segunda-feira, 15 de março de 2010

Meus kits no escritório

No meu cubículo, no escritório, eu tenho um kit de festa, que eu uso para espantar pensamentos tristes, de vez em quando. Também tenho um kit de voodoo, que é bem legal. Tem um boneco verde, moldável, e dois alfinetes de cabeça grande. De vez em quando espeto ele. Coloquei esse boneco verde dentro de uma caixa de papelão recortado e escrevi em cima: "Cela Especial". Chamo esse boneco de Arrudão. Fica sobre o HD.

Também tenho um kit de cócegas, uma garra para coçar as costas e um kit de espantar corujas. A garra de coçar as costas perdeu o indicador. O kit de espantar corujas eu nunca usei.Para completar, tenho um relógio de papel especialmente desenhado para marcar a hora da auto-sabotagem.

Os meus períodos de auto-sabotagem começam a diminuir os ciclos. Não sei dizer se isso é bom. Parece que sim. Tenho observado que tenho diminuído o tempo de intervalo entre as coisas que faço contra mim mesmo. Uma dessas coisas, talvez a principal, é a minha mania de postergar projetos.

As minhas postergações de projetos não diminuíram, mas começam a acontecer mais vezes, em espaços de tempo cada vez mais curtos. Espero que seja uma espécie de aceleração final antes da parada definitiva. Obviamente, sei que a postergação não acontece sozinha, mas às vezes é confortador imaginar que eu estou no meio de uma roda viva, sem muito controle sobre o que acontece.

Isso não é verdade, mas demorei muito tempo para descobrir. Ninguém, ou quase ninguém, é tão todo-poderoso sobre o que acontece consigo mesmo. Mas ninguém é totalmente zero à esquerda. Qualquer um pode exercer controle sobre o que faz para si mesmo. Aliás, de fato, essa busca de auto-controle deveria ser o meu principal projeto desde que me entendo por gente. Mas eu falhei miseravelmente com ele durante muitos anos. Falhei tanto que nem reconheci esse projeto como realmente importante. E talvez nem exista outro projeto.

Também parei de me auto-sabotar em reuniões de pais na escola. Eu sempre fui muito falante nessas reuniões. Já me emocionei. Também contei vantagens sobre os progressos do aprendizado dos meus filhos. Na época da escola alternativa bem alternativa cheguei a levar milho cozido e pipoca numa reunião. Gaguejei. Ri com as piadas de outros pais. Fiquei feliz pelos pais de outras crianças, que finalmente começavam a controlar a vontade de ir ao banheiro.

Mas hoje entrei mudo e saí calado da primeira reunião com a nova professora na escola alternativa nem tão alternativa do meu filho. Ouvi tudo com muita atenção. E aprendi algumas coisas interessantes sobre as técnicas de ensino da escola.

No meio da reunião uma das mães presentes disse uma coisa legal sobre falar demais. De como as crianças falam muito. E de como falamos mais ainda, pedindo para que nos ouçam.

_Gente, o silêncio é bom - ela disse.

Tenho que concordar com ela, pensei com meus botões. Mas não tive coragem de abrir a boca.

Nessas reuniões de pais na escola eles sempre projetam um monte de fotos das crianças fazendo mil atividades em poses bem bobocas, em flagrantes mal enquadrados, com uma musiquinha bem irritante. O tipo da coisa piegas que, na hora, faz o olho lacrimejar e dá cócegas no nariz. Felizmente, o projetor deu problema. Mesmo assim, quando cheguei ao escritório abri o kit para espantar corujas e soprei uma cornetinha. Não fez nenhum barulho.

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