quinta-feira, 3 de abril de 2008
O liquidificador de azeitonas maquiavélicas
_Matem o Dijêi! Matem o Dijêi!
Um amigo barbudo do Itamaraty foi quem inventou esse corinho para mim, numa festa de aniversário de vinte e poucos anos do Natalício. Festa muito legal. Foi na época em que o Natalício dividia apartamento com outra amiga, que vou omitir o nome. Eu achava o Natalício o máximo, pois dividia apartamento com uma mulher. Caramba! Era o máximo!
Todo mundo queria farrear à vontade e depois ir para uma cama quentinha, do lar, com quem conseguisse trazer para casa. Mas na casa dos pais não dava, é lógico. A não ser que eles estivessem viajando. Hoje em dia pode, eu sei. Pode com todo mundo em casa, pai, mãe, tio, tia, irmão, irmã, agregado, agregada, atroianada. Eu vejo nas revistas que a Patroa compra. Mas no meu tempo não podia. Ponto. Até meu irmão mais velho, que morava fora, obedecia a regra. Aqui, no Brasil. Lá, morando sozinho, ele se esbaldava.
Pois o Natalício podia. Ele e a amiga não eram namorados. Ele e ela podiam. E o melhor de tudo é que eles não precisavam trazer para casa. Eles farreavam lá e já estavam em casa. Era só fechar a porta do quarto. Eu achava os dois as pessoas mais felizes do mundo. E acho mesmo que eram.
E a sala do apartamento dos dois era pequena, quase apertada, mas nós gostávamos das festas de lá porque todo mundo tropeçava em todo mundo e conversava borracha pacas.
Todos os nossos sonhos comprimidos numa sala quatro por quatro. Todo mundo sentado no chão, sobre almofadas, encostados na parede. Tinha sempre um maluco dançando no meio, feito índio. Todo mundo de copo na mão. E naquela época, quem não tinha cigarro na boca é que era esquisito. E só para se ter uma idéia, tinha gente que agüentava beber caipirinha em copo de plástico branco, descartável. E tinha os piores, que agüentavam tomar vinho de garrafão em copo de plástico. Pensando bem, eu conseguia fazer as duas coisas e achar muito bom. E gostava de dançar que nem índio. Ah, e lá tinha um bom aparelho de som, com duas enormes caixas JBL. Na verdade, a geladeira e o aparelho de som eram os únicos eletrodomésticos que precisávamos. Não, tinha o liquidificador. É, o “Liqui”. Na casa desses dois, tinha um aparelho de liquidificar tão velho e tão gigantesco que nós batizamos ele de “Liqui”. Na verdade, eu, sozinho, batizei ele de “Liqui”. Era tão barulhento que, por pouco, muito pouco, o “Liqui” não se tornou também uma pessoa jurídica. Embora, olhando com calma, não haja uma relação estreita entre essas coisas. Aliás, no varejo e no atacado, não há relação alguma. Não importa.
O “Liqui” tinha sido meu presente para a dupla. Era uma reminiscência de um outro episódio envolvendo a minha enorme capacidade de me meter em encrencas. Eu conheci o “Liqui” numa outra festa, quando eu ainda ia para as festas em que os pais estavam presentes. Foi na festa da Ariane, uma ex-namorada do Cabeça. O pai dela, o Seu Fulano, nos levou para a cozinha e cismou de mostrar a coleção de cachaça dele para nós, que tínhamos acabado de tirar carteira de motorista. Na terceira dose, eu já estava como o peru na véspera de Natal. Glu?Glu? Quando eu olho para uma prateleira e vejo ele, o “loro” da casa. Um papagaio lindo, simpático, verde como as azeitonas.
_Dá o pé, “loro”? – e estiquei o dedo, na maior inocência e integração com a natureza.
A dor de uma bicada lancinante me trouxe de volta para a realidade por alguns segundos. Abri os olhos. Meninos, eu vi! Era um papagaio velho e com a maior cara de sacana do planeta. Cobri o bicho de petelecos, para horror da Ariene e do pai dela, que chamavam o bicho de “Bandite”. O nome era derivado dos círculos pretos em volta dos olhos malvados da criatura.
_Pois esse Bandido aí quase arrancou o meu dedo! – eu disse, encaixando um upper-peteleco no bico do bicho.
A Ariene, o Cabeça, e o pai da Ariene conseguiram me arrastar para fora da cozinha. O Cabeça me segurava, como se eu fosse um lutador de boxe, preso nas cordas depois de um golpe baixo do adversário. Eu era um cowboy ultrajado. Um herói exposto à kriptonita verde daquela ave maligna. Eu era o Kung Fu contra o “esmeraldino pássaro maquiavélico”. Respirei fundo. Fingi que estava calmo e arquitetei a minha vingança. Depois de uma meia hora, quando todos, menos eu, já haviam bebido e esquecido o episódio, entrei sorrateiramente na cozinha à procura do “loro”. O pequeno diabrete tinha cérebro. Parecia ter adivinhado que eu iria voltar. Estava no alto da prateleira. Meu dedo latejava. E eu tinha que agir rápido, antes que ele pedisse socorro.
(Continua)
Assinar:
Postar comentários (Atom)
4 comentários:
vixe... lembrei dos old eight's, das vernissages, de mentir pros pais que ia viajar e ficava na casa do namorado, da puta balada que foi meu casório, no apê cheio de esteiras, pufs e redes,das ombreiras nas ropupas, dos cabelos mullets, das calças bag... affe...
sei lá, mas acho que loro deve ter dado de 10 a zero.
Anna,
foi quase um empate, mas amanhã eu termino essa.
Boa tarde, Careca.
Pensei que não tivesse recebido minha pergunta.
Gostaria da sua autorização para reproduzir textos seus em nosso site (paiemae.com.br).
Ele caminha devagar porque é feito em família, e depende, em boa parte dos filhos.
De qualquer forma, se tiver algo relacionado ao assunto, que possa compartilhar, ficaremos felizes.
Obrigada pela atenção.
Suzana,
não consegui acessar o site.
Mas não posso dar uma autorização genérica. Vamos no um a um que é mais fácil. Gostou de um texto, escreva e me diga porque quer usar, se é exemplo do bem ou do mal. Assim seria legal porque uma vez eu fiz um anúncio de publicidade, sabe? Eu era o "antes". O outro cara, o "depois", era mais bonito e tinha cabelo. E é chato ser o "antes", o exemplo negativo.
:)
Postar um comentário