carlos Heitor Cony e Paulo Francis. Conta, por exemplo, que Paulo Francis foi morar de favor em Nova York em 1971 porque não agüentava mais ser preso. Eram prisões kafkanianas, ele nunca soube porque o prendiam, ninguém lhe dizia nada, só o "teje preso". Tinha sido um esquerdossauro chinfrim e estava mais para esnobe da direita do que qualquer outra coisa.
No auto-exílio, Francis se reinventou e criou o personagem que falaria na TV com aquela pose sarcástica e o pendantismo arrastado. Ruy Castro atribui a morte de Paulo Francis a uma conjugação de fatores, inclusive displicência pessoal, mas destacou um vilão: o processo de US$ 100 milhões que Francis enfrentava na justiça norte-americana, movida pelo ex-presidente da Petrobrás, Joel Maria Rennó.
As crônicas reunidas são entusiasmadas, elogiosas, puro mel. Castro não desanca ninguém, coisa que mais acontece nas igrejinhas da literatura brasileira. Muito pelo contrário, ele exercita cânticos realmente apaixonados e apaixonantes sobre os livros e escritores que desfilam por ali.
Um deles é Luís Martins, de quem traça a fantástica biografia: do jovem jornalista/taxista/romancista que se apaixona por Tarsila do Amaral (com o dobro de sua idade, famosa, rica e casada) por quem é também correspondido. Tarsila fica com o garotão. Martins abandona o romance e vira o maior crítico de arte do país. Depois, a história se repete ao inverso, com Luís Martins tendo uma paixão fulminante por uma prima de Tarsila, que tinha a metade de sua idade. No final, Castro explica que está tudo ali, nas Cartas de Amor que as duas mulheres dirigiram a Luís Martins. Dá vontade de procurar o livro imediatamente e ler as cartas apaixonadas uma a uma, sem parar.
E aí descubro o problema de ler os livros que remetem prosaicamente e com tantos elogios a outros livros. Livros assim parecem bonecas russas, você tira uma boneca de dentro da outra, até cansar. Dá vontade de ler todos os livros e autores mencionados e de comparar opiniões e impressões.
Daria, porque agora já não acho o livro. Rose, a governanta-universitária-cozinheira-babá-faz-tudo daqui de casa, deve ter guardado o livro em algum ponto esquisito da estante. Passo horas procurando e nunca encontro.
Quando vejo, estou folheando outros livros, afoito, como se procurasse uma frase, um parágrafo, que eu não sei mais o que é. É um sentimento recorrente. Batizei isso de "angústia Nome da Rosa", porque parece a busca desesperada de um livro que terá resposta para o maior dos mistérios. Mas eu sei que se o encontrar, estará envenenado ou todas as outras coisas cairão entre escombros e chamas.
domingo, 23 de janeiro de 2011
O restaurante onde não vai ninguém
Perto de casa e de um dos maiores cartões postais de Brasília tem um restaurante excelente que não vai ninguém. É a coisa mais esquisita, esse restaurante. É enorme, tem pelo menos duas dezenas de mesas, mas em geral tem apenas uma ou duas mesas ocupadas.
_A comida deve ser ruim - poderia dizer alguém.
_Não. A comida é excelente e muito bem servida - eu diria.
_É muito caro - poderiam falar.
_Não, senhor, os preços estão dentro da faixa de preços cobrados normalmente - eu diria.
_A localização é ruim, não tem estacionamento fácil, os garçons são umas antas grosseiras ...
_Nananinanão. É um restaurante muito bem conceituado, limpo, arejado, tem estacionamento fácil e gratuito, é bem localizado pacas, os garçons são supereducados, tudo nos conformes.
_Então, como se explica?
Não sei. E no último sábado, eu, minha mulher, o Cabeça e a Mulher do Cabeça estivemos lá. Cansamos de comer e comemos super-bem. Colocamos a conversa em dia, falamos dos planos para o futuro e voltamos a nos espantar com a falta de gente no restaurante.
_Pô, por quê será que não vem ninguém aqui? - disse o Cabeça.
Talvez seja uma maldição. Uma velha bruxa um dia rogou a praga de que aquele restaurante jamais teria mais de duas mesas cheias aos sábados. Ou talvez seja coincidência pura. Fomos lá poucas vezes e em todas elas o restaurante estava às moscas. Ou talvez tenha saído alguma coisa nos jornais e eu não tenha reparado. Nesta semana, tudo foi ofuscado pela megalenda da ponte sem manutenção. Para alguns essa história é uma óbvia tentativa de se produzir uma fonte para doações não-contabilizadas para campanhas. Para outros, como eu, ainda tem muita água para rolar debaixo dessa ponte. Mas o mistério do restaurante continua.
_A comida deve ser ruim - poderia dizer alguém.
_Não. A comida é excelente e muito bem servida - eu diria.
_É muito caro - poderiam falar.
_Não, senhor, os preços estão dentro da faixa de preços cobrados normalmente - eu diria.
_A localização é ruim, não tem estacionamento fácil, os garçons são umas antas grosseiras ...
_Nananinanão. É um restaurante muito bem conceituado, limpo, arejado, tem estacionamento fácil e gratuito, é bem localizado pacas, os garçons são supereducados, tudo nos conformes.
_Então, como se explica?
Não sei. E no último sábado, eu, minha mulher, o Cabeça e a Mulher do Cabeça estivemos lá. Cansamos de comer e comemos super-bem. Colocamos a conversa em dia, falamos dos planos para o futuro e voltamos a nos espantar com a falta de gente no restaurante.
_Pô, por quê será que não vem ninguém aqui? - disse o Cabeça.
Talvez seja uma maldição. Uma velha bruxa um dia rogou a praga de que aquele restaurante jamais teria mais de duas mesas cheias aos sábados. Ou talvez seja coincidência pura. Fomos lá poucas vezes e em todas elas o restaurante estava às moscas. Ou talvez tenha saído alguma coisa nos jornais e eu não tenha reparado. Nesta semana, tudo foi ofuscado pela megalenda da ponte sem manutenção. Para alguns essa história é uma óbvia tentativa de se produzir uma fonte para doações não-contabilizadas para campanhas. Para outros, como eu, ainda tem muita água para rolar debaixo dessa ponte. Mas o mistério do restaurante continua.
sábado, 22 de janeiro de 2011
Branca-de-neve e o Rafa
Rafa é o cãozinho shi-tsu da minha filha. O nome dele é Rafael, mas a gente prefere chamar pelo apelido, que é mais curto. Se bem que às vezes a gente chama de Rafinha, que é um pouco mais comprido que o original. No início, quando ela escolheu o nome, achei esquisito que tivesse colocado nome de gente em cachorro. Depois, com o tempo, acabei me acostumando. Além disso, descobri que um monte de gente coloca nomes de seres humanos nos cachorros. E muitos nomes são bíblicos, como o do cachorro da minha filha.
Conversando sobre isso com os outros donos de cachorros, descobri que raros, hoje em dia, são os nomes tradicionais, como Rex, Tobi, Laica ou mesmo o prosaico Totó. Na quadra, tem um outro shi-tsu chamado Marcelo. Um pequinês ironicamente chamado de Átila e uma dupla de salsichinhas chamados André e Dedé. Mas predominam mesmo os bíblicos: Jonas, Mateus, Marcos, Sara, Rachel e Adoniran. Sim, não sei se Adoniran é mesmo bíblico. Mas se não for, um nome desse é tão imponente que deveriam ampliar o livro e colocar uma história a mais, só para abrigá-lo.
Pois neste sábado, no final da tarde, ficamos sozinhos, eu, minha filha e Rafa. Decidimos passear juntos. Ela foi vestida de branca-de-neve, com a fantasia completa, incluindo o laço vermelho no cabelo e a capa. Acho muito legal aquela capa. Eu fui de calça jeans e camiseta. O Rafa foi de coleira nova, azul, bem bonita.
_Filha, você acha que o Rafa aprende as coisas depressa? - eu disse.
_Claro, né Paiê, o Rafa aprendeu a buscar as coisas rapidinho - ela disse.
E é verdade. Se você atirar uma bola de borracha para o Rafa, daquelas que dizem que são boas para tratamento de tendinite, o cachorrinho vai buscar para você. Isso funciona pelo menos duas vezes. Depois o Rafa se cansa e começa a ficar de sacanagem. Na terceira vez ele esconde a bola e vai para debaixo da mesa. E agora, quando quer brincar, ele mesmo traz a bola para você atirar. Eu já estou super treinado.
_Paiê, na volta, você pode soltar o Rafa? - ela disse.
_Puxa, tem um monte de cachorros grandes por aqui. Fico com medo do Rafa se assustar, fugir, acontecer alguma coisa.
_Não tem perigo, Paiê, ele vai correr para mim, vai ser super-legal.
E na volta do passeio, quando estávamos perto do prédio, ela disparou a correr, a pequena branca-de-neve. Aguardei o sinal combinado e soltei o Rafa. Foi mais bonito do que comercial de pasta-de-dente.
Conversando sobre isso com os outros donos de cachorros, descobri que raros, hoje em dia, são os nomes tradicionais, como Rex, Tobi, Laica ou mesmo o prosaico Totó. Na quadra, tem um outro shi-tsu chamado Marcelo. Um pequinês ironicamente chamado de Átila e uma dupla de salsichinhas chamados André e Dedé. Mas predominam mesmo os bíblicos: Jonas, Mateus, Marcos, Sara, Rachel e Adoniran. Sim, não sei se Adoniran é mesmo bíblico. Mas se não for, um nome desse é tão imponente que deveriam ampliar o livro e colocar uma história a mais, só para abrigá-lo.
Pois neste sábado, no final da tarde, ficamos sozinhos, eu, minha filha e Rafa. Decidimos passear juntos. Ela foi vestida de branca-de-neve, com a fantasia completa, incluindo o laço vermelho no cabelo e a capa. Acho muito legal aquela capa. Eu fui de calça jeans e camiseta. O Rafa foi de coleira nova, azul, bem bonita.
_Filha, você acha que o Rafa aprende as coisas depressa? - eu disse.
_Claro, né Paiê, o Rafa aprendeu a buscar as coisas rapidinho - ela disse.
E é verdade. Se você atirar uma bola de borracha para o Rafa, daquelas que dizem que são boas para tratamento de tendinite, o cachorrinho vai buscar para você. Isso funciona pelo menos duas vezes. Depois o Rafa se cansa e começa a ficar de sacanagem. Na terceira vez ele esconde a bola e vai para debaixo da mesa. E agora, quando quer brincar, ele mesmo traz a bola para você atirar. Eu já estou super treinado.
_Paiê, na volta, você pode soltar o Rafa? - ela disse.
_Puxa, tem um monte de cachorros grandes por aqui. Fico com medo do Rafa se assustar, fugir, acontecer alguma coisa.
_Não tem perigo, Paiê, ele vai correr para mim, vai ser super-legal.
E na volta do passeio, quando estávamos perto do prédio, ela disparou a correr, a pequena branca-de-neve. Aguardei o sinal combinado e soltei o Rafa. Foi mais bonito do que comercial de pasta-de-dente.
sexta-feira, 21 de janeiro de 2011
TV 3D e provérbios populares
Uma vez por semana procuro almoçar com os meus pais. Algumas vezes isso não dá certo, porque aparece alguma coisa urgente no trabalho, ou eu me atraso e acabo almoçando no shopping. Mas hoje deu certo e lá fui eu almoçar com os meus pais.
Encontrei a casa cheia de sobrinhos. Como as férias escolares estão perto do fim, as crianças estão um pouco desconfiadas, olham para a gente como se fôssemos portadores de obrigações fora de hora. O menor dos sobrinhos tem a mesma idade da minha filha e é igualmente complicado na hora das refeições. Inventa pretextos e mais subterfúgios para só comer o que quer e acaba não comendo quase nada. No almoço de hoje, só quis um pouco de salada. Minha mãe, a avó, se preocupou.
_Coma logo a salada, rapazinho. E se não comer o arroz, o feijão e a carne vou ter que ligar para seu pai. – ela disse.
O menino fez bico. E não comeu mais nada.
_Olha, vovô, esse menino não comeu nada – disse a minha mãe para o meu pai.
_Deixa ele, deixa ele – disse o meu pai.
E o menino saiu todo pimpão da mesa. Na minha época de menino, minha mãe jamais tolerou que saíssemos da mesa sem que todos tivessem terminado. Hoje em dia muita gente não liga para isso. Mas lá em casa, procuramos cultivar a regra antiga. Com algumas escorregadas, é verdade. Os outros sobrinhos comeram rapidinho e também se prepararam para se mandar. Mas dois deles são adolescentes, começando a querer conversar à mesa, a participar da conversa dos adultos.
O assunto era a nova televisão em 3D. Os dois queriam dar palpites.
_A boa mesmo é aquela TV japonesa – disse um.
_Que nada, a coreana é que é o bicho – disse o outro.
_A japonesa é melhor para videogames – disse o primeiro.
_Mas a coreana tem a opção de gravação e já vem com..
Fiquei observando os argumentos dos meninos. Percebi que estou mais por fora do que braço de caminhoneiro, dedão de franciscano, umbigo de vedete e cueca de super-homem, tudo junto. E aí me vi devaneando nos próvérbios populares. Tem um que eu acho o máximo, "mais perdido que formiga no varal". Outro, genial: "tudo se lava, menos má língua". E dois que sempre gostei muito: "todo chato cutuca" e "gente ruim não precisa de chocalho".
_E aí, tio? Qual é a melhor TV 3D? - eles disseram.
_Bom, eu estou mais perdido que azeitona em salada de fruta - eu disse.
E estava mesmo.
Encontrei a casa cheia de sobrinhos. Como as férias escolares estão perto do fim, as crianças estão um pouco desconfiadas, olham para a gente como se fôssemos portadores de obrigações fora de hora. O menor dos sobrinhos tem a mesma idade da minha filha e é igualmente complicado na hora das refeições. Inventa pretextos e mais subterfúgios para só comer o que quer e acaba não comendo quase nada. No almoço de hoje, só quis um pouco de salada. Minha mãe, a avó, se preocupou.
_Coma logo a salada, rapazinho. E se não comer o arroz, o feijão e a carne vou ter que ligar para seu pai. – ela disse.
O menino fez bico. E não comeu mais nada.
_Olha, vovô, esse menino não comeu nada – disse a minha mãe para o meu pai.
_Deixa ele, deixa ele – disse o meu pai.
E o menino saiu todo pimpão da mesa. Na minha época de menino, minha mãe jamais tolerou que saíssemos da mesa sem que todos tivessem terminado. Hoje em dia muita gente não liga para isso. Mas lá em casa, procuramos cultivar a regra antiga. Com algumas escorregadas, é verdade. Os outros sobrinhos comeram rapidinho e também se prepararam para se mandar. Mas dois deles são adolescentes, começando a querer conversar à mesa, a participar da conversa dos adultos.
O assunto era a nova televisão em 3D. Os dois queriam dar palpites.
_A boa mesmo é aquela TV japonesa – disse um.
_Que nada, a coreana é que é o bicho – disse o outro.
_A japonesa é melhor para videogames – disse o primeiro.
_Mas a coreana tem a opção de gravação e já vem com..
Fiquei observando os argumentos dos meninos. Percebi que estou mais por fora do que braço de caminhoneiro, dedão de franciscano, umbigo de vedete e cueca de super-homem, tudo junto. E aí me vi devaneando nos próvérbios populares. Tem um que eu acho o máximo, "mais perdido que formiga no varal". Outro, genial: "tudo se lava, menos má língua". E dois que sempre gostei muito: "todo chato cutuca" e "gente ruim não precisa de chocalho".
_E aí, tio? Qual é a melhor TV 3D? - eles disseram.
_Bom, eu estou mais perdido que azeitona em salada de fruta - eu disse.
E estava mesmo.
quinta-feira, 20 de janeiro de 2011
Coleções e mentes
Escrevi outro dia que faço coleção de alicates. A Lúcia Carvalho, do Frankamente, fez um comentário em que disse que coleciona coletinhos. No Museu do Ipiranga, em São Paulo, a partir da coleção do arquiteto e professor de história da arte Egydio Colombo Filho, 206 Papéis de Bala estarão sendo expostos até o dia 20 de março. Taí uma exposição curiosa.
Outro dia descobri, na casa da minha mãe, que um dos meus sobrinhos coleciona chicletes debaixo da mesa do almoço.
Mexendo num velho armário, descobri uma velha coleção de folhetos de videntes. Eram da época em que eu trabalhei numa sala dentro de um shopping popular. Todos os dias, durante anos, eu recebi um folhetinho daqueles. Mãe Ivana. Mãe Coragem. Mãe Darci. Mãe Isaura. Mãe Laura. E também tinham as donas. D. Iraci. D. Iolanda. D. Joaquina. D. Vera. E de vez em quando aparecia um Pai. Nâo lembro de ver, Tia, Tio, Nhô e nem Vô. Acho que esses graus de parentesco não são muito bons para as previsões de saúde, amor e dinheiro.
Infelizmente tive de jogar fora porque estavam muito mofados. Também joguei fora uma coleção de tirinhas do Calvin e Haroldo, que recortei durante anos dos jornais que meu pai assinava.
Às vezes, as coleções viram lixo. É natural.
Outras vezes, desistimos de coleções que receberam considerável investimento, mas nunca pensamos em jogar fora. São as coleções em ponto morto. Um dia, eu me engano, ainda vou retomar essas coleções com o maior capricho. É o caso da minha coleção de quadrinhos especiais em cores da Ebal. Falta poucos exemplares, mas já não tenho paciência e nem tempo para pesquisar os sebos e sites de leilões. Além disso, tudo está sendo relançado em edições especiais, com papel e qualidade excelentes. É sempre possível conseguir as edições especiais de relançamento americanas. O mesmo vale para discos e qualquer memorabilia que vier à cabeça.
Sim, existem alguns objetos com grande valor sentimental.
Tenho uma moeda de dez réis de cobre, com uma pátina preta, de 1868. Está gasta, mal conservada, e não vale muita coisa, só uma lembrança. Talvez por isso, seja a moeda de que mais gosto na minha pequena coleção de moedas.
E aqui, no blog, tenho agora esta coleção de textos.
Outro dia descobri, na casa da minha mãe, que um dos meus sobrinhos coleciona chicletes debaixo da mesa do almoço.
Mexendo num velho armário, descobri uma velha coleção de folhetos de videntes. Eram da época em que eu trabalhei numa sala dentro de um shopping popular. Todos os dias, durante anos, eu recebi um folhetinho daqueles. Mãe Ivana. Mãe Coragem. Mãe Darci. Mãe Isaura. Mãe Laura. E também tinham as donas. D. Iraci. D. Iolanda. D. Joaquina. D. Vera. E de vez em quando aparecia um Pai. Nâo lembro de ver, Tia, Tio, Nhô e nem Vô. Acho que esses graus de parentesco não são muito bons para as previsões de saúde, amor e dinheiro.
Infelizmente tive de jogar fora porque estavam muito mofados. Também joguei fora uma coleção de tirinhas do Calvin e Haroldo, que recortei durante anos dos jornais que meu pai assinava.
Às vezes, as coleções viram lixo. É natural.
Outras vezes, desistimos de coleções que receberam considerável investimento, mas nunca pensamos em jogar fora. São as coleções em ponto morto. Um dia, eu me engano, ainda vou retomar essas coleções com o maior capricho. É o caso da minha coleção de quadrinhos especiais em cores da Ebal. Falta poucos exemplares, mas já não tenho paciência e nem tempo para pesquisar os sebos e sites de leilões. Além disso, tudo está sendo relançado em edições especiais, com papel e qualidade excelentes. É sempre possível conseguir as edições especiais de relançamento americanas. O mesmo vale para discos e qualquer memorabilia que vier à cabeça.
Sim, existem alguns objetos com grande valor sentimental.
Tenho uma moeda de dez réis de cobre, com uma pátina preta, de 1868. Está gasta, mal conservada, e não vale muita coisa, só uma lembrança. Talvez por isso, seja a moeda de que mais gosto na minha pequena coleção de moedas.
E aqui, no blog, tenho agora esta coleção de textos.
Trabalhar por prazer - Cours toujours - Pilot
Cours Toujours - animation short film from Cours Toujours Team on Vimeo.
A turma do Cours Toujours produziu o vídeo acima só pelo prazer de fazer uma animação.
quarta-feira, 19 de janeiro de 2011
O Careca não é daltônico
Tenho alguns amigos que são daltônicos. Dizendo assim parece que são muitos, mas são só três amigos. E um deles nem é tão amigo assim, é mais um conhecido de longa data. Todos os três ficaram constrangidos quando me contaram que eram daltônicos. Para os três eu disse a mesma coisa, que ser daltônico não é motivo para constrangimento. Também contei a mesma mentira, de que conhecia um montão de daltônicos e que nenhum deles ficava constrangido só porque confundia o verde com o vermelho. Também menti que grandes gênios da humanidade eram conhecidos daltônicos.
_Sir Isaac Newton, por exemplo, era um tremendo daltônico e mesmo assim era maluco por maçãs. Comia tudo verde - eu disse.
_Mozart e Einstein se confundiam com os morangos - eu disse.
_Napoleão achava que tinha sangue verde - eu disse.
Nessa hora do Napoleão, os caras me olhavam sério. Era a partir daí que os amigos se libertavam do constrangimento e se propunham a contar o verdadeiro drama que é ser daltônico. Muita gente só começa a conversar sério se alguém fizer papel de bobo. Para começar, todos eles faziam questão de me explicar que o daltonismo é uma incapacidade de perceber diferenças entre algumas cores, em geral, o vermelho e o verde. Eu já sabia, mesmo sem ter olhado no google. É como se o arco-íris da pessoa não tivesse sete cores, só umas cinco, com as mais próximas se misturando e se tornando indistinguíveis. Pelo menos foi assim que eu entendi, posso estar enganado.
Um deles me disse que a cor da bandeira brasileira e a cor de uma maçã madura, para ele era a mesma coisa. Achei falta de patriotismo mas talvez fosse só uma incapacidade comparativa. Um outro me disse que sempre quis conhecer uma ruiva de verdade, mas o oftalmologista já havia dito que isso era impossível. Nessa hora eu também fiz cara de triste e disse que isso também era impossível para mim e eu nem sou daltônico. O terceiro dos daltônicos que eu conheço me disse que o drama era maior quando ele dirigia.
_Sei que o vermelho é o de cima e o verde é o que fica embaixo. Mas as três cores para mim são bem parecidas.
_Três? Você também confunde o amarelo? - eu disse.
_Eu confundo todas, acho elas bem parecidas.
_E como você faz? - eu disse.
_Eu ando devagar e faço igual ao motorista que está no carro do meu lado - ele disse.
_E se ele furar o sinal? - eu disse.
_Eu furo também, ué.
_Caramba! E você nunca se envolveu num acidente? - eu disse.
_Nunca, sempre fugi antes que me envolvessem - ele disse.
_?
_É piada. Tenho tido sorte. De qualquer modo, serei obrigado a parar de dirigir. A legislação agora impede que os daltônicos dirijam. Não vou conseguir renovar a carteira de habilitação. É tremendamente injusto, não acha?
_É terrível. Mas lei é lei - eu disse.
Fiquei com vontade de soltar foguetes. Depois fiquei pensando que esses amigos daltônicos não devem gostar de Fórmula 1. Eles só distinguiriam uma Lotus de uma Ferrari se dessem um close no cavalinho. E também não devem fazer questão de variedade na salada verde. Eles confundem o chiclete de menta com o de hortelã. O sorvete de pistache com o de abacate.
_Sir Isaac Newton, por exemplo, era um tremendo daltônico e mesmo assim era maluco por maçãs. Comia tudo verde - eu disse.
_Mozart e Einstein se confundiam com os morangos - eu disse.
_Napoleão achava que tinha sangue verde - eu disse.
Nessa hora do Napoleão, os caras me olhavam sério. Era a partir daí que os amigos se libertavam do constrangimento e se propunham a contar o verdadeiro drama que é ser daltônico. Muita gente só começa a conversar sério se alguém fizer papel de bobo. Para começar, todos eles faziam questão de me explicar que o daltonismo é uma incapacidade de perceber diferenças entre algumas cores, em geral, o vermelho e o verde. Eu já sabia, mesmo sem ter olhado no google. É como se o arco-íris da pessoa não tivesse sete cores, só umas cinco, com as mais próximas se misturando e se tornando indistinguíveis. Pelo menos foi assim que eu entendi, posso estar enganado.
Um deles me disse que a cor da bandeira brasileira e a cor de uma maçã madura, para ele era a mesma coisa. Achei falta de patriotismo mas talvez fosse só uma incapacidade comparativa. Um outro me disse que sempre quis conhecer uma ruiva de verdade, mas o oftalmologista já havia dito que isso era impossível. Nessa hora eu também fiz cara de triste e disse que isso também era impossível para mim e eu nem sou daltônico. O terceiro dos daltônicos que eu conheço me disse que o drama era maior quando ele dirigia.
_Sei que o vermelho é o de cima e o verde é o que fica embaixo. Mas as três cores para mim são bem parecidas.
_Três? Você também confunde o amarelo? - eu disse.
_Eu confundo todas, acho elas bem parecidas.
_E como você faz? - eu disse.
_Eu ando devagar e faço igual ao motorista que está no carro do meu lado - ele disse.
_E se ele furar o sinal? - eu disse.
_Eu furo também, ué.
_Caramba! E você nunca se envolveu num acidente? - eu disse.
_Nunca, sempre fugi antes que me envolvessem - ele disse.
_?
_É piada. Tenho tido sorte. De qualquer modo, serei obrigado a parar de dirigir. A legislação agora impede que os daltônicos dirijam. Não vou conseguir renovar a carteira de habilitação. É tremendamente injusto, não acha?
_É terrível. Mas lei é lei - eu disse.
Fiquei com vontade de soltar foguetes. Depois fiquei pensando que esses amigos daltônicos não devem gostar de Fórmula 1. Eles só distinguiriam uma Lotus de uma Ferrari se dessem um close no cavalinho. E também não devem fazer questão de variedade na salada verde. Eles confundem o chiclete de menta com o de hortelã. O sorvete de pistache com o de abacate.
terça-feira, 18 de janeiro de 2011
Camisas, camisetas, sapatos e alicates
Um amigo meu descobriu que tem mais de 140 camisas, e como só usa seis, resolveu doar muitas das roupas desnecessárias, que só entulham o armário.
_Você tem mais de 140 camisas? – eu disse.
_Pois é. Eu ganho muita camisa. Acho bonito – ele disse.
_Cacilda! Dá uma camisa por mês, todos os meses, durante 12 anos. É muita camisa – eu disse.
_Tem um monte de camisa que eu nunca usei.E eu nem falei das camisetas – ele disse.
_Nossa! Quanta roupa! De quem você ganha tanta camisa? – eu disse.
_De um monte de gente. Pai, mãe, irmãos, irmã, tio, avô. Quase sempre em aniversário. Às vezes, eu também compro. Mas a campeã de me dar camisa é a minha mulher – ele disse.
_Hum-hum. E sua mulher também tem muita camiseta? - eu disse.
_Não, não. Ela gosta é de sapatos - ele disse.
_Mulher, em geral, gosta muito. Quantos sapatos ela tem? – eu disse.
_Ah, ela tem um montão. Deve ter mais de 200 – ele disse.
_Uau! Ela gosta mesmo de sapatos. E ela ganha ou compra?- eu disse.
_Ela compra a maioria. Ela adora sapatos. Acha lindo. Já falei pra ela dar um tempo – ele disse.
_Vai ver ela compra um sapato, fica com peso na consciência e compra uma camisa pra você não brigar com ela – eu disse.
_Não, isso é meio que um hobby da minha mulher – ele disse.
_É um hobby inteiro. E sua Imelda Marcos vai doar algum sapato? – eu disse.
_Acho que não. É tudo item de coleção, são peças com valor afetivo, você sabe – ele disse.
_Sei como é - eu disse.
_Tem um monte de sapatos que ela só tirou da caixa para experimentar um pouco - ele disse.
_Hum-hum. É bem bacana - eu disse.
_Você coleciona alguma coisa? - ele disse.
_Prateleira de estante e alicates - eu disse.
_Também gosto de estantes - ele disse.
_O problema é que ocupa muito espaço. Além disso, minha mulher não quer mais que eu fure paredes. Por isso estou investindo mais na coleção de alicates - eu disse.
_Você tem quantos alicates? - ele disse.
_Uns vinte e cinco, talvez trinta. É uma coleção iniciante. Mas a maioria eu nem usei. Tem alicate na embalagem até hoje. E tem uns que eu nem sei pra que servem - eu disse.
_Hum-hum. E pra quê você coleciona alicates?
_Acho bonito - eu disse.
_Você é completamente biruta - ele disse.
_Mas não tenho 140 camisas - eu disse.
_Você tem mais de 140 camisas? – eu disse.
_Pois é. Eu ganho muita camisa. Acho bonito – ele disse.
_Cacilda! Dá uma camisa por mês, todos os meses, durante 12 anos. É muita camisa – eu disse.
_Tem um monte de camisa que eu nunca usei.E eu nem falei das camisetas – ele disse.
_Nossa! Quanta roupa! De quem você ganha tanta camisa? – eu disse.
_De um monte de gente. Pai, mãe, irmãos, irmã, tio, avô. Quase sempre em aniversário. Às vezes, eu também compro. Mas a campeã de me dar camisa é a minha mulher – ele disse.
_Hum-hum. E sua mulher também tem muita camiseta? - eu disse.
_Não, não. Ela gosta é de sapatos - ele disse.
_Mulher, em geral, gosta muito. Quantos sapatos ela tem? – eu disse.
_Ah, ela tem um montão. Deve ter mais de 200 – ele disse.
_Uau! Ela gosta mesmo de sapatos. E ela ganha ou compra?- eu disse.
_Ela compra a maioria. Ela adora sapatos. Acha lindo. Já falei pra ela dar um tempo – ele disse.
_Vai ver ela compra um sapato, fica com peso na consciência e compra uma camisa pra você não brigar com ela – eu disse.
_Não, isso é meio que um hobby da minha mulher – ele disse.
_É um hobby inteiro. E sua Imelda Marcos vai doar algum sapato? – eu disse.
_Acho que não. É tudo item de coleção, são peças com valor afetivo, você sabe – ele disse.
_Sei como é - eu disse.
_Tem um monte de sapatos que ela só tirou da caixa para experimentar um pouco - ele disse.
_Hum-hum. É bem bacana - eu disse.
_Você coleciona alguma coisa? - ele disse.
_Prateleira de estante e alicates - eu disse.
_Também gosto de estantes - ele disse.
_O problema é que ocupa muito espaço. Além disso, minha mulher não quer mais que eu fure paredes. Por isso estou investindo mais na coleção de alicates - eu disse.
_Você tem quantos alicates? - ele disse.
_Uns vinte e cinco, talvez trinta. É uma coleção iniciante. Mas a maioria eu nem usei. Tem alicate na embalagem até hoje. E tem uns que eu nem sei pra que servem - eu disse.
_Hum-hum. E pra quê você coleciona alicates?
_Acho bonito - eu disse.
_Você é completamente biruta - ele disse.
_Mas não tenho 140 camisas - eu disse.
segunda-feira, 17 de janeiro de 2011
O Rei na minha barriga
O rei na minha barriga é um reizinho de nada, que manda pouco e ninguém obedece. O que não é o mesmo, mas é igual. Meu reizinho não incomoda ninguém, fica na dele. Ele não é mandão nem nada. É até meio triste esse meu rei.
Descobri o rei na minha barriga quando eu ainda era criança e me disseram isso pela primeira vez.
_Esse menino tem o Rei na Barriga – disse alguém.
Só pode ter sido um adulto, reclamando de alguma coisa que eu deveria ter feito e não fiz. O adulto pensou então que eu não fiz a coisa por soberba, por me considerar importante demais para fazer a tal coisa. Nunca tive disso, é claro, mas com alguns adultos é difícil discutir. Consequentemente, alguém colocou o Rei na minha barriga. Não me lembro da situação em que me disseram. E nem de quem me disse. Mas desde então eu sei que ele está ali, o Rei, escondido na minha barriga.
Deve ser um Rei humilde e solitário porque não sinto nada na barriga. Se fosse um Rei grande, narcisista, muito chegado em pompas e circunstâncias, tenho certeza de que se faria notar com freqüência. Inventaria festas e recepções, reuniões de mando e desmandos, e anunciaria decretos mirabolantes entre constipações e espetadas lancinantes. Mas não acontece nada disso. Às vezes até me esqueço que esse Rei existe, é preciso alguém me lembrar. Afinal, esse Rei não atrapalha a minha digestão e nem incomoda o meu sono. É só um Reizinho modesto, do tipo quietinho, eu acho.
Outras pessoas pensam diferente. Tem gente que mal olha para mim e, de longe, já vai torcendo o nariz.
_Vê-se logo que tem o Rei na barriga – parecem dizer.
São pessoas excelentes, em geral. E muito sensíveis. Algumas até conseguem vencer a aversão inicial que a percepção do Rei na barriga provoca. Embora isso seja meio difícil, pois todo mundo sabe que uma pessoa com o Rei na barriga não tem cura, é e será para sempre intragável. Outras atribuem tudo a um equívoco, um engano inicial.
_Você até que é legal. Na primeira que te vi, achei que você tinha o Rei na barriga – dizem.
Elas visivelmente se esforçam para nos aturar, a mim e ao Rei, mas ninguém agüenta muito tempo. Isso porque também é sabido que as pessoas com o Rei na barriga um dia vão acabar levantando o nariz e esnobar todos os que o cercam. Por isso, de pura prevenção, as pessoas que acham que não têm o Rei na barriga, de uma hora para outra se enchem e explodem:
_Você tem o Rei na barriga! – dizem.
É pura prevenção. Faz sentido. E sou obrigado a concordar. De alguma maneira, por mais modesto que seja o Rei, a realeza dá um jeito de se evidenciar. Sei disso porque também aprendi com o tempo a detectar essas evidências e a enxergar Reis nas barrigas do outros. Mas não aponto para a barriga de ninguém. Não é da minha conta. E olha que tem gente que abriga verdadeiros tiranos. Mesmo assim não falo nada. Fico na minha. Tenho certeza de que o Rei na minha barriga concorda comigo.
Descobri o rei na minha barriga quando eu ainda era criança e me disseram isso pela primeira vez.
_Esse menino tem o Rei na Barriga – disse alguém.
Só pode ter sido um adulto, reclamando de alguma coisa que eu deveria ter feito e não fiz. O adulto pensou então que eu não fiz a coisa por soberba, por me considerar importante demais para fazer a tal coisa. Nunca tive disso, é claro, mas com alguns adultos é difícil discutir. Consequentemente, alguém colocou o Rei na minha barriga. Não me lembro da situação em que me disseram. E nem de quem me disse. Mas desde então eu sei que ele está ali, o Rei, escondido na minha barriga.
Deve ser um Rei humilde e solitário porque não sinto nada na barriga. Se fosse um Rei grande, narcisista, muito chegado em pompas e circunstâncias, tenho certeza de que se faria notar com freqüência. Inventaria festas e recepções, reuniões de mando e desmandos, e anunciaria decretos mirabolantes entre constipações e espetadas lancinantes. Mas não acontece nada disso. Às vezes até me esqueço que esse Rei existe, é preciso alguém me lembrar. Afinal, esse Rei não atrapalha a minha digestão e nem incomoda o meu sono. É só um Reizinho modesto, do tipo quietinho, eu acho.
Outras pessoas pensam diferente. Tem gente que mal olha para mim e, de longe, já vai torcendo o nariz.
_Vê-se logo que tem o Rei na barriga – parecem dizer.
São pessoas excelentes, em geral. E muito sensíveis. Algumas até conseguem vencer a aversão inicial que a percepção do Rei na barriga provoca. Embora isso seja meio difícil, pois todo mundo sabe que uma pessoa com o Rei na barriga não tem cura, é e será para sempre intragável. Outras atribuem tudo a um equívoco, um engano inicial.
_Você até que é legal. Na primeira que te vi, achei que você tinha o Rei na barriga – dizem.
Elas visivelmente se esforçam para nos aturar, a mim e ao Rei, mas ninguém agüenta muito tempo. Isso porque também é sabido que as pessoas com o Rei na barriga um dia vão acabar levantando o nariz e esnobar todos os que o cercam. Por isso, de pura prevenção, as pessoas que acham que não têm o Rei na barriga, de uma hora para outra se enchem e explodem:
_Você tem o Rei na barriga! – dizem.
É pura prevenção. Faz sentido. E sou obrigado a concordar. De alguma maneira, por mais modesto que seja o Rei, a realeza dá um jeito de se evidenciar. Sei disso porque também aprendi com o tempo a detectar essas evidências e a enxergar Reis nas barrigas do outros. Mas não aponto para a barriga de ninguém. Não é da minha conta. E olha que tem gente que abriga verdadeiros tiranos. Mesmo assim não falo nada. Fico na minha. Tenho certeza de que o Rei na minha barriga concorda comigo.
domingo, 16 de janeiro de 2011
Perdidos em Águas Claras
Todas as vezes que vamos para Águas Claras ficamos perdidos. E olha que eu sempre faço o mapa do trajeto no google, estudo com cuidado o traçado e decoro um caminho imaginário antes de sair. Mesmo assim não tem jeito. Eu me perco.
O bairro de Águas Claras é a coqueluche da classe média brasiliense porque os apartamentos são mais novos, maiores e mais baratos que os mais próximos do centro da cidade. Vários amigos moram ali e todos estão muito satisfeitos. O problema é que é um bairro jovem, com uma sinalização precária e uma iluminação que eu chamaria de penumbrosa. Os postes estão lá mas eu tenho que ficar forçando a vista para enxergar alguma coisa. O mesmo acontece com as placas. Estão todas no lugar mas não consigo ler nenhuma.
Acho que o principal problema é que as ruas do bairro derivam de espécies de árvores que têm nomes compridos. Então os caras pegam umas plaquinhas do tamanho de uma caixa de sapatos e são obrigados a escrever ali dentro coisas como Avenida Castanheiras ou Avenida das Araucárias. Fazendo uma comparação tosca, o ideal seria corpo 16, mas para caber o nome nas placas reduzem as letras para corpo 8.
Para falar a verdade, para se ter uma leitura de alguma coisa numa placa daquele tamanho, os nomes das árvores teriam que ter no máximo três ou quatro letras. Mas sei que o estoque de árvores com nomes assim é limitado. E além disso, os administradores públicos têm um estranho senso de humor para nomes. Tenho certeza de que inventariam alguma coisa esquisita para garantir que todas as ruas tivessem um nome, se sentiriam obrigados a adicionar cores e outros atributos. E não ficaria bem umas placas do tipo Pau Argentino para diferenciar de Pau Brasil, Olmo Mole para diferenciar de Olmo Duro,etc. Mas eu me perco.
Tudo isso é para dizer que ontem, indo para a casa do Guina, em Águas Claras, eu finalmente não me perdi. Quer dizer, não me perdi muito, só me perdi um pouquinho perto de chegar. Estávamos eu, minha mulher, o Cabeça e a Mulher do Cabeça no carro. O casal de amigos ficava olhando o mapa e a folha de dicas para encontrar o endereço no banco de trás e dizendo as indicações. O único problema é que os dois divergiam um pouco na hora de dizer as coisas.
_Vire à direita na próxima - dizia o Cabeça.
_Não, não, aqui diz que é a segunda à esquerda depois do pontilhão - dizia a Mulher do Cabeça.
_Não, senhora. Não sabe ler mapa? Olha aqui, é depois do terceiro sinaleiro contando a partir do shopping - dizia o Cabeça.
_Lindô!! O mapa está de cabeça para baixo! - dizia a Mulher do Cabeça.
_Não, senhora. O norte é para lá, não tá vendo a estrela d´alva? - dizia o Cabeça.
Felizmente, para interpretar os sinais obnubilados e escolher a melhor alternativa, minha mulher estava ali, ao meu lado.
_E aí? Pra onde que eu vou? - eu disse.
_Siga o seu instinto - ela disse.
Foi o que eu fiz e deu mais ou menos certo. Só errei umas três vezes. Deve ter sido por causa da estrela d´alva.
O bairro de Águas Claras é a coqueluche da classe média brasiliense porque os apartamentos são mais novos, maiores e mais baratos que os mais próximos do centro da cidade. Vários amigos moram ali e todos estão muito satisfeitos. O problema é que é um bairro jovem, com uma sinalização precária e uma iluminação que eu chamaria de penumbrosa. Os postes estão lá mas eu tenho que ficar forçando a vista para enxergar alguma coisa. O mesmo acontece com as placas. Estão todas no lugar mas não consigo ler nenhuma.
Acho que o principal problema é que as ruas do bairro derivam de espécies de árvores que têm nomes compridos. Então os caras pegam umas plaquinhas do tamanho de uma caixa de sapatos e são obrigados a escrever ali dentro coisas como Avenida Castanheiras ou Avenida das Araucárias. Fazendo uma comparação tosca, o ideal seria corpo 16, mas para caber o nome nas placas reduzem as letras para corpo 8.
Para falar a verdade, para se ter uma leitura de alguma coisa numa placa daquele tamanho, os nomes das árvores teriam que ter no máximo três ou quatro letras. Mas sei que o estoque de árvores com nomes assim é limitado. E além disso, os administradores públicos têm um estranho senso de humor para nomes. Tenho certeza de que inventariam alguma coisa esquisita para garantir que todas as ruas tivessem um nome, se sentiriam obrigados a adicionar cores e outros atributos. E não ficaria bem umas placas do tipo Pau Argentino para diferenciar de Pau Brasil, Olmo Mole para diferenciar de Olmo Duro,etc. Mas eu me perco.
Tudo isso é para dizer que ontem, indo para a casa do Guina, em Águas Claras, eu finalmente não me perdi. Quer dizer, não me perdi muito, só me perdi um pouquinho perto de chegar. Estávamos eu, minha mulher, o Cabeça e a Mulher do Cabeça no carro. O casal de amigos ficava olhando o mapa e a folha de dicas para encontrar o endereço no banco de trás e dizendo as indicações. O único problema é que os dois divergiam um pouco na hora de dizer as coisas.
_Vire à direita na próxima - dizia o Cabeça.
_Não, não, aqui diz que é a segunda à esquerda depois do pontilhão - dizia a Mulher do Cabeça.
_Não, senhora. Não sabe ler mapa? Olha aqui, é depois do terceiro sinaleiro contando a partir do shopping - dizia o Cabeça.
_Lindô!! O mapa está de cabeça para baixo! - dizia a Mulher do Cabeça.
_Não, senhora. O norte é para lá, não tá vendo a estrela d´alva? - dizia o Cabeça.
Felizmente, para interpretar os sinais obnubilados e escolher a melhor alternativa, minha mulher estava ali, ao meu lado.
_E aí? Pra onde que eu vou? - eu disse.
_Siga o seu instinto - ela disse.
Foi o que eu fiz e deu mais ou menos certo. Só errei umas três vezes. Deve ter sido por causa da estrela d´alva.
sábado, 15 de janeiro de 2011
O cartão alimentação e a cerveja do Careca
Cerveja não pode em cartão alimentação. Às vezes eu esqueço disso no supermercado e dá a maior confusão. Na hora de fechar a conta, o caixa olha atravessado e diz que vai ter que retirar as cervejas ou o vinho, quando eu compro. É sempre um olhar terrível, daqueles "seca-pimenteira". O caixa franze a testa, levanta uma sobrancelha e aplica um esgar, de leve, no canto da boca. Parece uma senha para todo mundo começar a te olhar com desprezo ali mesmo na fila do caixa.
_Pô, Mané, bebida alcóolica não pode ser paga com cartão-alimentação! - parece dizer o cara que ajuda a colocar as compras em caixas de papelão.
_Deve ser um alcoólatra - eu imagino a velhinha, ao meu lado, me reprovando.
_É um chauvinista etílico - eu imagino a quarentona sem-graça a me dizer, enquanto me olha e balança a cabeça. Tsc,tsc,tsc.
Mas, de verdade, ninguém fala nada. É só muito olhar e a minha imaginação com complexo de inferioridade. E na hora de passar as bebidas à parte, é claro que não tenho dinheiro suficiente, sou obrigado a deixar a metade.
Aí os olhares pioram.
_Olha o Mané, já bebeu todo o salário.
_Que horror, o jovem de outrora leva mais birita que comida.
_Olha o chauvinista, vá afogar os preconceitos em álcool seu...
E nem era nada disso, eu só estava comprando bebidas para uma festa em casa de amigos. Mas a minha imaginação terceiro mundista sempre me deixa pra baixo. Aí hoje fui fazer umas compras no mini-mercado do japonês, aqui perto de casa. Comprei umas frutinhas, pão, queijo, salsicha para cachorro-quente, umas verduras e lembrei do jantar na casa do Guina. Pô, o Guina faz um yaksoba sensacional e eu prometi levar cerveja. Portanto, peguei um six-pack e fui para o caixa. Passei tudo e deixei as cervas por último, não ia bancar o Mané.
_Não vai levar as cervejas? - disse a mulher no caixa. Era a mulher do japonês.
_Vou, mas vou pagar com cartão alimentação - eu disse.
_Não vai passar tudo junto? - disse a mulher.
_Não pode, é cartão alimentação - eu disse.
_Seu cartão está no limite? - ela disse.
_Não, é a regra do cartão. Não pode bebida alcoólica - eu disse.
_Pode sim, todo mundo passa - ela disse.
Atrás de mim, uma longa fila já se formara. Todo mundo olhava para o Mané que não sabe que a mulher do japonês está andando para a regra do cartão alimentação. E ali todo mundo passa a cerveja no cartão alimentação. Mané.
_Qual é o seu cartão? Vai passar junto ou não vai? - ela disse.
_Bom, se não tiver problema, passa tudo junto, né? - eu disse e estiquei o meu cartão.
Eu tinha certeza de que não haveria fundos, que alguma coisa iria dar errado, talvez eu esquecesse a senha, a tarja magnética tocaria uma rumba, sei lá. Mas foi tranquilo. Foram só alguns segundos de angústia e toda a operação foi completada numa boa. Caramba! Funcionou.
Mas eu não me sentia bem. Tinha cometido uma infração das regras do cartão alimentação. Estava me sentindo super mal. Todos os meus escrúpulos tinham sido corrompidos em segundos, e tudo por causa da minha maldita insegurança e da minha imaginação com complexo de inferioridade. Tive ímpetos de voltar para a mulher do japonês e pedir para ela descontar as cervejas. Eu não sou todo mundo, eu sou só o Careca, e não é porque todo mundo faz uma coisa errada que eu vou fazer uma coisa errada. Pois sim, vou voltar lá e devolver as cervejas e solicitar o estorno imediato do valor no meu cartão - eu pensei. E depois vou pagar as cervas com dinheiro, cash, notas e moedas de reais. E juro que eu teria feito isso mesmo, ó minha kombi de leitores, mas me lembrei que eu não tinha um puto no bolso. Só o cartão alimentação. Fica pra próxima, né?
_Pô, Mané, bebida alcóolica não pode ser paga com cartão-alimentação! - parece dizer o cara que ajuda a colocar as compras em caixas de papelão.
_Deve ser um alcoólatra - eu imagino a velhinha, ao meu lado, me reprovando.
_É um chauvinista etílico - eu imagino a quarentona sem-graça a me dizer, enquanto me olha e balança a cabeça. Tsc,tsc,tsc.
Mas, de verdade, ninguém fala nada. É só muito olhar e a minha imaginação com complexo de inferioridade. E na hora de passar as bebidas à parte, é claro que não tenho dinheiro suficiente, sou obrigado a deixar a metade.
Aí os olhares pioram.
_Olha o Mané, já bebeu todo o salário.
_Que horror, o jovem de outrora leva mais birita que comida.
_Olha o chauvinista, vá afogar os preconceitos em álcool seu...
E nem era nada disso, eu só estava comprando bebidas para uma festa em casa de amigos. Mas a minha imaginação terceiro mundista sempre me deixa pra baixo. Aí hoje fui fazer umas compras no mini-mercado do japonês, aqui perto de casa. Comprei umas frutinhas, pão, queijo, salsicha para cachorro-quente, umas verduras e lembrei do jantar na casa do Guina. Pô, o Guina faz um yaksoba sensacional e eu prometi levar cerveja. Portanto, peguei um six-pack e fui para o caixa. Passei tudo e deixei as cervas por último, não ia bancar o Mané.
_Não vai levar as cervejas? - disse a mulher no caixa. Era a mulher do japonês.
_Vou, mas vou pagar com cartão alimentação - eu disse.
_Não vai passar tudo junto? - disse a mulher.
_Não pode, é cartão alimentação - eu disse.
_Seu cartão está no limite? - ela disse.
_Não, é a regra do cartão. Não pode bebida alcoólica - eu disse.
_Pode sim, todo mundo passa - ela disse.
Atrás de mim, uma longa fila já se formara. Todo mundo olhava para o Mané que não sabe que a mulher do japonês está andando para a regra do cartão alimentação. E ali todo mundo passa a cerveja no cartão alimentação. Mané.
_Qual é o seu cartão? Vai passar junto ou não vai? - ela disse.
_Bom, se não tiver problema, passa tudo junto, né? - eu disse e estiquei o meu cartão.
Eu tinha certeza de que não haveria fundos, que alguma coisa iria dar errado, talvez eu esquecesse a senha, a tarja magnética tocaria uma rumba, sei lá. Mas foi tranquilo. Foram só alguns segundos de angústia e toda a operação foi completada numa boa. Caramba! Funcionou.
Mas eu não me sentia bem. Tinha cometido uma infração das regras do cartão alimentação. Estava me sentindo super mal. Todos os meus escrúpulos tinham sido corrompidos em segundos, e tudo por causa da minha maldita insegurança e da minha imaginação com complexo de inferioridade. Tive ímpetos de voltar para a mulher do japonês e pedir para ela descontar as cervejas. Eu não sou todo mundo, eu sou só o Careca, e não é porque todo mundo faz uma coisa errada que eu vou fazer uma coisa errada. Pois sim, vou voltar lá e devolver as cervejas e solicitar o estorno imediato do valor no meu cartão - eu pensei. E depois vou pagar as cervas com dinheiro, cash, notas e moedas de reais. E juro que eu teria feito isso mesmo, ó minha kombi de leitores, mas me lembrei que eu não tinha um puto no bolso. Só o cartão alimentação. Fica pra próxima, né?
sexta-feira, 14 de janeiro de 2011
A dieta do Tim Maia
Eu e a minha mulher de vez em quando vamos a um restaurante novo, com o Cabeça e a Mulher do Cabeça. E outro dia nós todos e mais um casal de grandes amigos fomos a um restaurante recém-inaugurado no shopping mais novo da cidade. Super chique, o restaurante. Bastou uma olhada na decoração para sentir uma estranha tensão no bolso da carteira, provavelmente uma onda transmitida pelo meu cartão-de-crédito. Eu e meu cartão-de-crédito temos uma relação simbiótica parecida com a daquele uniforme negro e o homem-aranha. Eu quero me livrar dele, mas vivo usando. Eu sei que o cartão me faz mal, que ele quer me destruir. Mas que alternativa eu tenho?
Sinais de alerta também foram emitidos enquanto nós seguíamos uma recepcionista até a mesa, onde já éramos esperados. Tinha um belo sorriso, a recepcionista. E andava super bem. Em geral, almoço em lugares onde é preciso disputar um local onde colocar a bandeja, em praças de alimentação. Nessas áreas é comum ficar equilibrando a comida num prato sobre um retângulo de plástico enquanto analiso a praça para tentar adivinhar onde esperar menos por uma vaga. Outro dia depois de conseguir o lugar, bastaram alguns segundos para que alguém ficasse em pé ao meu lado, batendo o pezinho, de leve no assoalho, secando o meu almoço e prejudicando a minha concentração. Era um pé até bem pequeno para um sujeito daqueles. Ele era, como diríamos no tempo pré-pc, gordo, dos grandes.
_Posso sentar aí? - disse o sujeito.
_Aí, onde? - eu disse.
_Aí, ao lado - ele disse.
Eu estava sentado no canto de um banco em L, no lado menor da letra. O cara se referia à quina, onde talvez fosse possível abrigar raios gama. Ao meu lado, de verdade, só caberia uma azeitona. Ou uma uva, das pequenas. Mas era um sujeito grande, dos gordos, eu estava com fome e não queria me meter em confusão.
-Mas é claro - eu disse.
O sujeito gordo, dos grandes, colocou a bandeja na ponta da mesa e empurrou um pouquinho. Mudei a posição da minha bandeja para vertical semi-inclinado e ele pôde se acomodar melhor. Toda a minha coragem me abandonou quando o grandalhão, dos gordos, se preparou para sentar. Sim, era muita coisa. E tudo aquilo exigia ritual e preparativos. A turma da outra perna do L já olhava para mim com comiseração. Um engraçadinho disse que ia telefonar para um padre. Eu estava prestes a reviver, depois de velho, o jogo da gata parida. E assim teria sido o meu triste fim, se no último segundo, um conhecido do cara grande e forte, dos gordos, não tivesse aparecido do nada e arrastado aquele dromedário dali.
Sim, minha querida kombi de leitores, eu me lembrei de tudo isso naquele restaurante chique onde estávamos eu, minha mulher, o Cabeça, a Mulher do Cabeça e um casal de grandes amigos. Ali, tudo era espaçoso, bonito, ventilado, agradável e convidativo. Para se ter uma idéia, a garrafa de azeite era linda, parecia conter uma bebida especial. Um dos garçons contou que uma vez um cliente se confundiu com a garrafa e encheu a taça de vinho. Gostou tanto que serviu outra taça para a companheira.
_Vai ver ele gostava "muitcho" dessa dona - eu disse.
_Ou então ela estava de regime - disse o Cabeça.
_É a dieta do azeite - disse meu outro amigo.
_Existe mesmo essa dieta? - eu disse.
_Tem dieta de tudo. Mas a melhor de todas é a do Tim Maia. Ele fez a dieta das duas semanas e perdeu 14 dias - disse o Cabeça.
E lá no fim do restaurante, enquanto eu dava risada, vi no final de uma perna enorme, um pequeno pé batendo, de leve, no magnífico assoalho.
Sinais de alerta também foram emitidos enquanto nós seguíamos uma recepcionista até a mesa, onde já éramos esperados. Tinha um belo sorriso, a recepcionista. E andava super bem. Em geral, almoço em lugares onde é preciso disputar um local onde colocar a bandeja, em praças de alimentação. Nessas áreas é comum ficar equilibrando a comida num prato sobre um retângulo de plástico enquanto analiso a praça para tentar adivinhar onde esperar menos por uma vaga. Outro dia depois de conseguir o lugar, bastaram alguns segundos para que alguém ficasse em pé ao meu lado, batendo o pezinho, de leve no assoalho, secando o meu almoço e prejudicando a minha concentração. Era um pé até bem pequeno para um sujeito daqueles. Ele era, como diríamos no tempo pré-pc, gordo, dos grandes.
_Posso sentar aí? - disse o sujeito.
_Aí, onde? - eu disse.
_Aí, ao lado - ele disse.
Eu estava sentado no canto de um banco em L, no lado menor da letra. O cara se referia à quina, onde talvez fosse possível abrigar raios gama. Ao meu lado, de verdade, só caberia uma azeitona. Ou uma uva, das pequenas. Mas era um sujeito grande, dos gordos, eu estava com fome e não queria me meter em confusão.
-Mas é claro - eu disse.
O sujeito gordo, dos grandes, colocou a bandeja na ponta da mesa e empurrou um pouquinho. Mudei a posição da minha bandeja para vertical semi-inclinado e ele pôde se acomodar melhor. Toda a minha coragem me abandonou quando o grandalhão, dos gordos, se preparou para sentar. Sim, era muita coisa. E tudo aquilo exigia ritual e preparativos. A turma da outra perna do L já olhava para mim com comiseração. Um engraçadinho disse que ia telefonar para um padre. Eu estava prestes a reviver, depois de velho, o jogo da gata parida. E assim teria sido o meu triste fim, se no último segundo, um conhecido do cara grande e forte, dos gordos, não tivesse aparecido do nada e arrastado aquele dromedário dali.
Sim, minha querida kombi de leitores, eu me lembrei de tudo isso naquele restaurante chique onde estávamos eu, minha mulher, o Cabeça, a Mulher do Cabeça e um casal de grandes amigos. Ali, tudo era espaçoso, bonito, ventilado, agradável e convidativo. Para se ter uma idéia, a garrafa de azeite era linda, parecia conter uma bebida especial. Um dos garçons contou que uma vez um cliente se confundiu com a garrafa e encheu a taça de vinho. Gostou tanto que serviu outra taça para a companheira.
_Vai ver ele gostava "muitcho" dessa dona - eu disse.
_Ou então ela estava de regime - disse o Cabeça.
_É a dieta do azeite - disse meu outro amigo.
_Existe mesmo essa dieta? - eu disse.
_Tem dieta de tudo. Mas a melhor de todas é a do Tim Maia. Ele fez a dieta das duas semanas e perdeu 14 dias - disse o Cabeça.
E lá no fim do restaurante, enquanto eu dava risada, vi no final de uma perna enorme, um pequeno pé batendo, de leve, no magnífico assoalho.
quinta-feira, 13 de janeiro de 2011
O cachorrinho riu
Todos os dias eu passeio com o cãozinho shi-tsu pela manhã, bem cedo. Para não perder tempo com troca de roupa, eu passeio com o Rafa com a roupa que vou para o trabalho. De terno e gravata. Nunca havia reparado na estranheza disso, até outro dia. A prefeitura da quadra disponibiliza os sacos plásticos para que os moradores cumpram a lei e recolham aquilo que o cachorro não enterra. Como a chuvinha me surpreendeu em pleno passeio, eu improvisei uma touca plástica sobre a cabeça, sem pensar direito.
Senti a cabeça mais quente e menos molhada, mas devia estar bem esquisito com o plástico branco e de terno preto, com gravata, puxando o cãozinho pela coleira. No meio do caminho, encontro uma velhinha simpática parecida com aquela vovó do Frajola (de calça jeans e blusa de mangas longas cor-de-rosa), segurando um schnáuzer por uma coleira meio frouxa e bamba.
_O senhor entende de coleira? – ela pergunta.
_Depende. Se for igual à minha, eu entendo.
_Igual à sua? – ela disse.
_Quer dizer, se for igual a esta aqui, do meu cachorro. As pernas entram aqui e aqui, as argolas se encontram em cima e o mosquetão prende as argolas, ó.
A velhinha mostrou a coleira do schnáuzer e perguntou se eu conseguiria colocar aquilo do jeito certo. A chuva estava aumentando, mas a velhinha tinha um guarda-chuva e eu achei que poderia tentar. Me agachei e comecei a montar o quebra-cabeça da coleira, que era de couro e tinha um monte de fivelas. No primeiro minuto, eu me senti ridículo com um saco de plástico na cabeça, de terno e quase de cócoras, tentando arrumar a coleira de um cachorro que não era meu. No segundo minuto, eu me senti mais ridículo ainda. E no terceiro minuto, o schnáuzer perdeu a paciência comigo e com o Rafa e avançou, cheio de rosnados. Com o susto, caí sentado na calçada, soltei a coleira do Rafa e ele saiu em disparada, fugindo do schnáuzer.
A velhinha não riu, no que fiquei imensamente agradecido. Eu disse que não conseguiria, coloquei a coleira do mesmo jeito que havia encontrado, torta e bamba, e pedi desculpas pela minha burrice. Depois saí atrás do Rafa, que não estava assustado. Tinha apenas fugido da chuva.
De volta ao prédio onde moro, Antônio, o porteiro sarcástico, não escondeu o sorriso. Ele ia falar alguma coisa mas eu não esperei e entrei logo pela porta de serviço com o Rafa. Tudo o que faltava era ouvir uma gracinha do Antônio, sim, senhor, eu pensava comigo mesmo. E quando eu abri a porta do elevador, com pressa, por muito pouco um saco de lixo não desabou em cima de mim.
_Seu Careca, vim lhe avisar que o elevador de serviço está cheio de sacos de lixo – disse o porteiro Antônio.
Depois de subir as escadas, olhei com atenção para ele e tive certeza de que o Rafa, aquele cachorrinho safado, estava rindo de mim.
(O título é John Fante, mas o resto é meu)
Senti a cabeça mais quente e menos molhada, mas devia estar bem esquisito com o plástico branco e de terno preto, com gravata, puxando o cãozinho pela coleira. No meio do caminho, encontro uma velhinha simpática parecida com aquela vovó do Frajola (de calça jeans e blusa de mangas longas cor-de-rosa), segurando um schnáuzer por uma coleira meio frouxa e bamba.
_O senhor entende de coleira? – ela pergunta.
_Depende. Se for igual à minha, eu entendo.
_Igual à sua? – ela disse.
_Quer dizer, se for igual a esta aqui, do meu cachorro. As pernas entram aqui e aqui, as argolas se encontram em cima e o mosquetão prende as argolas, ó.
A velhinha mostrou a coleira do schnáuzer e perguntou se eu conseguiria colocar aquilo do jeito certo. A chuva estava aumentando, mas a velhinha tinha um guarda-chuva e eu achei que poderia tentar. Me agachei e comecei a montar o quebra-cabeça da coleira, que era de couro e tinha um monte de fivelas. No primeiro minuto, eu me senti ridículo com um saco de plástico na cabeça, de terno e quase de cócoras, tentando arrumar a coleira de um cachorro que não era meu. No segundo minuto, eu me senti mais ridículo ainda. E no terceiro minuto, o schnáuzer perdeu a paciência comigo e com o Rafa e avançou, cheio de rosnados. Com o susto, caí sentado na calçada, soltei a coleira do Rafa e ele saiu em disparada, fugindo do schnáuzer.
A velhinha não riu, no que fiquei imensamente agradecido. Eu disse que não conseguiria, coloquei a coleira do mesmo jeito que havia encontrado, torta e bamba, e pedi desculpas pela minha burrice. Depois saí atrás do Rafa, que não estava assustado. Tinha apenas fugido da chuva.
De volta ao prédio onde moro, Antônio, o porteiro sarcástico, não escondeu o sorriso. Ele ia falar alguma coisa mas eu não esperei e entrei logo pela porta de serviço com o Rafa. Tudo o que faltava era ouvir uma gracinha do Antônio, sim, senhor, eu pensava comigo mesmo. E quando eu abri a porta do elevador, com pressa, por muito pouco um saco de lixo não desabou em cima de mim.
_Seu Careca, vim lhe avisar que o elevador de serviço está cheio de sacos de lixo – disse o porteiro Antônio.
Depois de subir as escadas, olhei com atenção para ele e tive certeza de que o Rafa, aquele cachorrinho safado, estava rindo de mim.
(O título é John Fante, mas o resto é meu)
quarta-feira, 12 de janeiro de 2011
Chuvas, deslizamentos e mortes
As chuvas castigam um pouco e voltamos a falar de mortes. Todos os anos. Como sempre, chove mais do que deveria ter chovido em determinado período de tempo. E todo mundo trata logo de encostar o bumbum na parede: a Defesa Civil, os governos municipais, estaduais e federal. Os moradores de encostas, os sujeitos de boa fé que constroem em áreas de deslizamentos pagam o preço duplo da imprevidência: choram suas vítimas e lamentam ter acreditado em quem prometeu solução rápida para o que já era precário. Os outros cidadãos também se lamentam. Muitos temem que o descalabro também os atinja no próximo ano, já que o desmando, o desmanzelo, o desarranjo e a precariedade se espraiam pelas cidades.
Não tenho a pretensão de ter uma solução na manga para esses problemas. Mas tenho certeza de que passa pelo exercício pleno da cidadania de todos os lados. Do cidadão, que não pode invadir e construir onde bem entender, além de também contribuir para a preservação da área onde vive tendo cuidado, por exemplo, com o seu lixo. Também implica exercício pleno dos poderes públicos, com a oferta de serviços adequados, inclusive no que se refere ao lixo e ambiente, e também no rigor e combate a novas invasões e construções.
Onde o mal já está feito, é preciso seriedade para encontrar uma solução mais rápida e definitiva sobre o assunto, com a regularização das áreas e compromisso público para assegurar sua salubridade sob qualquer tipo de tempo, com a quantidade de chuva que for. Isso exige participação ativa dos moradores da cidade e atuação vigilante dos seus representantes. Os pactos devem ser construídos publicamente, com prestações de contas igualmente públicas.
Já cansei de ver anúncio de governo, de que milhões serão investidos nisso e naquilo outro e as notícias trágicas se repetirem. Acho até que pioraram com o passar do tempo. De fato, sem mobilização organizada e ativa para que essas soluções sejam pactuadas, receio que tudo poderá se repetir com novas vítimas nos próximos temporais.
E todo o resto também: a mobilização solidária inicial, a organização de um gigantesco arranjo de instituições para recolher, organizar e remeter doações, o furto desordenado e descalibrado das doações ou sua mera apropriação indébita, a fatura política de aproveitadores, etc.
Não tenho a pretensão de ter uma solução na manga para esses problemas. Mas tenho certeza de que passa pelo exercício pleno da cidadania de todos os lados. Do cidadão, que não pode invadir e construir onde bem entender, além de também contribuir para a preservação da área onde vive tendo cuidado, por exemplo, com o seu lixo. Também implica exercício pleno dos poderes públicos, com a oferta de serviços adequados, inclusive no que se refere ao lixo e ambiente, e também no rigor e combate a novas invasões e construções.
Onde o mal já está feito, é preciso seriedade para encontrar uma solução mais rápida e definitiva sobre o assunto, com a regularização das áreas e compromisso público para assegurar sua salubridade sob qualquer tipo de tempo, com a quantidade de chuva que for. Isso exige participação ativa dos moradores da cidade e atuação vigilante dos seus representantes. Os pactos devem ser construídos publicamente, com prestações de contas igualmente públicas.
Já cansei de ver anúncio de governo, de que milhões serão investidos nisso e naquilo outro e as notícias trágicas se repetirem. Acho até que pioraram com o passar do tempo. De fato, sem mobilização organizada e ativa para que essas soluções sejam pactuadas, receio que tudo poderá se repetir com novas vítimas nos próximos temporais.
E todo o resto também: a mobilização solidária inicial, a organização de um gigantesco arranjo de instituições para recolher, organizar e remeter doações, o furto desordenado e descalibrado das doações ou sua mera apropriação indébita, a fatura política de aproveitadores, etc.
terça-feira, 11 de janeiro de 2011
Dinossauros
Meu filho adora dinossauros. Ele devora enciclopédias sobre os dinos e absorve uma quantidade enorme de informações sobre os grandes lagartos.
_Pai, se você fosse um dinossauro, você queria ser qual?
_Um tiranossauro rex, é claro.
_Não, pai. O melhor é ser um espinhossauro. Eles eram muito mais bravos. Além disso, os braços do Rex são muito curtos, não dão pra nada.
_E os braços do espinhossauro, como eram?
_Eram fortes. E as garras eram bem grandes.
_Então eu queria ser espinhossauro.
_Mas e se você fosse um composognato? - ele disse.
_O que é um composognato?
_É um dino dos pequenos, pai. Bem pequenos.
_Se eu fosse um dos compos, eu queria ser bem rápido.
_Eles corriam muito, pai. Senão eram devorados pelos outros.
_Então eu queria ser um dos mais velozes.
_Os pequenos também conseguiam se esconder bem depressa - ele disse.
_Então eu queria ser um dos menores, para me esconder ainda melhor. Não. Eu queria ser daqueles que lançam veneno, igual aquele do Jurassic Park, lembra? Ou então um tricerátops. Como chama aquele com umas placas nas costas? Estegossauro? Pois então, eu queria ser estegossauro. Ou então o pterodáctilo, voando e atacando os lagartos gigantes, vrum. Não, não, eu queria ser era aquele nervoso, com uma garra enorme na pata, o ...
_Chega, pai.
_Nós, dinossauros, lutamos muito pela sobrevivência...
_Chega.
segunda-feira, 10 de janeiro de 2011
A imprensa golpista e o Careca
Eu procuro a imprensa golpista desde que a expressão foi cunhada por aquele jornalista que foi da Grobo. Eu passo todos os dias na banca e fico lendo as manchetes dos jornais e não encontro a imprensa golpista. Mas acho fácil, muito fácil, um monte de jornais e revistas cheios de manchetes bajuladoras e artigos baba-ovo.
No meio de cadernos e mais cadernos de folhas derivadas de press-releases e de artigos lambedores, de vez em quando leio uma coluna modesta e humilde com alguma conexão com a realidade. Mas, na maioria das vezes, ler os jornais é um exercício de abandono à propaganda oficial ou ao simples jabaculê de interesses mercantis.
Não tenho nada contra os interesses mercantis, por sinal. Considero muitos deles legítimos. O que mais encontro e acho chato é o jabaculê, a mentira descarada sobre uma coisa ou alguém que sabidamente não vale o que o gato enterra. Com alguma sorte encontro um simulacro de informação precisa e bem apresentada. É bem melhor do que nada. Em geral, no entanto, é só casquinha de notícia, fulano disse, beltrano falou, não valem um nariz de cera furado com piercing.
Estou sempre mal-informado, mas otimamente desinformado e contra-informado. A imprensa golpista, penso eu, poderia me ajudar a desvendar os mistérios de tantos interesses ocultos e o motivo de tanta coisa estar sendo apresentada sem eira nem beira, sem que se procure localizar os porquês, causas, motivos e consequências. Essa imprensa desnudaria a verdade sobre um monte de coisas, revelaria dossiês inauditos. Sem nenhum pudor, a imprensa golpista despojaria mitos e exibiria orgulhosamente as partes mais íntimas de complôs e insurreições.
Eu procuro a imprensa golpista com essa esperança, mas acho que para encontrá-la é necessário adotar algum tipo de procedimento especial ou um utensílio diferente.
Outro dia vi numa loja uma TV 3D, com óculos especiais. Fiquei encantado. Pensei comigo que talvez a imprensa golpista só fosse visível com um óculos especial desse tipo, bem escuro ou em 4D. Mas é lógico que fantasiei. A imprensa golpista existe e é uma coisa bem palpável, um monte de gente no governo vive se referindo a ela. Alguns caras do governo, os mais espertos e sagazes, conseguem enxergá-la muito bem nas entrelinhas do que não consigo ver nem ler. Eu sou um pateta, é claro. Nessas horas em que os sujeitos mais geniais do governo - ou mesmo experientes jornalistas avessos ao jabaculê e ao patrocínio estatal - apontam para a imprensa golpista eu corro para ver se pego a danada.
_Isso é coisa da imprensa golpista - disse, outro dia, um sujeito muito importante do governo num telejornal.
Eu olhei, olhei, olhei e não vi nada. Mas eu estava longe da TV quando a notícia começou. Por isso, esperei outro telejornal para ver a mesma reportagem em outro canal. Lá estava o mesmo figurão muito importante falando da imprensa golpista. Eu olhei e nada. No último telejornal da noite eu estava lá, firme. E novamente, o figurão dizia alhos e bugalhos sobre a imprensa golpista. Não consegui ver nada da imprensa golpista. Nem rastro. Ou então eu sou míope de golpismo.
Comecei a pensar que só vou ver essa imprensa quando ela me acertar um karatê ou me passar uma rasteira. Depois percebi que só gente do governo ou quem é governista que fala da imprensa golpista, já viu, ouviu, leu e não gostou e sabe que ela existe de verdade. E é terrível. Avassaladora. Mentirosa. Traiçoeira. Gostosa! Caramba! Com um bom photoshop, tenho certeza de que ainda vou vê-la nas páginas centrais de uma revista masculina. De outro país, é claro.
No meio de cadernos e mais cadernos de folhas derivadas de press-releases e de artigos lambedores, de vez em quando leio uma coluna modesta e humilde com alguma conexão com a realidade. Mas, na maioria das vezes, ler os jornais é um exercício de abandono à propaganda oficial ou ao simples jabaculê de interesses mercantis.
Não tenho nada contra os interesses mercantis, por sinal. Considero muitos deles legítimos. O que mais encontro e acho chato é o jabaculê, a mentira descarada sobre uma coisa ou alguém que sabidamente não vale o que o gato enterra. Com alguma sorte encontro um simulacro de informação precisa e bem apresentada. É bem melhor do que nada. Em geral, no entanto, é só casquinha de notícia, fulano disse, beltrano falou, não valem um nariz de cera furado com piercing.
Estou sempre mal-informado, mas otimamente desinformado e contra-informado. A imprensa golpista, penso eu, poderia me ajudar a desvendar os mistérios de tantos interesses ocultos e o motivo de tanta coisa estar sendo apresentada sem eira nem beira, sem que se procure localizar os porquês, causas, motivos e consequências. Essa imprensa desnudaria a verdade sobre um monte de coisas, revelaria dossiês inauditos. Sem nenhum pudor, a imprensa golpista despojaria mitos e exibiria orgulhosamente as partes mais íntimas de complôs e insurreições.
Eu procuro a imprensa golpista com essa esperança, mas acho que para encontrá-la é necessário adotar algum tipo de procedimento especial ou um utensílio diferente.
Outro dia vi numa loja uma TV 3D, com óculos especiais. Fiquei encantado. Pensei comigo que talvez a imprensa golpista só fosse visível com um óculos especial desse tipo, bem escuro ou em 4D. Mas é lógico que fantasiei. A imprensa golpista existe e é uma coisa bem palpável, um monte de gente no governo vive se referindo a ela. Alguns caras do governo, os mais espertos e sagazes, conseguem enxergá-la muito bem nas entrelinhas do que não consigo ver nem ler. Eu sou um pateta, é claro. Nessas horas em que os sujeitos mais geniais do governo - ou mesmo experientes jornalistas avessos ao jabaculê e ao patrocínio estatal - apontam para a imprensa golpista eu corro para ver se pego a danada.
_Isso é coisa da imprensa golpista - disse, outro dia, um sujeito muito importante do governo num telejornal.
Eu olhei, olhei, olhei e não vi nada. Mas eu estava longe da TV quando a notícia começou. Por isso, esperei outro telejornal para ver a mesma reportagem em outro canal. Lá estava o mesmo figurão muito importante falando da imprensa golpista. Eu olhei e nada. No último telejornal da noite eu estava lá, firme. E novamente, o figurão dizia alhos e bugalhos sobre a imprensa golpista. Não consegui ver nada da imprensa golpista. Nem rastro. Ou então eu sou míope de golpismo.
Comecei a pensar que só vou ver essa imprensa quando ela me acertar um karatê ou me passar uma rasteira. Depois percebi que só gente do governo ou quem é governista que fala da imprensa golpista, já viu, ouviu, leu e não gostou e sabe que ela existe de verdade. E é terrível. Avassaladora. Mentirosa. Traiçoeira. Gostosa! Caramba! Com um bom photoshop, tenho certeza de que ainda vou vê-la nas páginas centrais de uma revista masculina. De outro país, é claro.
domingo, 9 de janeiro de 2011
Um guarda-chuva velho
Uma das melhores fontes de pequenas hastes metálicas que existem são os guarda-chuvas. E outro dia eu vi um guarda-chuva num contêiner de obra. Sem pensar muito, peguei a coisa e tratei de começar a retirar os arames e as varetas. Desse modo, consegui obter o material para a reconstrução do trem de pouso de um triplano que montei há uns quinze anos. O avião estava com o balanço todo empenado e coberto de diferentes tipos de cola. Tive que limpar tudo com cuidado e só depois disso é que descobri que foram tantas colagens e recolagens que as peças já não existiam, eram apenas superbonder e pequenos pedacinhos de plástico que formavam a estrutura.
Não era de se admirar que o aviãozinho estivesse tão torto e fragilizado. O eixo das rodas também era uma mistura de alfinetes e estilhaços, uma barafunda torta que alguém tinha pintado de vermelho. Tudo precário e ruim. Tratei de substituir o eixo por uma vareta do guarda-chuva, que cortei na medida certa com um alicate.
Eu poderia ter jogado o triplano no lixo, mas prefiro resgatá-lo aos poucos, com cuidado. O triplano não é o marco de um momento especial da minha vida, nem possui um significado simbólico para mim. É só um avião que montei, numa época em que eu gostava muito de ficar montando aviões de plástico e de madeira balsa com papel de seda.
Não estou querendo resgatar esse período da minha vida, nem ao menos reviver emoções e pensamentos. Não existe um motivo específico para que eu esteja fazendo isso. Talvez não seja muito fácil encontrar biplanos e triplanos nas lojas da cidade, mas hoje a internet facilita a aquisição de qualquer coisa. Eu poderia comprar outro triplano usando o cartão de crédito. Mas tenho o maior interesse em garantir uma aparência mais sólida para esse triplano específico. Acho que as partes de metal que tirei do guarda-chuva vão proporcionar essa sensação de solidez. Penso em deixar as hastes da cor em que as encontrei, prateadas. Talvez tenha que refazer algumas junções com massa e substituir algumas linhas partidas, vou ter avaliar isso mais tarde.
Não sei o que acontece quando estou em meio a algumas atividades. Lixar, cortar, pintar, desenhar e escrever sempre me deixaram um pouco inebriado, talvez eu tenha facilidade para a introspecção e a abstração.
Não era de se admirar que o aviãozinho estivesse tão torto e fragilizado. O eixo das rodas também era uma mistura de alfinetes e estilhaços, uma barafunda torta que alguém tinha pintado de vermelho. Tudo precário e ruim. Tratei de substituir o eixo por uma vareta do guarda-chuva, que cortei na medida certa com um alicate.
Eu poderia ter jogado o triplano no lixo, mas prefiro resgatá-lo aos poucos, com cuidado. O triplano não é o marco de um momento especial da minha vida, nem possui um significado simbólico para mim. É só um avião que montei, numa época em que eu gostava muito de ficar montando aviões de plástico e de madeira balsa com papel de seda.
Não estou querendo resgatar esse período da minha vida, nem ao menos reviver emoções e pensamentos. Não existe um motivo específico para que eu esteja fazendo isso. Talvez não seja muito fácil encontrar biplanos e triplanos nas lojas da cidade, mas hoje a internet facilita a aquisição de qualquer coisa. Eu poderia comprar outro triplano usando o cartão de crédito. Mas tenho o maior interesse em garantir uma aparência mais sólida para esse triplano específico. Acho que as partes de metal que tirei do guarda-chuva vão proporcionar essa sensação de solidez. Penso em deixar as hastes da cor em que as encontrei, prateadas. Talvez tenha que refazer algumas junções com massa e substituir algumas linhas partidas, vou ter avaliar isso mais tarde.
Não sei o que acontece quando estou em meio a algumas atividades. Lixar, cortar, pintar, desenhar e escrever sempre me deixaram um pouco inebriado, talvez eu tenha facilidade para a introspecção e a abstração.
sábado, 8 de janeiro de 2011
O furto do Papai Noel
Hoje descobrimos que alguém furtou o Papai Noel que havíamos grudado na porta. É a segunda vez que furtam o nosso enfeite de Natal. Tudo bem, oito de janeiro é o dia de desmontar a árvore, começar a guardar as coisas e deveríamos mesmo ter feito tudo isso. Ao invés disso, resolvemos começar o dia produtivamente planejando reformas e outras formas de gastar dinheiro com os nossos caprichos.
Ao voltarmos de um exaustivo dia de festejos e folguedos, não encontramos mais o enfeite. Era de madeira recortada e pintada. Nada muito caro, mas de bom gosto. Um velhinho de barba branca desejando Feliz Natal a todos e boas festas. Tão tradicional quanto pinguim de geladeira.
Tenho absoluta certeza de que uma pessoa que furta Papais Noéis também é capaz de furtar pinguim e até imã de geladeira. Existem poucos degraus mais baixos na escala de vilania dos seres humanos. Na escala de Dante Aleghieri, tenho certeza de que a condenação por furtar Papai Noel está em algum lugar entre prevaricar e receber passaporte diplomático por ser filhinho de papai. Está no mesmo nível de quem paga conta de motel com verba parlamentar ou de quem sai de um palácio com quinze caminhões cheios de "presentes".
Sim, é ir muito longe por causa de um Papai Noel de madeira. Mas quem rouba um símbolo é capaz de qualquer coisa e não merece nenhum respeito. O ladrão que furta um Santa Claus também furta crucifixo, cálice, relicário, solidéu, pé-de-pato-mangalô e figa. Quem furta o símbolo é ruim, mas quem se atreve a denegrir o simbolismo e a macular o valor simbólico que aprendemos a dar às coisas é pior ainda.
Depois fiquei pensando a que horas o ladrão agiu. Aqui em casa temos horários bem erráticos, mas previsíveis. O cara, provavelmente, sabia que iríamos demorar a sair de casa e resolveu agir de madrugada, é claro. Ou então, no meio da tarde de sábado, quando eu costumo estar tão desperto e ativo quanto uma preguiça gigante.
O fogo é que a bandidagem está escolada demais, todo mundo fez MBA à distância, assistindo aos políticos da Nação em tempo real. Seja como for, se eu tivesse surpreendido o ladrão tenho certeza de que ele tentaria me enrolar, primeiro negando veementemente que o Papai Noel na sua mão não estava, realmente, na sua mão. Depois ele diria que não sabia que aquilo era um Papai Noel, pois pensou que fosse um duende ou um elfo. Apareceria um comparsa e diria que na verdade aquele Papai Noel era dele, do comparsa, que apresentaria recibo, nota fiscal e um publicitário carequinha e de confiança para confirmar a história. Por último ele diria que era verdade, aquilo era mesmo um papai noel, mas que todo mundo pega e aquilo não era nada demais, não é mesmo?
Ao voltarmos de um exaustivo dia de festejos e folguedos, não encontramos mais o enfeite. Era de madeira recortada e pintada. Nada muito caro, mas de bom gosto. Um velhinho de barba branca desejando Feliz Natal a todos e boas festas. Tão tradicional quanto pinguim de geladeira.
Tenho absoluta certeza de que uma pessoa que furta Papais Noéis também é capaz de furtar pinguim e até imã de geladeira. Existem poucos degraus mais baixos na escala de vilania dos seres humanos. Na escala de Dante Aleghieri, tenho certeza de que a condenação por furtar Papai Noel está em algum lugar entre prevaricar e receber passaporte diplomático por ser filhinho de papai. Está no mesmo nível de quem paga conta de motel com verba parlamentar ou de quem sai de um palácio com quinze caminhões cheios de "presentes".
Sim, é ir muito longe por causa de um Papai Noel de madeira. Mas quem rouba um símbolo é capaz de qualquer coisa e não merece nenhum respeito. O ladrão que furta um Santa Claus também furta crucifixo, cálice, relicário, solidéu, pé-de-pato-mangalô e figa. Quem furta o símbolo é ruim, mas quem se atreve a denegrir o simbolismo e a macular o valor simbólico que aprendemos a dar às coisas é pior ainda.
Depois fiquei pensando a que horas o ladrão agiu. Aqui em casa temos horários bem erráticos, mas previsíveis. O cara, provavelmente, sabia que iríamos demorar a sair de casa e resolveu agir de madrugada, é claro. Ou então, no meio da tarde de sábado, quando eu costumo estar tão desperto e ativo quanto uma preguiça gigante.
O fogo é que a bandidagem está escolada demais, todo mundo fez MBA à distância, assistindo aos políticos da Nação em tempo real. Seja como for, se eu tivesse surpreendido o ladrão tenho certeza de que ele tentaria me enrolar, primeiro negando veementemente que o Papai Noel na sua mão não estava, realmente, na sua mão. Depois ele diria que não sabia que aquilo era um Papai Noel, pois pensou que fosse um duende ou um elfo. Apareceria um comparsa e diria que na verdade aquele Papai Noel era dele, do comparsa, que apresentaria recibo, nota fiscal e um publicitário carequinha e de confiança para confirmar a história. Por último ele diria que era verdade, aquilo era mesmo um papai noel, mas que todo mundo pega e aquilo não era nada demais, não é mesmo?
quinta-feira, 6 de janeiro de 2011
Wiki, o sabe-tudo
No trabalho apelidamos um sujeito de "Wiki". Ele tem resposta pra tudo. É uma wikipédia wireless e ambulante. O "Wiki" responde as coisas até dentro do elevador. Qual é o PIB da Nova Zelândia? O "Wiki" sabe. Quando foram as últimas eleições do Gana? O "Wiki" responde na lata. Quem escrevia os discursos para Itamar Franco? O "Wiki" tem até o telefone do sujeito. Muitos olham para o "Wiki" com assombro.
Ninguém nunca confere as respostas do "Wiki". Eu mesmo não me dou a esse trabalho. Acho o "Wiki" um tremendo comediante. Ele sabe que eu não o levo a sério.
_Ei, "Wiki", você sabe quantos litros de sangue tem um camelo? - eu perguntei a ele, no ano passado.
_De que tamanho?
_Daqueles grandes.
_Ichi, camelo grande tem, no mínimo, 12 litros de sangue.
_Isso tudo, "Wiki"?
_É, mas isso é antes da caravana.
_E depois, "Wiki"?
_Depende de quanto o camelo bebeu de água.
_Quantos litros bebe o camelo, dos grandes?
_Sem tijolada dá uns 15 litros.
_E com a tijolada?
_O camelho faz "shhhhhhhhhh' e puxa bem uns cinco litros a mais.
O "Wiki" também não me leva a sério. Vive tentando me contar piada velha.
_Careca, você conhece aquela da vaca louca?
_Ela é um coelho.
_E o que o português falou quando viu a casca de banana?
_Ai, Maria, lá vou eu escorregaire de novo!
_E aquela do anãozinho, pulando na frente do balcão do buteco, pedindo uma cerveja...
_Só tem chopp, só tem chopp, respondia o anão do outro lado do balcão...
Mas agora, no início do ano, ninguém faz perguntas para o "Wiki". Nem eu. Mas ele insiste em tentar contar piada.
_Careca, os cachorros conversam no veterinário...
_Dois serão castrados e um vai só cortar as unhas.
_Pô.
Ninguém nunca confere as respostas do "Wiki". Eu mesmo não me dou a esse trabalho. Acho o "Wiki" um tremendo comediante. Ele sabe que eu não o levo a sério.
_Ei, "Wiki", você sabe quantos litros de sangue tem um camelo? - eu perguntei a ele, no ano passado.
_De que tamanho?
_Daqueles grandes.
_Ichi, camelo grande tem, no mínimo, 12 litros de sangue.
_Isso tudo, "Wiki"?
_É, mas isso é antes da caravana.
_E depois, "Wiki"?
_Depende de quanto o camelo bebeu de água.
_Quantos litros bebe o camelo, dos grandes?
_Sem tijolada dá uns 15 litros.
_E com a tijolada?
_O camelho faz "shhhhhhhhhh' e puxa bem uns cinco litros a mais.
O "Wiki" também não me leva a sério. Vive tentando me contar piada velha.
_Careca, você conhece aquela da vaca louca?
_Ela é um coelho.
_E o que o português falou quando viu a casca de banana?
_Ai, Maria, lá vou eu escorregaire de novo!
_E aquela do anãozinho, pulando na frente do balcão do buteco, pedindo uma cerveja...
_Só tem chopp, só tem chopp, respondia o anão do outro lado do balcão...
Mas agora, no início do ano, ninguém faz perguntas para o "Wiki". Nem eu. Mas ele insiste em tentar contar piada.
_Careca, os cachorros conversam no veterinário...
_Dois serão castrados e um vai só cortar as unhas.
_Pô.
quarta-feira, 5 de janeiro de 2011
Do que eu falo quando eu blogo no caminho
Acelerei o processo e concluí a leitura do Henry Miller. De imediato, iniciei a leitura do Murakami “Do que falo quando eu falo de corrida”. Em poucas horas, devorei metade do livro.
Não consigo encontrar uma explicação para a “fisgada” que um livro dá na gente. Ela simplesmente acontece e não há nada a fazer quanto a isso. Lembro de ter passado batido pelo livro do Murakami diversas vezes. Lembro de já ter descartado o volume pelo título diversas vezes. Lembro de já ter dito a mim mesmo que não sou muito fã de correrias. Lembro de ter folheado o livro e deixado para lá.
E aí, sem mais nem menos, pego o livro na loja e estou preso a ele. E imediatamente começa o processo “Zelig”, em que passo a pensar e usar o mesmo ritmo das frases do livro que estou lendo. Chamo isso de para-imitação, embora o Woody Allen tenha traduzido os sintomas dessa influência perniciosa de um autor melhor do ninguém com o seu Zelig.
Nunca tinha ouvido falar no Murakami. Para mim, o fator decisivo para a aquisição do livro foi uma olhadinha num trecho lá pelo final. O escritor conta que uma vez correu com o John Irving, no Central Park. Putz! Eu disse para mim mesmo que um escritor que já correu com o John Irving tem que ser um escritor que merece ser lido. Eu mesmo gostaria de correr ao lado do Irving, embora não goste muito de correr.
Na página que li ainda na livraria, Murakami contava que foi uma experiência fantástica e super-divertida correr ao lado de Irving. Ele também diz não ter sido possível gravar a conversa e nem tomar notas. E que não se lembrava muito do que haviam falado, só que a conversa tinha sido divertida e era uma bela manhã ensolarada.
Foi esse o pequeno trecho decisivo que me fez comprar o livro e iniciar a sua leitura de forma apressada. Murakami deixa bem claro que não vai tentar exprimir o inexprimível. Ele só vai escrever sobre o que é possível, da melhor maneira que encontrar. Sem querer ser pretensioso, isso é algo venho tentando fazer no Caminho do Careca desde que iniciei o blog, com altos e baixos. Mais baixos, é lógico. E se para escrever bem é sempre fundamental ler bons livros, para se blogar também é necessário ler bons blogs. Aqui ao lado tem uma lista pequena, que preciso ampliar.
Não consigo encontrar uma explicação para a “fisgada” que um livro dá na gente. Ela simplesmente acontece e não há nada a fazer quanto a isso. Lembro de ter passado batido pelo livro do Murakami diversas vezes. Lembro de já ter descartado o volume pelo título diversas vezes. Lembro de já ter dito a mim mesmo que não sou muito fã de correrias. Lembro de ter folheado o livro e deixado para lá.
E aí, sem mais nem menos, pego o livro na loja e estou preso a ele. E imediatamente começa o processo “Zelig”, em que passo a pensar e usar o mesmo ritmo das frases do livro que estou lendo. Chamo isso de para-imitação, embora o Woody Allen tenha traduzido os sintomas dessa influência perniciosa de um autor melhor do ninguém com o seu Zelig.
Nunca tinha ouvido falar no Murakami. Para mim, o fator decisivo para a aquisição do livro foi uma olhadinha num trecho lá pelo final. O escritor conta que uma vez correu com o John Irving, no Central Park. Putz! Eu disse para mim mesmo que um escritor que já correu com o John Irving tem que ser um escritor que merece ser lido. Eu mesmo gostaria de correr ao lado do Irving, embora não goste muito de correr.
Na página que li ainda na livraria, Murakami contava que foi uma experiência fantástica e super-divertida correr ao lado de Irving. Ele também diz não ter sido possível gravar a conversa e nem tomar notas. E que não se lembrava muito do que haviam falado, só que a conversa tinha sido divertida e era uma bela manhã ensolarada.
Foi esse o pequeno trecho decisivo que me fez comprar o livro e iniciar a sua leitura de forma apressada. Murakami deixa bem claro que não vai tentar exprimir o inexprimível. Ele só vai escrever sobre o que é possível, da melhor maneira que encontrar. Sem querer ser pretensioso, isso é algo venho tentando fazer no Caminho do Careca desde que iniciei o blog, com altos e baixos. Mais baixos, é lógico. E se para escrever bem é sempre fundamental ler bons livros, para se blogar também é necessário ler bons blogs. Aqui ao lado tem uma lista pequena, que preciso ampliar.
terça-feira, 4 de janeiro de 2011
Fim do recesso para o Careca
Todas as vezes que começa um recesso de fim-de-ano eu faço uma lista de coisas que eu pretendo fazer. Dessa vez, a lista era bem comprida. Fiz mais da metade e estou satisfeito de começar o ano com um monte de coisas organizadas e prontas. Uma das principais tarefas foi organizar a papelada para o IRPF, além de uma ordenação geral dos papéis que a gente é obrigado a guardar.
Também arrumei o quanto pude alguns dos aeromodelos. Três biplanos e o único triplano estão em péssimo estado e por isso deixei para arrumá-los no Carnaval. Mas já guardei as partes e peças na mesma caixa, o que é um grande avanço, pois revirei o apartamento juntando pedaços espalhados por todos os lados. Vai ser bem complicado recuperar esses modelos porque algumas partes plásticas se quebraram. Talvez eu venha a substituí-las por partes metálicas. Fiz isso com um Spitfire e o resultado não foi ruim.
Nessas vasculhações atrás de peças acabei por encontrar a hélice original do Corsair. Devo passar na loja daquele camarada para devolver a hélice que ele gentilmente me cedeu.
Não li todos os livros que planejei ler. Pra falar a verdade, ainda nem terminei de ler o Henry Miller. Mas dormi tudo o que desejava dormir e descansei um bocado.
Também não iniciei o programa de exercícios físicos usando o livro que baixei da Internet. Mas curti a preguiça que eu achava que tinha que curtir. Agora estou pronto para a labuta.
Para terminar comecei o índice dos livros, discos e quadrinhos que estou juntando no HD portátil. O índice de quadrinhos está bem atrasado. Concluí o índice de livros e discos. Os dois últimos têm menos de 150 itens cada um, consegui fazer rápido. Mas o cadastro dos quadrinhos está mais complicado. Alguns arquivos estão corrompidos e estou tendo que corrigir a coleção.
Também arrumei o quanto pude alguns dos aeromodelos. Três biplanos e o único triplano estão em péssimo estado e por isso deixei para arrumá-los no Carnaval. Mas já guardei as partes e peças na mesma caixa, o que é um grande avanço, pois revirei o apartamento juntando pedaços espalhados por todos os lados. Vai ser bem complicado recuperar esses modelos porque algumas partes plásticas se quebraram. Talvez eu venha a substituí-las por partes metálicas. Fiz isso com um Spitfire e o resultado não foi ruim.
Nessas vasculhações atrás de peças acabei por encontrar a hélice original do Corsair. Devo passar na loja daquele camarada para devolver a hélice que ele gentilmente me cedeu.
Não li todos os livros que planejei ler. Pra falar a verdade, ainda nem terminei de ler o Henry Miller. Mas dormi tudo o que desejava dormir e descansei um bocado.
Também não iniciei o programa de exercícios físicos usando o livro que baixei da Internet. Mas curti a preguiça que eu achava que tinha que curtir. Agora estou pronto para a labuta.
Para terminar comecei o índice dos livros, discos e quadrinhos que estou juntando no HD portátil. O índice de quadrinhos está bem atrasado. Concluí o índice de livros e discos. Os dois últimos têm menos de 150 itens cada um, consegui fazer rápido. Mas o cadastro dos quadrinhos está mais complicado. Alguns arquivos estão corrompidos e estou tendo que corrigir a coleção.
segunda-feira, 3 de janeiro de 2011
Tempo nublado com chuvas ininterruptas
Chove o tempo inteiro desde a véspera de ano novo. E só chove daquela chuvinha fina de verão, que de tanto insistir acaba dando a impressão de fazer frio. Como resultado, eu e os meus filhos adiamos um pouco os programas com os skates. Os dois ganharam skates e se divertiram à beça logo depois do Natal, mas as chuvas atrapalharam as tentativas de continuação da brincadeira.
Em conseqüência das chuvas, estamos presos no apartamento, inventando passatempos. Cansamos de can-can, demos um tempo no vídeo-game e desistimos do jogo da memória porque a minha filha de seis anos não deixou ninguém mais ganhar. Comecei a montar aeromodelos de papel mas cansei rápido, meu filho cansou de montar lego e dinossauro e minha filha cansou de brincar com as Polies. Minha mulher está entretida com uma novela do Nabokov que comprou há alguns dias. Ela e o Rafa, o cãozinho shi-tsu da minha filha, são os únicos que não parecem entediados. Ela adora um livro novo e o Rafa adora quando estamos todos por perto.
Outro resultado das chuvas é uma preguicite aguda que peguei. E junto com a preguicite, vem um sono danado.
Em conseqüência das chuvas, estamos presos no apartamento, inventando passatempos. Cansamos de can-can, demos um tempo no vídeo-game e desistimos do jogo da memória porque a minha filha de seis anos não deixou ninguém mais ganhar. Comecei a montar aeromodelos de papel mas cansei rápido, meu filho cansou de montar lego e dinossauro e minha filha cansou de brincar com as Polies. Minha mulher está entretida com uma novela do Nabokov que comprou há alguns dias. Ela e o Rafa, o cãozinho shi-tsu da minha filha, são os únicos que não parecem entediados. Ela adora um livro novo e o Rafa adora quando estamos todos por perto.
Outro resultado das chuvas é uma preguicite aguda que peguei. E junto com a preguicite, vem um sono danado.
sábado, 1 de janeiro de 2011
O Careca começa o ano de madrugada
Aqui estou eu em 2011. E as coisas começaram bem cedo. Mais precisamente às quatro da madrugada, quando o vizinho do meu pai começou a estourar fogos de artifício pela passagem do ano. Eu, minha mulher e os meus filhos fomos dormir lá porque eu estava a fim de beber cerveja. Bebi cerveja e champagne para comemorar a passagem de ano. Duas Teresópolis e uma taças de Chandon. E às quatro da manhã o vizinho começa a estourar fogos de artifício.
O que leva um ser humano a agir de maneira tão desprezível?
Acordei de um pulo, porque o barulho foi assustador. Pensei que era o ato de um bêbado, o estouro de um foguete que sobrou num canto, um desatino. Mas não. O sujeito continuou a estourar fogos por dez minutos. Fiquei irritado porque pensei que as crianças ficariam mais assustadas do que eu, mas nem eles nem a minha mulher acordaram. Felizmente.
Enquanto os fogos estouravam, arquitetei planos de vingança imediata. Pensei em fazer coquetéis molotov e atirar na casa do vizinho. Pensei em degolar seu cachorro. Pensei em furar os pneus do carro do vizinho. Pensei em dinamitar o telhado do vizinho. Pensei em tanta coisa. Mas é lógico que não fiz nada. Fiquei arquitetando vinganças imaginárias até passar a raiva e o foguetório. E depois dormi novamente.
Acho extraordinário que uma pessoa consiga se divertir e se sentir feliz incomodando outras, voluntária e conscientemente. Todas as pessoas comemoraram e fizeram seus gritos e barulhos por volta da meia-noite, dentro do clima de celebração universal. Aquele imbecil, não. Ele esperou a festa de todos acabar para fazer a sua bagunça fora de hora, quando todos já descansavam. Cascavel peçonhenta! Foi a primeira pessoa a quem desejei um fim breve e com muita dor neste início de 2011.E o dia nem tinha amanhecido.
Depois de algumas horas de merecido descanso, às oito em ponto, acordei novamente. Dessa vez acordei preocupado com o Rafa, o cãozinho shi-tsu da minha filha. O Rafa costuma passear lá pelas sete. Os atrasos resultam em sujeira para todos os lados, então evitamos perder o horário.
Mas o ritmo da primeira manhã do ano foi vagaroso e gostosamente usufruído. Para resumir, dei de ombros para o atraso e só chegamos de volta à casa por volta do meio-dia. Rafa recebeu a todos com a alegria dos náufragos resgatados, espalhando perdigotos e mordiscando tudo o que encontrasse. E para minha surpresa, tudo estava limpinho.
Foi o melhor passeio com o cachorrinho nos últimos meses. Nem me importei com chuvinha fina que caía.
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