sexta-feira, 25 de abril de 2008

Um breve passeio de lancha no espaço




Eu era solteiro e uma vez fui para o México. Sozinho. Fui para Cancun, curtir umas férias. Foi o pacote de viagens mais barato que eu encontrei. Nessa época, sem brincadeira, com esse pacote “single special” era mais barato ir para o México uma semana do que ficar cinco dias num muquifo no Rio de Janeiro. Era época de paridade com o dólar. Fiquei num hotel sensacional. Meliá Qualquer Coisa. Era a dois passos de um boteco famoso, Hollywood Não Sei O Quê Lá, ou Qualquer Coisa Hollywood. Era o buteco mais badalado do local. Cheio de lembranças das filmagens de astros de cinema. A tequila mais cara da região. E o lugar mais lotado de turistas daquele pedaço do planeta.
Quando eu desembarquei no México, um guia foi logo nos agrupando e apontando os micro-ônibus corretos, de acordo com o hotel onde se estava hospedado. Eu fiquei junto com um monte de casais de brasileiros recém-casados. Achei legal à beça.
Eu pensei assim, com aspas. “Recém-casado é ótimo, porque a dupla é super alto astral. É tudo perfeito, de fábrica, que nem carro zero. Não tem trelêlê nem desconfiança na relação. E por isso todo mundo é bem simpático com os seres humanos em geral, inclusive com os solteiros. Viajar com recém-casados é muito bom. As pessoas estão tão convencidas da importância do amor que querem transmitir informações sobre as benesses do casamento, falar do noivado, da festa de casamento, dos planos para o futuro, para a casa própria, para as próximas férias, sei lá”.
Mas a realidade era diferente. Eu estava num grupo com uns catorze casais. Só falavam entre si. Todos eles não escondiam o entusiasmo que sentiam com a humanidade dos casados. Todos eles me olhavam com a superioridade de quem superou um estágio da evolução humana. Todos eles mal conseguiam conter a alegria de estar ali, a caminho de um hotel bacana, com a possibilidade de passar o dia inteiro fazendo aquilo que teriam uma semana inteira para fazer e fazer e fazer. Todos eles mal esperavam para chegar logo no hotel e ficar trancado uma semana, só pedindo serviço de quarto.
E eu sozinho. Juro que procurei um anel para colocar no dedo. Juro que pensei em inventar que iria encontrar minha noiva no hotel. “Eu vim na frente, só para fazer o check in”. Juro que pensei em um monte de besteiras naquele micro-ônibus. “Tudo bem”. Eu pensei. “No hotel deve ter gente solteira”. “E se não tiver?”. Eu pensei. “O que é que eu vou fazer aqui?”. Continuei pensando. “Caramba, começo a entender porque essa viagem é tão barata para um solteiro.” E depois desse pensamento eu cruzei os dedos e comecei a torcer para a minha lógica ser derrotada por uma dúzia de moçoilas solteiras e disponíveis hospedadas naquele magnífico Meliá Turquesa - lembrei o nome do hotel, aleluia!
Na época eu disfarçava a carequice com um boné. O micro-ônibus estacionou e descemos todos. Os casais dispararam na minha frente. Fiquei por último na fila do check-in. E enquanto eu procurava um voucher, percebi que os atendentes do hotel olhavam para mim com enormes sorrisos. “Nossa, que profissionalismo desses caras. Olha só, todos sorrindo, epa, aquele ali está é dando risada. Caramba! Esses caras estão é rindo da minha cara. Por quê será? Cadê o mico? Já sei! Eu sou o único solteiro desse hotel inteiro, só pode ser isso! Cacilda!” E de fato, assim era.
Naquele dia, não vi nenhuma alma solitária no pedaço. Só casais. E também só havia casais no buteco famoso, o Qualquer Coisa Hollywood. E o mesmo valia também para os outros hotéis, como vim a descobrir no dia seguinte. Para resumir, Cancun inteira só tinha casais. Do mundo inteiro. Aquela era a versão da Península Maravilhosa para Lua de Mel do Planeta Terra. E naquela específica ocasião da história cancuniana, eu era, talvez, o único solteiro por ali, onde nativos não entram.
Tentei me enturmar assim mesmo. Puxava conversa no balcão, na piscina. Mas recém-casados estão em planos astrais diferentes de solteiros carentes. E ali tudo era programado para o casal. Torneio de duplas de casados. Torneio de futebol de casados versus casados. Torneio de dança de casados. Tour de compras para recém-casados. Torneio de peteca para casados. No terceiro dia, como eu não sou de dar murro em ponta de faca, decidi deixar pra lá e curtir o que pintasse. A natureza. O mar. A praia. E todos aqueles drinques. Lá, das 18 horas até as 20 horas, todos os hotéis tinham a promoção “beba o quanto quiser por apenas um dólar”. Ou seja, bebi como um gambá enquanto estive em Cancun.
E numa bela manhã, andando pela praia, vi uma lancha puxando um sujeito de pára-quedas. A noiva, embaixo, dava gritinhos emocionados. A lancha parou e o sujeito foi planando devagarinho e aterrissou numa boa. “Cacilda! Taí uma coisa divertida para fazer sozinho”.
Aí contei os trocados que eu tinha e dava para meia hora de passeio de paraglidding. No dia seguinte, eu iria embora bem cedo. O mexicano me deu umas instruções rápidas. Eu fingi que entendi e sentei no que parecia uma cadeira de balanço, só que feita de lona. Contei até três e a lancha acelerou. Em dez segundos eu estava lá em cima, vendo o topo do hotel de dez andares onde eu estava hospedado. Meu boné caiu! E o frio que dava na minha barriga ia da ponta dos dedos dos pés, que pareciam estar pisando numa lancha minúscula, até a ponta do meu nariz. Caramba! Nunca senti tanto medo na minha vida. E quanto mais eu berrava, mais o cara da lancha acelerava, pensando que eu estava curtindo. Foi meia hora e mais dez minutos de lambuja do mais puro, genuíno e terrificante terror. E acho até que foi por isso que eu demorei para casar. Associei as coisas. Casamento, lua-de-mel, medo e passeio de pára-quedas puxado por lancha. Tudo a mesma coisa.

10 comentários:

Rodrigo Carreiro disse...

Isso dava um belo de um filme hahahahah
Mas sua associação é pertinente sim eheheh

Careca disse...

Rodrigo,
Cancún é muito engraçado. Boas risadas!

Anônimo disse...

sem palavras.tô rindo até agora, tentando imaginar tua cara! com certeza, eu trocaria um MÊS INTEIRINHO de férias num maravilhoso hotel por uma única foto bem de pertinho.
abraço

Careca disse...

Uai,
estou procurando uma foto que tirei, sem querer, do passeio de pára-quedas. A máquina disparou e eu fotografei o meu pé sobre o oceano. Assim que eu achar eu coloco.

Mwho disse...

Pensei que você no final ia falar do padre que saiu por aí voando pendurado nos balões de festa...
Acho que carente era ele: nem com muita reza resolveu e aí, tentou os balões...
Gostei da sua crônica! Acho que você deve ter voltado morrendo de vontade de casar...

Careca disse...

Mwho,
você me pegou. Na verdade eu ia falar sobre o padre, até fiz a ilustração pensando nisso...mas ficou comprida demais. E eu também achei essa matéria aqui : http://noticias.uol.com.br/ultnot/2008/04/22/ult23u1981.jhtm . Qualquer outra coisa é redundância.

leila disse...

nossa, o padre deve ter sofrido...


olha o anuncio do google embaixo desse post:
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www.unidadefolicular.com.br

Careca disse...

Leila,
é, se fosse em BsB eu já tinha ligado prá lá. Tenho a maior curiosidade para saber o preço.

Maína Junqueira disse...

De Cancun, lembro bem da areia muito branca e muito macia...uma seda.

O meu ex-marido costumava dizer que o mundo era dividido entre os solteiros e os casados.
Quando nossa filha nasceu, ele acrescentou, os solteiros, os casados, os que tem filhos e os que não tem.

Careca disse...

M.J.,
é, tem isso mesmo, com um pouco mais de categorias e divisões. Eu, por exemplo, sou do time dos casados e com filhos. Tem time de solteiro com filhos, de descasados sem filhos, de solteiro separado com filho adotado...

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