quinta-feira, 10 de abril de 2008

O gógó trolóló da reunião de terça




Só agora parei para pensar no que aconteceu. Na terça-feira teve reunião na escola alternativa das crianças. Foi na sala da minha princesa de três anos, à noite. Quando cheguei à escola, os dois professores fumavam um cigarro do lado de fora. Olharam para mim com curiosidade. Ofereceram cigarro. Não aceitei. Desde que eu parei de fumar eu só gosto de sentir o cheiro de cigarro. Fiquei ali um pouco, aspirando, jogando conversa fora, abusando do gerúndio. Chamo isso de controle do vício. Seguro a vontade de fumar e fico ali. Devagar, aos poucos, eu deixo a vontade ir embora. Eles me contaram tudo o que estava acontecendo na sala da minha filha. Fiquei feliz em saber que ela não leva desaforo para casa. Mas nem pensar em por cigarro na boca. Um viciado é sempre um viciado - já dizia Bill Burroughs. Todo dia é mais um dia. Toda noite é mais uma noite.

Fui o segundo a chegar. Por um instante imaginei que seria o único pai no meio de umas dez mães, mas desencanei rapidinho. Em escola alternativa, a coisa é invertida. Os pais, os homens, é que vão. As mulheres são até minoria. A participação e freqüência, felizmente, são bem maiores do que nas reuniões de condomínio. São quinze crianças na sala da minha filha, sendo treze meninos e duas meninas. Uma delas é a minha princesa. Onze pais e mães apareceram. Contando comigo, doze adultos. Mais dois professores e a diretora de pedagogia. Quinze adultos na salinha amarela.

Na escola tem também a sala rosa, a sala salmão, a sala azul, a sala verde, a sala xadrez e o galpão, onde funciona a cantina, a secretaria e os banheiros dos adultos. Meu filho está agora na sala salmão, na turma do ciclo IV. Tem ainda árvores, muitas árvores, um parquinho, ou melhor, um parcão e um belo gramado.

A reunião parecia um encontro de personagens fugitivos de “Hair” em volta de mesinhas, com todos sentados em banquetas de madeira minúsculas. Só sobrou um banquinho. O único careca era eu. Isso e o meu ar sério e compenetrado sempre me conferem uma certa autoridade. Para reforçar essa impressão, eu faço cara de Gandhi malhador, como se eu fosse um filósofo lutador de jiu-jitsu. Além disso, é claro, dou vazão à minha estratégia de começar a falar sem parar, mas sem elevar a voz, até que a outra pessoa cale a boca. Aprendi essa tática em assembléias de estudantes. Chamo isso de “ganhar a palavra no go-gó”. É bem diferente de ganhar “no grito”. Nessa modalidade, o sujeito eleva a voz até alcançar um volume de decibéis audível até para Beethoven. No “go-gó” não, falar alto não vale. O importante é deixar o adversário com cara de bobo.

Não fui eu que comecei. Mas eu estava exercitando a minha tática “go-gó” em cima de um cabeludo de terno e gravata, com broche de partido político na lapela. O cara queria me convencer de que a ausência formal de proposta político-pedagógica da escola era negativa. E desde quando maluco põe coisa no papel, eu pensava. Para dizer a verdade, eu nem sabia porque o tema tinha surgido, eu só tinha perguntado as horas. Mas também não queria ouvir aquela arenga chata nem deixar parecer que ele tinha vencido um debate. Eu dizia para ele que não lamentava aquela ausência e que gostaria muito de jamais conhecer o projeto político-pedagógico que o inspirava. Em voz baixa, com calma. Não é que eu seja preconceituoso, mas quando alguns alternativos começam a falar sério eles costumam me tirar do sério. É um porre.

O cara só parou de falar porque eu, no meio da minha frase, cantarolei “Só danço samba, só danço samba, vai, vai, vai, vai”. A variante go-gó musical. Sempre funciona. Peguei o sujeito de surpresa.
_Hã? – ele titubeou.
_Pois então, vamos ouvir o relatório do professor – eu encerrei e passei a palavra para o jovem mestre.
_O grupo está unido. O grupo está forte. Tem muito mais meninos, mas as duas meninas estão se saindo bem. Elas sabem se defender. Está tudo bem. Voltem sempre.
Aí eu virei pro cabeludo e perguntei se ele tinha menino ou menina. Ele disse que era um menino. Aí eu virei para o jovem professor.
_É o filho dele que apanha da minha filha? – eu perguntei, apontando o cabeludo de terno com o polegar, para o professor.
_Também – respondeu, o jovem mestre.
_Eu vou falar com ela para maneirar – eu disse, para os dois, com um enorme sorriso no rosto.
Quando eu cheguei em casa, dei um beijão na minha menina de ouro. E agora que estou pensando direito, acho que vou colocar ela na capoeira.

13 comentários:

Mwho disse...

Mandou muito bem!!!

Careca disse...

Mwho,
go-gó é melhor do que kung fu!

Alessandra Castro disse...

Oh nossa vc escreve muito bem, com tiradas extremamente inteligentes. Situações cotidianas, transformadas em divertimento. Voltarei aki mais vezes. ;)

Careca disse...

Mary,
você só está sendo muito, muito coquete. Volte.
:)

Anônimo disse...

Careca,
Me divirto com a escola alternativa dos meninos; meu filho estuda em tradionalíssima escola católica (pq é mais perto de casa).
Imagino que no gogó seja no tom que for, ninguém deve de vencer!Pelo tamanho dos posts e pela capacidade de argumentação...
Imagino se for advogado?!
Sua menina tb/ bate bem? Um alívio, né. A minha tem que aprender a não bater na mamãe, papai, vós, em crianças maiores que ela e no irmão. penso em colocá-la no boxe mesmo.
Valéria

Suzana disse...

Olá, Careca

O pai e mae sofreu um ataque de hacker.
Quando voltar, aviso.
Obrigada

Suzana

Careca disse...

Valéria,
chuteboxe! E fala para a vovó comprar um par de luvas para ela!

Careca disse...

Suzana,
lamento. Aguardo o aviso.
:)

Tatiara Costa ; ) disse...

oi! Muito legal!
Abraço.

Careca disse...

Abraço.

Maína Junqueira disse...

Oi Careca. Que tipo de "alternativa" essa escola dos seus filhos oferece?
A minha filha também frequentou uma escola que tinha fama de 'alternativa'. O fato é que a escola dava cada dura nos pais principalmente quando eles queriam discutir o projeto pedagógico. Engraçado que por estar na categoria 'alternativa' faz com que os pais pensem que não há projeto nenhum...
Coisa de louco.

Hoje vou tirar férias, vou ler blogs o dia todo.

Paulo Bono disse...

genial.

Careca disse...

Paulo,
valeu.

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