Em "A Invenção da Solidão", Paul Auster escreve um longo capítulo que no final gira em torno de uma foto. Aparentemente é uma foto comum, que mostra a avó do escritor cercada pelos filhos e filhas. Uma daquelas crianças é o pai do escritor.
Subitamente, Auster chama a atenção para detalhes da foto que passam desapercebidos para quem olha com os olhos preguiçosos, de quem já viu muitas fotos de famílias do início do século vinte. E os comentários e observações obrigam você a recuar algumas páginas e olhar a foto novamente. Como o autor, você também se sente ridículo por não ter observado os detalhes significativos da foto. Os parágrafos de Auster revelam uma nova foto, muito mais importante. É uma peça-chave para a tarefa que o escritor se impõe de revelar a si mesmo na história que escreve sobre a vida de outros.
A maior qualidade de Paul Auster é sua capacidade de enfiar o dedo na ferida e rodar. Thomas Bernard também é um craque em sofrimento. Tibor Fischer também faz isso, ao mesmo tempo em que faz rir. E ninguém se compara ao Dostoiévsky. Mas Auster tem classe. E um distanciamento penoso. Paul Auster é fera, neném.
Como acontece todas as vezes que leio um livro envolvente, fico meio sorumbático. O dia passa depressa, quero mergulhar de novo na leitura quando chego do trabalho. Acho que sou um leitor, com L maiúsculo. Tenho ritmo e concentração. Sou incapaz de pular páginas. Presto atenção. Leio as dedicatórias. Sigo a ordem correta das páginas. Sou um consumidor de livros. Às vezes acho que sou tão bom em ler livros que deveria ser pago para isso. Mas aí me toco de que também adoro café.
Ler livros como A Invenção da Solidão reforçam a minha sensação de estar passando batido pelo que é realmente importante. Toda vez que leio Paul Auster acabo encurtando o meu sono. Acordo de madrugada. Acho que perco o meu tempo. Descubro negligências. Reforço a minha atenção para o que estou desatento.
Paul Auster me deixa deprimido, mas também reforça o moral. Em um momento do livro, Auster deixa bem claro que predomina no mundo a oração de São Francisco cantada por Darth Wader.
Quando uma pessoa se aproxima e fala "olha, não me agrada nem um pouco dizer isso", a verdade é que aquilo a agrada mais do que qualquer outra coisa. Quando alguém diz "desculpa qualquer coisa", ela na verdade não está se desculpando coisa nenhuma e ainda por cima vai te espezinhar. E quando alguém diz "pensei muito antes disso que vou dizer" pode sair correndo, que vem aí disparate ou agressão verbal pesada.
Fazer o contrário do discurso é mais comum do que se pensa. Mas não é uma regra. Na hora de discutir a relação, por exemplo, observe se a pessoa está vestida e não está emitindo sinais libidinosos.
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