sábado, 19 de abril de 2008

Agora ele só tem o dia 19 de abril



Conforme eu expliquei em outro post, sexta-feira é dia de vertical na escola alternativa das crianças. E vertical é quando todas as crianças, de dois a cinco anos, participam das mesmas brincadeiras juntas, das dez até o meio-dia. E ontem, como não poderia deixar de ser, o tema da vertical foi o índio. Porque hoje, sábado, é o dia do índio.
Eu não tenho a menor paciência com índio. Nem com escoteiro. É. Dizem que é preconceito. No sentido amplo, pode ser. Mas eu não acho. Eu chamo de instinto. Eu vejo qualquer ser humano e fico com um pé atrás. Eu não acredito no mito do bom selvagem. Não acho que todo homem nasce bom. Homem nasce. E aí, se não estudar, continua ignorante. Acontece muito com quem não usa tanga também. Nunca maltratei, saí do elevador ou mudei de calçada por causa de índio ou de outro ser humano qualquer. Mas tem algumas coisas na culinária, no vestuário e no beiçário deles que eu não experimentaria nem a golpes de borduna. Agora, com escoteiro é preconceito puro.
Naturalmente, todo mundo contribui para a vertical da melhor forma possível. Então, como todos os anos, um monte de gente resolve fantasiar os filhos de índio. E eu confesso que até pensei nisso, em botar os dois de tanga, mas fiquei com dó das crianças. Pô, não é porque estava com preguiça de pensar em índio que iria fantasiar os dois de Nhambiquaras. Outro monte de gente resolve levar alguma coisa de índio para a escola: colares, arcos, flechas, tacapes, lanças, pulseiras, beiçeiras, forte Apache, discos do Sting... Outro tantão de marmanjos improvisa um apetrecho de última hora, um cartaz, um folha A4 com um desenho de cocar, qualquer coisa. Mas eu não. Eu não tinha pensado em absolutamente nada. Acho que eu travo quando penso em índio. E para variar, enrolei até o último segundo da sexta-feira pela manhã, sem ter arrumado nadica de nadinha.
Cacilda! Deu sete horas da manhã de sexta-feira e nem uma sombra de idéia para a vertical tinha passado pela minha cabeça. E eu só tinha meia hora antes de sair de casa. Não se pode deixar passar a vertical em branco. Isso nem é possibilidade. É ruim para a educação das crianças. Faz elas pensarem que a gente não se importa com as brincadeiras delas. E eu me importo. Faz elas pensarem que a gente está deixando a educação só por conta da escola. O que nem sempre é verdade.
Pensando bem, as crianças não iriam pensar nisso nem aqui nem na China.
Então eu pensei em incrementar o grito de guerra. Mas não gosto de grito no ouvido e só daria para praticar dentro do carro. Pensei em pintar os dois para a guerra, mas isso daria um trabalho danado e até chegar na escola já teria saído tudo nas roupas. Pensei em arrumar um cocar, mas não dava mais tempo. Um tacape, uma colher de pau, um apito. Mas necas. Eu estava desarmadíssimo. Eu estava sem saída. Eu escutava Caetano nas minhas orelhas. “Virá, apaixonadamente como Peri, virá que eu vi”... Ele fazia um duelo com Renato Russo: “quem me dera ao menos uma vez, com a mais bela tribo, dos mais belos índios, não ser atacado por ser inocente”...E aí vinha outra, do cancioneiro popular “Índia, seus cabelos, índia seus cabelos...” E a minha cabeça parecia uma rádio fm em túnel perto de penitenciária.
Ao mesmo tempo, eu lembrava de uma história verdadeira de um cacique norte-americano. Era uma história que meu irmão tinha estampada numa camiseta de ir para a universidade. A carta-resposta de um cacique ao governo dos EUA. Ele agradecia a oferta do governo de vagas nas universidades, onde seus jovens bravos seriam treinados nas artes e ciências dos brancos. O cacique, teimoso e orgulhoso, recusava. E depois dizia, com ironia de índio, que tinha umas vagas nas aldeias e poderia receber alguns jovens brancos que quisessem se tornar Homens. Assim, com “H”. Acho que hoje meu irmão não usaria mais essa camiseta nem a golpes do gravador do Juruna . Incendiário aos vinte. Bombeiro aos quarenta. Pois é. E com isso, já era hora de sair de casa com as crianças. E agora?
Felizmente, a Patroa me salvou. Na véspera, ela já tinha cozinhado milho, descolado umas pamonhas e feito uns colares de madeira e sementes com os meninos. Ela ensaiou palavras em tupi e guarani, contou histórias de onça, pajelança e jabuti. Enfim, foi super didática e educativa. E eu nem tinha visto nada. Estava tudo nas mochilas. Mochilas. Mochilas. Coisa de índio, né não? Não gosto de mochila. Eu carrego tudo na mão. E eu achei dois apitos do ano passado dentro do carro. Chegamos na escola cantando:
_ÊÊÊÊ, índio quer apito, se não der pau vai comer...

10 comentários:

Anônimo disse...

pode acreditar, é um mico de época. pois é, eu já fui vestida de índia!!!até que não fiquei mal, não (só não peça pra ver foto). cabelinho liso, preto e franjinha (eu já era assim antes da farra do dia do índio no pré). minha irmã só nos deixou uma sainha, top e descalças!mas como nunca tive dom pra índia, não teve maiores conseqüências.
abraço

Careca disse...

PcomM,
eu também tenho uma foto de índio lá no Xingu. E o Aritana está do meu lado, lá no cenário onde filmaram Quarup. Mas não mostro essa foto nem se me pagarem em euro!
Abraço,

Paulo Bono disse...

eu não gosto de índio.
prefiro as índias.

Careca disse...

Paulo,
Índiaaa, a tua imagem, sempre comigo...

anna disse...

então, careca, sobre preconceito a cynthia, do cyn city,
falou outro dia que não se definia como preconceituosa com alguns tipos de pessoas que listou no post.
sentia-se pós-conceituosa.

interessante não?

Careca disse...

Anna, superinteressante. Preciso ver esse post para ter certeza, mas acho que sou um pré-pós-conceituoso. Ou seja, já coloco um pé atrás porque já vi o que sujeitos parecidos fizeram.

Mwho disse...

Gostei da sua sinceridade.
Falando a verdade, também não tenho a menor paciência com índio...

Denise Arcoverde disse...

Careca, seus posts sobre a escola alternativa dos filhos lembra a escola alternativa da minha filha.

Lá a "vertical" era toda segunda-feira de manhã cedo, antes de começarem as aulas, a criançada (umas 70) se reunia pra falar do finde e planejar a semana. Elas também construíam as regrinhas... bacana.

Botar minha filha lá foi a melhor coisa que fiz na vida, ela e todas as crianças da época dela, que agora estão na faixa dos 20 anos são pessoas muito especiais, antenadas, criativas. Eles têm até uma comunidade no Orkut, são os "peixinhos da ZAB".

Boa sorte aí!

Careca disse...

Mwho,
nem o Sting tem.

Careca disse...

Denise,
as crianças adoram a escola e também estamos gostando do andar da carruagem.
Boa sorte na sua luta também!

Frase do dia