segunda-feira, 7 de abril de 2008

Não existem cofres para o infinito


Infinito é a nova palavra favorita do meu filho mais velho. Ele já reconhece todas as letras. E também consegue rabiscar quase todas. Tentei ensiná-lo a escrever a palavra, esquecido de que, por enquanto, ele consegue apenas garatujar o próprio nome. Sempre penso que posso responder melhor às perguntas dele. Ser mais consistente. Mas o fato é que eu falho um bocado.

Eu gosto de observá-lo brincar. No início, eu gostava de me vangloriar. Gostava de achar que determinado gesto, o jeito de sorrir e a risada escancarada eram heranças melhoradas dos meus gestos, sorrisos e risadas. Depois, observando melhor, vi que as melhorias nos gestos ágeis haviam mudado a configuração, de tal maneira que havia restado apenas algumas centelhas dos meus próprios gestos na sua maneira de andar, correr e saltar. O mesmo valia para o jeito de sorrir, para a maneira de acompanhar as palavras com as mãos. Por fim, reconheci que os gestos e tudo o mais, inclusive o jeito meigo e maroto de olhar na hora de contar uma aventura, eram combinações só dele, que nasceram com ele e desabrocharam em apenas quatro anos. É muito rápido, esse crescer para o mundo.

Olhando para o arquivo de fotos no computador, eu vejo meu menino. As fotos mostram que vive de forma vibrante e barulhenta. É raro encontrar uma pose, um momento em que tenha parado para o clic. Acho que é dessa forma, em geral, que vivem os meninos. Mas o que é essa pequena sombra no canto do olho? O que é essa leve cicatriz no sorriso? É como se estivesse resignado a ser ignorado de tempos em tempos, quando me enrolo para olhar meu próprio umbigo. Eu sei. A cicatriz no sorriso é uma mancha indelével , que revela as inconsistências na minha interpretação de pai. Eu sei.

Mais fotos. Eu gostava de imaginar o coração como um cofre forte gigantesco, iguais àqueles dos bancos que aparecem no cinema. Uma imensa roda com gigantescos braços de metal para abrir a porta. Um segredo complicado e cheio de tecnologia para acionar o mecanismo da porta. Ali dentro, milhares de caixas metálicas guardariam todos os amores que eu amei, todos os ódios, todas as mágoas e dores que um dia senti. Pequenas caixas metalizadas, com chaves individuais e brilhantes. Cada caixa só poderia ser aberta por uma única pessoa. A pessoa que amei. A pessoa que odiei. Quem me magoou. Quem me fez sorrir.

Mas depois vi que não é assim.

Eu tenho um cofre pequeno no peito. E ali dentro, misturadas com a minha preguiça e o meu desleixo, as coisas boas e as coisas más lutam uma luta de vida e morte. E de vez em quando, é muito raro, eu deixo alguém se aproximar o bastante para dar uma espiada. E depois, eu bato a porta do cofre. A maioria das coisas, tenho certeza, eu não deixo pra lá, não guardo perdão. Mas o coração do meu filho é diferente. É uma casa grande e iluminada, eu sei. E tem árvores no quintal.

À noite, depois que eu o coloquei para dormir, eu olho para as fotos do meu menino e escuto os sons sonolentos da casa. Eu espero que ele sempre entenda o amor infinito que eu tenho por ele. Mas quase sempre, alguma coisa parece evidenciar todas as minhas tentativas de interferir no seu crescimento. Ali estão, as marcas dos meus dedos cheios de argila, de quando tentei moldá-lo à minha imagem e semelhança. Quando tudo o que era preciso fazer era soprar a ferida do joelho, beijar o arranhão na pele.

Só muito depois me ocorreu que eu poderia tê-lo ensinado a desenhar o símbolo de infinito. Eu perco o tempo certo, freqüentemente.

8 comentários:

Tatiara Costa ; ) disse...

Muito bacana o que escreveu...

Penso que temos que aprender muito com as crianças.

Abraço ;)

Careca disse...

Tatiara,
como qualquer aprendizado, todos os dias.
:)

Anônimo disse...

Será que o tempo certo não é justamente esse que a criança te ensina?

E me resta uma dúvida: não dá mais tempo de ensinar o símbolo do infinito? Tempo é coisa de quem fecha o cofre. E, pelo que vc disse, o cofre do seu filho é aberto.

Quando comecei a visitar hospitais, reparei que os adultos se empolgavam muito com as bolhas de sabão. Mais ainda do que as crianças. Aí fico pensando se essa história de 'tempo certo' não passa de coisa da nossa cabeça de cronogramas.

Lindo texto.

Careca disse...

Mawa,
dá tempo. É minha tarefa pra hoje e amanhã. Acho que não é só a cabeça de cronograma. É ter a cabeça mais rápida para o outros insights, e não para os importantes, os da vida, do coração.
Belo vídeo, no seu blog.

Anônimo disse...

Sempre passeio por blogs e nunca comento, mesmo tendo muita vontade, deixo passar e vou lêr o outro e o outro( entre eles, claro, o seu que gosto muito).
Mas hoje não poderia deixa passar,
Parabéns, emocionante... mesmo!!!

Careca disse...

Vera,
obrigado!
:)

Anônimo disse...

careca, você é como eu. as coisas que pensa pros filhos, igualzinho. dai a gente acha que, se eles forem maiores, vão achar lindo. dai os meus são grandes e não se comovem. gostam de soeira, veja só. droga, hahahah. sorry, mas acho que teu filho vai ter que ter 45 pra entender esse post. bpora esperar que é lindo, parabéns.

Careca disse...

Franka,
daqui a 45 anos já tem até goiabeira carregada em cima do que era eu. Mas é isso mesmo, só usamos banheiros diferentes...

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