quinta-feira, 24 de abril de 2008
O jantador
Uma vez eu li um conto do John Cheever chamado “O Nadador”. O cara ia de piscina em piscina no bairro onde morava. Um barato. O final era triste, triste.
Como para nós, os que nascem e vivem abaixo dos trópicos, os sub-tropicais da humanidade, só nos resta a paródia de cabeça baixa, eu descobri que queria ser um jantador.
Não. Não dava para ser almoçador. Porque as pessoas já não estão mais voltando para almoçar em casa. Pode reparar. Alguns caras até dizem que vão. Mas aí, vai chegando perto da hora do almoço, esses caras ligam e falam assim: Benhê, sabe o quê que é? Pintou uma reunião de última hora, não vai dar, mas amanhã, ou melhor, na semana que vem...
Mentira. Besteira. É preguiça de enfrentar um trânsito pesado duas vezes, na ida e na volta. Ninguém merece. Também já tive isso. Então, para ser almoçador e filar o almoço dos outros seria preciso que as pessoas da família inteira, todos os integrantes, estivessem em casa. E também seria necessário que as pessoas presentes à refeição não saíssem em disparada depois de terminar o prato. O que também acontece muito.
Desse modo, não dá para ser almoçador porque eu seria um intruso no lar dos outros, na ausência dos donos da casa. É. E um careca bancando Cachinhos Dourados não pegaria nada bem. Não encontraria nenhum urso, pois as mulheres e as crianças também não estão mais em casa. As mulheres estão no trabalho. As crianças ficam revezando as atividades com uma empregada promovida a tutor, o dia inteiro. De manhã tem a escola, à tarde tem inglês, natação, capoeira, jiu-jitsu, artes plásticas, francês, xadrez e música. Aos sábados, equitação, golfe, aeromodelismo e kart, sei lá. As casas e os apartamentos ficam o dia inteiro só para as empregadas, ou ficam vazias.
Menos aqui em casa. Para começar, de empregada só tem a Rose, que trabalha feito uma doida o dia inteiro. O motorista e tutor das crianças sou eu, mas só tem natação duas vezes por semana. E o vídeo-game, que eu mesmo dou aulas grátis para eles. E sou eu também que fico com as crianças em todas as refeições. Por isso, de vez em quando eu gostaria de conversar em adultês enquanto como arroz e feijão. Ou pelo menos conversar com alguém sem pedir para a pessoa parar de colocar o dedo no nariz, ou coçar o pé, enquanto eu parto o bife. Por isso, à noite, uma vez por semana, eu bem que poderia fazer um tour de jantador pelo prédio. Ir de apê em apê na hora do jantar. Podia ser aqui no prédio onde eu moro.
Eu explico. Além dessa saudade de conversa de adulto durante a refeição, desde que eu parei de fumar, meu olfato vem se aprimorando. Cheiro cheiros que julguei não ser mais capaz de cheirar (parece verso de viciado em talco, né?). E de tarde, eu fico aqui, na varanda do apartamento. Leio. Estudo. Escrevo. Desenho. Fotografo. Filmo.Vai chegando a hora do jantar e os cheiros começam a aparecer mais fortes. No segundo andar, vai ter carne de panela hoje, na casa do Fritz. E esse cheiro de lasanha, só pode ser do quinto andar, onde moram aqueles tipos meio italianos. Quibe. Tem quibe ali, no sexto andar do Salim. E arroz e feijão, com bife acebolado. Hum. Esse é aqui em casa! A Rose capricha. Galinha caipira. Feijão tropeiro. Caramba! Todo dia é uma saraivada de cheiros de jantares deliciosos. Será que é só eu que reparo? E como durante a noitinha o barulhão de reforma (o prédio onde eu moro é um campeão de reforma, Jesus Cristo!) acaba, você escuta até o barulho de pão. Quer dizer, tem muita sopa e sanduíche também, mas eu gosto.
Então eu fico me imaginando fazendo visitas inesperadas aos vizinhos.
_Oií Rinaldo, e aí, hoje tem lasanha né? É claro que eu estou a fim. Obrigado pela gentileza. Tem parmesão ralado? Tem vinho? É bom esse aqui, hein? Sim, sei tudo de vinho. Vinho é feito de uva. Tem álcool à beça. Tem os bons e tem os ruins. Esse aqui é bom. O ruim vem em garrafão.
E aí eu como rapidinho, pois a galinha caipira não me sai da cabeça. E parto para outra.
_Alô, como vai? Cheguei na hora da galinha, né? Não se acanhe, nem precisa levantar. Posso sentar ali? Aqui está bom. Nossa, não comia dessa galinha caseira já tinha muitcho tempo. Tem malagueta? Sim, sei tudo de pimenta. É fruta, a pimenta. Tem as muito ardidas, tem as fracas e tem as cheirosas. Existem algumas variações e recombinações. Mas gosto de todas.
E aí eu partia para outro vizinho, depois de me despedir com agradecimentos profusos.
_Valeu demais, vizinho! Ó, quando quiser, é só aparecer lá em casa. Amanhã vai ter um rosbife genial que a Rose faz. É um cozido fatiado, com tomate, cebola e pimentão. Fica em salmoura na geladeira e vai muito bem com pão italiano. Aparece lá.
E aí vou lá para o Salim.
_E aí, Salim? Tudo enriba? Cara, senti o cheiro do quibe lá de casa. Tem chanclich também? Nossa, que banquete! E quibe cru, michuí,tahine, pão sírio e esfiha. Mel e mostarda. Pô Salim, só falta você servir um árak. Ave Maria! Quero mais sim, senhor! E mostarda escura, tem? Sei tudo de mostarda. Um grãozinho de nada e vira uma árvore do tamanho do baobá...
Acho que em um mês eu faço uma investigação culinária noturna no prédio inteiro. E é lógico que todo mundo vai ser muito simpático e receptivo. Não é não?
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27 comentários:
Ei Careca,
Se vc morar em BH pode ir almoçar lá em casa. Já que dedo no nariz e mão no pé, enquanto parte o bife, não te assusta.
Viemos morar perto do trabalho e fora o transito, almoçar em casa era o item mais importante.
Leve as crianças. Só não vai dar para conversar, haha
Valéria
na minha condição de gordo, foi uma tortura dos infernos ler esse texto.
nossa, quanta comida boa!
mas olha, eu mudei meu nome no meu blog, que nasceu a pouco tempo, porque tava complicado (por motivos diabéticos) ficar escrevendo "pão" toda vez.
adoro essas orgias gastronômicas, embora eu pague o preço caríssimo depois. não evolui ao estado "ajuizada". exagero só de vez em quando. minha ressaca não é mole, não.
abraço
Valéria,
estou em Brasília, senão iria mesmo. Aqui em casa tivemos que aprender as coisas de novo: café da manhã, almoço, lanche da tarde, jantar. Sem meninos, a gente havia esquecido tudo que era importante. A gente conversa bastante, mesmo com o pé na mesa.
um dia eu te mando uma goibada cascão ou uma rapadura maravilhosa da minha terra. será que queijo de cabacinha aguenta chegar aí? farinha de milho marelinha lá da roça...
quantos andares tem o prédio? mas ce tem cada idéia, hein!
Paulo,
o bom de ser gordo é que pode ganhar peso que ninguém repara.
meu marido relembrou como é sentar-se a mesa pra tomar café, almoçar e jantar quando se casou comigo. antes ele comia no sofá na frente da tv. nada demais, mas eu coloco sempre a mesa, mas na maior correria. naun tenho filhos, não. mas tento ter um pouco de rotina, senão a casa cai...já tive época de sair às 6:00 pro trabalho e voltar às 22:00 pra casa!
Uaissô, assim, grudado,
fica parecendo japonês, né?
Te cuida com a diabetes.
Abraço
Uaissô,
o prédio tem seis andares em quatro entradas. Tenho 47 vizinhos. Um abraço,
Careca,
A rotina das cidades grandes exigiria dias de 87 horas para viver com tanta poesia. Infelizmente, sou um daqueles escravos que não conseguem administrar as 24 horas e só conseguem ficar se lamuriando da própria incompetência...
E tem mais, os edifícios e as casas muradas impedem a dinâmica do bom jantador...
Quem sabe achatamos os edifícios, arrancamos as cercas das casas e esticamos os dias...
Foi mal...
Devo ter falado besteira...
Um abraço.
Mwho,
não falou besteira não. Eu também queria umas 87 horas. Um abração,
Nossa, eu nem tava pensando em comer não, mas depois desse post, acho melhor descer pra almoçar... Deu uma foooome...
Camila,
se alimente, se alimente...
fora de questão,mas...
daqui desse lado da cidade o céu tá azulzinho, típico de inverno, ventinho frio e o seu céu aí da varanda na capitar do país, como tá?
ah, hoje farei bolinhos de arroz pro jantar!!!o povo aqui adora.
Uai,
está com umas nuvens grandonas, mas o tempo está bom, agradável. O dia está claro, com sol brilhando forte. A brisa bate leve, não há nem uma chance de chuva. Até agora. Lá na linha do horizonte dá pra ver que está chovendo. O tempo agora está maluco na capital do país. A varanda é o melhor lugar da casa.
Uai,
bolinho de arroz está na minha lista de bolinhos prediletos e inadiáveis.
idéia sensacional, careca, vou contar pro zé. já eu queria ser uma banhadora. o banho aqui de casa é meio ruim.
uau, você tem horizonte daí da varanda! eu tenho uns prédios limitando o meu. mas o meu horizonte de vizinhos rende boas histórias!
Claro que ninguém vai se importar e você vai voltar pra casa com umas oito marmitinhas para o almoço do dia seguinte. E a Rosa vai poder descansar um pouco!
Grande idéia Careca!
Careca, o que significam esses "Anúncios Google" que ficam pululando no seu blog agora? Hein?
Franka,
banho é bacana também! Acho que fica para a sequência...
Uai,
coleciono por-do-sol...
M.J.,
bem pensado! Vou até economizar no supermercado!
M.J.,
os anúncios fazem parte daquele projeto "Ajude o Careca a tomar champagne em Paris". Eles pulam?
tem um filme desse conto!
Leila,
tem sim. Chama The Swimmer, com o Burt Lancaster. É de 1968.
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