quarta-feira, 23 de abril de 2008

Goleirão de galalite




Tenho fascínio por algumas máquinas. Especialmente as máquinas que possuem um disco giratório e fazem zum. Ventilador. Máquina de lavar. Esmeril. Dremmel. Parafusadeira elétrica. Fatiador de padaria. Cortador de grama. Acho um barato cortador de grama. Acho geniais aqueles modelos portáteis, com um fio grosso que gira muito rápido. Aquela geringonça é leve e super bem equilibrada. Num instante você consegue acertar uma cerca viva, alinhar um arbusto. Você se sente um gafanhoto humano com um brinquedo daqueles nas mãos. Zum.

Aqui, nessa cidade, existem batalhões motorizados para podar a grama das áreas verdes entre os edifícios, na quadras residenciais. E é divertido observar todos aqueles mini-tratores. Eles costumam chegar no início da manhã. Fazem um barulho infernal. Zum. Ao meio-dia, resta pouco mais que alguns metros quadrados de gramado para acertar, para transformar em tapete da cor da esmeralda. No final da tarde, toda a grama cortada já está ensacada e é levada em caminhões.

Eu olho de longe os mini-tratores. Os motoristas se divertem um bocado. Tiram fino nas calçadas. Dão cavalo de pau e levantam uma nuvem de grama cortada. Zum. Nuvens de insetos se movimentam de acordo com o avançar das máquinas. De vez em quando, numa beirada de calçada, ou numa pedra meio enterrada, um estrondo com faíscas revela um imprevisto. Eu vigio as crianças. Acho muito legal, mas também tenho um medo danado desses cortadores de grama. Só vejo de longe.

Um grande amigo, ainda menino, perdeu um olho por causa de uma lâmina atirada por uma dessas máquinas de cortar. Éramos colegas de classe. Sétima série. Mas quando nos conhecemos o acidente já tinha acontecido há muito tempo. Ele usava óculos. Eu achava que esse amigo era estrábico. E era um estrábico muito estranho, pois tinha dia que um olho estava torto para a direita. E no outro parecia estar torto para a esquerda. Um dia olhava de cima, sobranceiro. E no outro olhava de baixo, irônico. Aí, num dia qualquer, ele precisou tirar o olho de vidro para limpar. E, naturalmente, fez isso com a naturalidade de quem limpa os óculos. Eu fiquei pasmo.

A minha curiosidade mórbida de menino é que me fez perguntar como ele havia ganhado aquela estranha bola de gude.

_Puxa, mas que falta de sorte – eu comentei, depois que ele me contou.

_Besteira. Foi uma sorte danada. Mais um milímetro e a lâmina me matava - ele me disse.

Achei que era estoicismo da parte dele, falar de uma tragédia daquele jeito. Já imaginou? Perder uma parte do corpo e falar disso com naturalidade? É, sou manco. Uma carro passou por cima. É sou maneta. Um leão comeu. É, só ouço desse lado. Show da Ivete Sangralo. É, meu joelho era muito legal. Mas o zagueiro não gostou. Sim, eu peso mais do lado que ainda tem rim. Recebi em euro.

Talvez fosse estoicismo mesmo. Eu nunca ouvi ele se queixar da falta do olho. Nem mesmo no jogo de futebol. E ele até que joga bem. Botão. Também, só usa goleirão de galalite!

12 comentários:

Anônimo disse...

fatiadores de padaria: já fatiei pedaços meus no meio da mortadela (tá, só um pedacinho do dedo).Nada que fosse interferir no gosto final do produto (trabalhava com o cortador no bar do meu pai). lembra quando te falei da minha vó? é, meu pai era filho dela!!!e olha a frase: "pão com manteiga, vc precisa aprender a fatiar pra tomar conta do bar sozinha, tá!" pão com manteiga disse: "tá bão."

Careca disse...

PcomM,
esse é o problema com as empresas de família. Você dá o sangue,entrega até as pontas dos dedos pro trabalho, mas no máximo chega a vice-presidente.

Anônimo disse...

olha, eu já tinha "experiência" no assunto, mas meu pai,depois de uma briga de pingaiada, achou "melhor" meu irmão tomar conta. e ele não quis; não era bem a dele ficar em bar. ele era "boy". mas eu adorava tomar conta, vender, conversar. quando fiz 11 anos o bar foi vendido.

Careca disse...

PcomM,
há bares que vão para o bem...

Mwho disse...

A gente fica se preocupando com coisas nem tão importantes e aí vem alguém como esse seu amigo para provar que nós somos uns idiotas...

Careca disse...

Mwho,
estamos todos no mesmo barco. Até ele, o meu amigo do olho de vidro, de vez em quando é idiota.

pevê disse...

Careca,
Cá com meus botões, ainda tenho um arremedo de time, que deve dar para o gasto. Você também ainda deve ter o seu, certo?
Precisamos fazer com que o Cabeça compre um daqueles "estrelões" oficiais-tamanho-família. Se ele topar, ele pode usar caixa de remédio como goleiro.
Ainda que não tenha um olho de vidro, o cara é um profissional liberal, abriu o próprio negócio e deve ter um terceiro olho bem arregalado...

Careca disse...

PEV,
mandou bem, mandou bem. O Cabeça abriu o próprio negócio só para receber o bruto, fazer o balanço e ficar com o líquido só para ele. Quer dizer, tem grana à beça. E vamos marcar uma partida na sala do apê dele... É lógico que vamos precisar silenciar aquele schnáuzer!

Cau. disse...

Eu também tenho um amigo com um olho mais torto que o outro. Recusou uma fez uma cirurgia de correção. Ele tem orgulho desse olho.
E devo confessar, é seu maior charme.

Careca disse...

Cau,
essa sua foto também é bem charmosa!

Anônimo disse...

sabe o que me atrai? vap. saca o vap? aquele aparelho de limpeza que muda a cor da calçada? puta legal aquilo. um dia inda vou ter um.

Careca disse...

Franka,
o vap é legal. Tem o vapt também. Aquele da música "Plunct, vapt, zum, não vai a lugar nenhum..."

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