sexta-feira, 6 de julho de 2012

Não cruze os dedos agora, por favor




Beethoven: "für Elise"

Não é só em mim. Eu também fico procurando personagens nas pessoas. Às vezes me pego olhando para um tipo qualquer tentando adivinhar o que ele está pensando, como foi o seu dia até aquele instante. A moça que errou o troco na padaria, por exemplo. Como será que ela fez para chegar no trabalho com a greve de ônibus? Ela se levantou a que horas? Percebi que ela se enganou e me deu o troco a mais. Mas não sorriu quando devolvi o excedente. Ela daria um bom personagem? Não, é claro, quem se importa com a moça do caixa da padaria? Ela não é bonita, nem nada. E nem sorri quando lhe devolvemos o troco errado. Seria preciso que algo extraordinário acontecesse à moça do caixa da padaria. Ou talvez algo já tivesse acontecido. Quem liga?

O moço que entrega o gás seria um bom personagem? Ele dirige uma espécie de mini-kombi, carrega seis botijões pequenos. Na frente do carrinho parece que só cabe o motorista. Um cd toca Pour Elise, de Beethoven. Meu filho disse que essa é a música que ele mais escutou na vida. Talvez seja verdade, os carros de gás passam todos os dias, diversas vezes ao dia. Todos tocam Pour Elise. Parece ser a música oficial do gás em Brasília. Os cachorros choram quando os carros de gás passam. O moço que entrega o gás grudou um imã de geladeira na caixa de correio do portão da minha casa. Todos os dias limpo a caixa de correio. Acho que vou começar a colecionar os imãs de geladeira das empresas que vendem gás onde eu moro.

Evolui lentamente o projeto do recamier. Já consegui os pés do móvel, mas ainda falta muita lixação e perfuração. Decidi colocar uma barra roscada para unir as ripas do móvel. Serão necessários trinta e seis furos de 10 mm. Hoje, depois de uma hora ininterrupta de trabalho, conseguir fazer a metade.

Depois eu pensei um pouco e cheguei a uma questão importante: quem se importa com o que acontece comigo? Provavelmente umas cinco ou seis pessoas. Contando comigo, é claro. E mais tarde é que cheguei a uma pergunta também muito importante: quem eu gostaria que se importasse com o que acontece comigo?

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