quarta-feira, 3 de março de 2010
Uma ida ao aeroporto
Minha mulher me avisa que terá que acordar de madrugada para levar os pais ao aeroporto.
_Mas não se preocupe. Estarei de volta para ajudar a arrumar as crianças para ir pra escola – disse.
Eu não estava preocupado. Mas achei bom assim mesmo.
De madrugada, ela acorda quase sem fazer barulho e eu finjo que nem acordei. Mas na verdade eu já havia acordado antes. Ainda estou maluco com o fim do horário de verão. Às vezes acordo às três horas pensando que já são seis e volto a dormir. Aí acordo de meia em meia hora, o que não é muito bom. Bom mesmo é dormir até as oito e meia, nove horas. Especialmente se você for dormir à meia noite. Mas isso é impossível, então esqueço.
Mais tarde, com as crianças à mesa para o café da manhã, ela me conta o que aconteceu.
_Foi uma confusão. Cheguei às cinco e meia, como havia prometido. Eles já estavam saindo de casa, mas aquela gata da minha mãe, a Vic, fugiu. Ficamos tentando pegar o bicho, mas ela acabou indo para o quintal do vizinho. Foi um desespero porque minha mãe gosta muito daquela siamesa e não suportaria deixar o bicho fora de casa, sem teto e sem segurança. Nós chamamos, sem fazer muito barulho, para não incomodar o vizinho, mas nada adiantou. Então eu disse que voltaria depois para buscar a gata e colocar dentro de casa. Foi o único jeito, minha mãe aceitou. Finalmente saímos correndo para o aeroporto, com os dois bem nervosos. Deixei os meus pais no desembarque e voltei depressa para pegar a Vic. Quando finalmente consegui pegar aquela gata danada, vejo um táxi parar na frente da casa. Era o meu pai. Tinha esquecido a carteira com os documentos e as passagens.
_Caramba! E aí vocês correram para o aeroporto?
_Não, meu pai não quis que eu levasse. Já tinha combinado a corrida com o motorista do táxi.
Minha mulher tem uma rotina dura, que inclui aulas noturnas para os alunos de graduação na faculdade. Durante muitos anos eu trabalhei durante a noite e sei o quanto isso é difícil, especialmente se você também trabalha durante o dia. O corpo confunde os horários e você fica mais facilmente irritado. O sono se manifesta com mais força. Você tende a deixar frases pela metade, a fitar o vazio. Seu ritmo está em descompasso com o das outras pessoas, ou acelerado ou mais lento. Mas com a minha mulher não acontece nada disso. Ela mantém o foco.
E enquanto conversamos com as crianças, para saber das coisas pequenas que engrandecem a vida da gente, eu observo a minha mulher.
Às vezes eu tenho ilusões de grandeza, de que estou a trilhar um caminho aberto a golpes de facão, no peito e na raça. Mas sem minha mulher talvez não levantasse meus braços, não movesse os pés, quem sabe só ficasse sentado à beira da estrada. E nem é difícil para a minha vaidade admitir isso. O mais complicado é fazer com que esse reconhecimento não seja expresso apenas com os "eu te amos", abraços e carinhos, como cantavam as canções românticas da bossa nova. O mais complicado é mesmo fazer as coisas com o coração aberto, sem retórica, sem dizeres rebuscados. O mais difícil é abrir mão dos pequenos confortos, daquela coisinha besta que fere a suscetibilidade, que diminui o humor. Uma coisa como perder uma hora de sono sem muxoxo. De repetir um caminho, só para não deixar um gato fora de casa. De ser gentil e prestativo, mesmo quando não é nem um pouco e nem de longe absolutamente necessário.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
4 comentários:
Uau! Queria escrever mais, não consigo, Careca voce me deixou sem palavras...:D
Liliane, bem legal o seu blog, um abraço,:)
pô careca, vc ta muuuito apaixonado por sua mulher.
ai tem...
ou não...
abraço!
Anônimo, nem me considero dos mais românticos. Aqui tem, sim. Abç,
Postar um comentário