O sábado foi marcado pela cerimônia de troca de faixa do meu filho no judô. Ele conquistou a faixa cinza. Não falamos muito sobre o assunto “Faixa” durante esta semana, mas a troca era uma coisa esperada desde a virada do ano. Na verdade, a troca de faixa é uma coisa era ansiosamente desejada pelo meu primogênito desde que ele entrou no judô, no semestre passado. No final do ano, alguns dias depois que ele iniciou o esporte, houve uma cerimônia de troca de faixa na academia. Eu não vi. Foi minha mulher que me contou. Mas os olhos do menino brilharam durante aquela troca de faixa, especialmente quando um garoto do mesmo tamanho foi agraciado com uma faixa azul escuro.
Desde então, meu filho sonha com uma troca de faixa. A fantasia rola solta nessa hora, como nos desenhos da TV. Meu filho imagina que o mestre perceberá seu extraordinário poder judoca durante um exercício rotineiro, de rolar e bater o braço, e então deixará, discretamente, a faixa azul escuro sobre o seu quimono. Ou então, durante uma luta, uma faixa mágica azul escuro se amarrará sozinha em sua cintura e fará dele o campeão dos campeões. Ou ainda, depois de beber água durante um intervalo, a força do sensei da fonte secreta fará com que ele vença as lutas com todos os carinhas da academia, inclusive o sensei que, derrotado, lhe dá a faixa azul escuro. Por causa disso, azul escuro passa a ser a maior faixa do judô.
Eu também criei expectativa, é lógico. Na minha cabeça, imaginei a cerimônia com jeito de “Operação Dragão”, do Bruce Lee. Uma dezena de mestres e senseis faixas pretas em posição de ioguim, num dojo enorme, com uns trezentos judocas enfileirados e em posição de Karatê Kid, lutando como loucos. É lógico que foi bem diferente. Para começar, Bruce Lee nunca foi judoca. E o Karatê Kid era tudo, menos Kid. E a academia é pequenininha. Mas fomos todos, eu, minha filha, minha mulher e o campeão de sonhos judocas para a cerimônia.
Foi comovente. O mestre do judô é um jovem ex-campeão sul-americano chamado Gui, que é de uma humildade impressionante. O cara também é tímido à beça e não termina nenhuma das frases que articula. Ao invés disso, ele mexe os braços e olha para baixo, como se tivesse vergonha de concluir um assunto. Sozinho e desajeitado, ele tentava colar umas letras no espelho “Confraternização de Troca de Faixa”. Era uma frase enorme, mesmo para alguém com padrões diferentes do Mestre Gui. As letras de papel cartão laranja evidentemente não haviam sido recortadas por ele. Aquilo era bom demais para ser verdade. Aquilo era trabalho de mãe. Mestre Gui então foi socorrido por um monte de instrutoras da academia. Acho que o ex-campeão é solteiro e as moças devem sonhar em ser imobilizadas por ele em outros tatames. Elas fizeram um bom trabalho.
Com a máquina fotográfica, tirei um monte de fotos do meu filho fazendo poses de lutador de kung fu em frente ao espelho com as letras laranja. Num instante, um monte de pais e mães, avós, tios e sobrinhos lotaram a sala de judô da academia. O ar condicionado teve que ser colocado no máximo. Os meninos foram chamados para o tatame e organizados em fila. Todos tinham uma aparência muito séria e compenetrada, inclusive meu filho. Sem prática com discurso, Mestre Gui passou a palavra ao seu “sensei” e a outro convidado faixa-preta. Não guardei os nomes dos caras. Mas eram grandões, bem articulados. Os tipos falaram sobre as virtudes do judô, da formação de caráter, da organização do Estado, da cotação do dólar, das falhas do nosso sistema educacional, do nosso empresariado medíocre, da importância da luta contra a corrupção, televisão, quem merecia ganhar o Oscar, álcool, drogas, silicone, aborto e, como não poderia deixar de ser, do BBB. Foi um blá-blá-blá tão educativo quanto um jingle.Na minha cabeça, Bruce Lee , que nunca foi judoca, dava aqueles gritos agudos antes de aplicar sopapos no sensei grandalhão que discursava. Registrei alguns momentos com a máquina fotográfica.
Depois da peroração, Mestre Gui permitiu que as crianças brincassem um pouco. Busquei posições bem estratégicas para tirar fotos sensacionais. Em seguida, todos começaram a fazer exercícios de judô e a lutar. Mais fotos sensacionais.
Chegou, enfim, a hora da troca de faixa. As crianças estavam a mil por hora, mas o Mestre Gui, com a sua fantástica dicção, restabeleceu a ordem com um grunhido rouco, um pouco mais alto.
_Grrrrrruuuunnnnnt! – e todos os meninos e meninas se perfilaram com a postura mais correta desse mundo. Confesso que me deu uma inveja danada daquele grunhido. Aqui em casa de vez em quando eu berro e não adianta nada.
Quando começou a distribuição de faixas e diplomas, eu me preparei para tirar uma foto sensacional do meu filho vestido em seu quimono, com a nova faixa cinza. Mas só consegui tirar uma única foto, meio de longe, porque a bateria da máquina acabou na hora. Essas coisas vivem acontecendo.
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