quinta-feira, 17 de abril de 2008

Só pode beijar quem quer ser beijado



Só pode beijar quem quer ser beijado. Essa é uma das regras da turma do meu filho, na escola alternativa. Muito boa, essa regra. Lá, as crianças são estimuladas a definir, elas mesmas, quais serão as regras que irão seguir dentro e fora da sala. É uma maneira de criar identidade de grupo, entre outras coisas pedagógicas que os professores explicam. Meu filho que bolou essa regra do beijo. Ele bola bem. Eu me embolo todo. Especialmente com as coisas da escola. Eu me sinto um outsider com os outsiders. Um esquisito entre os esquisitos. E com os convencionais, eu me sinto um estranho no ninho. Gozado. Coloco os meus filhos na escola alternativa, mas parece que sou que busco uma turma.
Brrrrtttt.
Não pode soltar pum na roda. Essa regra também é boa. Eu poderia ter bolado essa, faz bem o meu tipo. Mas foi um intelectual de cinco anos incompletos que sugeriu. Meu filho apoiou a sugestão do colega. Ninguém gosta de sentir esses cheiros de manhã. E a roda é a primeira atividade do dia. Todos os meninos e meninas vão chegando e entrando na roda. Ficam sentados em círculo, que nem índios. Os alternativos todos gostam muito de índio. Tirando o Último dos Moicanos, acho índio um saco. Peri, Aritana, Juruna, tudo chato. Até o Tonto. Eu sempre torci pro John Wayne. Em Dança com os Lobos, com o Kostner, torci para os lobos. Mas tudo bem. Os indiozinhos ficam na roda e contam o que aconteceu de interessante, uns pros outros. É legal. E não pode soltar pum.
Não pode xingar a mãe. É outra regra interessante. Está escrita num cartaz, pendurado na parede da sala do meu menino.
_Quem bolou essa? – eu pergunto.
E a professora aponta, orgulhosa, para um menino que está com o dedo enfiado no nariz. Muito enfiado. Cacilda, esse menino está com coceira no cérebro, não é possível!
_Jesus! Você quase cutucou o olho por dentro, hein, rapaz! – eu digo, sorrindo.
Ele me olha com superioridade e volta a esconder o dedo dentro do nariz. Como se vê, eu tenho muito jeito com crianças.
Só para mostrar que eu sou um adulto adepto de coisas adultas, eu finjo ignorar esse menino. E aí, quando a professora não está olhando eu faço a minha careta especial para o garoto. Aquela, em que eu enfio dedos no nariz, na boca e na beirada dos olhos e puxo tudo de uma vez, ao mesmo tempo em que coloco a língua para fora e mexo as orelhas. Rá! É preciso anos de treino para fazer essa careta, meu chapa!! E então ele retira o dedo do nariz, desanimado.
_E pode xingar o pai? – eu pergunto para a professora. Ela é baixinha, baixinha, essa professora. Pareço jogador de basquete perto dela.
_Não, não pode.
_E porque isso não está escrito?
_Não precisa. Se não pode xingar a mãe, não pode xingar o pai. Até quem tem quatro anos consegue perceber isso.
_Desculpe, mas tenho dez vezes isso em cada perna e ainda não consigo ler essas entrelinhas. Onde dá para perceber? – eu desafio.
E a baixinha percebe que é um desafio. Ela tratou de sacar depressa. Apontou para o menino do dedo no nariz.
_Bernardo? Pode xingar o pai? – as mãos na cintura, dona da situação.
_Não. Não pode xingar o pai – diz o Bernardo. E volta a enfiar o dedo no nariz.
A professorinha recoloca, com mais força, as mãos na cintura. Eu abaixo as minhas mãos. Reconheço a derrota. Às vezes sou mais teimoso que uma mula. Mas dessa vez, não. Então me despeço do meu filho, da professora e já estou com um pé fora da sala quando eu escuto o diálogo entre o meu primogênito e o Bernardo.
_Seu pai é um mala, hein? – disse o Bernardo.
_Mala é a sua mãe – disse o meu filho.
E, vai ver, no fundo, no fundo, os dois têm razão. Mesmo assim, não consigo conter um sorrisinho de vitória ao olhar de volta para a professorinha.

10 comentários:

Paulo Bono disse...

aqui na Bahia, pra inflamar uma briga, os guris gritam:
- pô, chamou a mãe de puta e o pai de corno!!!

abraço, careca

Anônimo disse...

Paulo,
se falar isso por aqui vira briga de faca!
Abraço,

Maína Junqueira disse...

xingar pai e mãe é encrenca na certa, em qualquer parte do mundo.
Eu aprendi outro dia com o amigo da minha filha que, entre os mulçumanos, xingar a avó é pior ainda. Bota briga de faca nisso...

Careca disse...

M.J., essa de xingar a avó eu nunca ouvi. Também, quando o xingamento chegava na mãe eu já estava no tapa há muito tempo...

Mwho disse...

Coceira no cérebro foi demais!
Acho que não colocar o dedo no nariz devia ser uma regra universal...

Careca disse...

Mwho,
pô, pensei que era uma regra universal. Junto com não pingue na beirada da tampa.

Anônimo disse...

não pode xingar blogueiro.

Careca disse...

Frankon,
não pode mas eu vivo xingando. Precisamos de um sindicato?

Anônimo disse...

Amei a regra do teu filho! Virei fã...

Careca disse...

Mawa,
eu sou suspeito pra falar, mas o menino manda bem à beça...

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