quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Um tipo de mágica



Ela é a estrelinha da reunião de família. Com a ausência da prima, ela é a única menina entre tantos meninos. Ela tem quatro anos. Portanto, ela faz o que quer. E ela interrompe as conversas dos adultos e se aproxima para ser o centro das atenções.

_Tio, eu vou fazer uma mágica. Vou fazer o urso sumir – diz a minha filha, feliz da vida.
_Ah, não, eu du-vi-do – diz o meu irmão, pronto para entrar na brincadeira.

E com um cobertor de boneca ela esconde um urso de pelúcia pela metade.

_Abracadabra, pé-de-cabra, quando eu contar até três vou fazer esse urso sumir. Três - e com uma mandinga rápida, ela aponta para o teto e esconde o urso atrás das costas. Com a outra mão, balança o pequeno cobertor.
_Ué, cadê o urso? – brinca meu irmão.
_Ele sumiu, foi pro Japão – diz a menina.
_Traz ele de volta – pede o tio.
E ela balança a cabeça, negativa e poderosa. Ela faz isso uma porção de vezes.

_Eu também sou mágico, sabia? Sei ler pensamentos – afirma o tio. E com a mão espalmada, como se sentisse as vibrações cósmicas de emanações cerebrais, ele finge capturar pedaços de coisas pensadas.
_Eu estou lendo, oh, eu estou lendo... tudo o que você pensou hoje de manhã, bem cedo. Você acordou, tomou a mamadeira, hum, que gostosa essa mamadeira de leite, hum, você pensou. Hum, vou escovar os dentes, hum, que linda essa minha escova de dentes cor-de-rosa, você pensou. E depois você pensou em trocar de roupa e escolheu um... deixe eu olhar direito esse pensamento, você escolheu um... vestido, sim, eu posso ver, um vestido lindo.

Os olhos da minha menina brilham milhares de sorrisos. Ela se delicia. E está pronta para a próxima.

_Além de ler pensamentos, eu também sou mágico de fazer gente sumir e desaparecer. Quer ver? – pergunta o meu irmão.
_Ah, não – eu brinco. Nada de fazer gente sumir. A última vez que você fez isso, a tia É foi para os Estados Unidos. Está lá até hoje.
_É, é uma mágica forte. A Tia É aproveitou para ir visitar as irmãs, nos States. Às vezes as pessoas desaparecem para muito longe e não se consegue encontrar o caminho de volta. Por isso, é preciso coragem para brincar essa mágica. Se não tiver coragem, é muito arriscado. Pode ser perigoso. Você tem coragem? – ele pergunta para a minha filha.

E eu quase posso ver ela esconder os seus medos de criança, rapidamente. É valente, a minha filha. E também não quer ficar de fora dessa brincadeira. Ele faz como ela fez com o urso. O tio a coloca no colo e cobre a sua cabeça com o pequeno cobertor.
_Sinsalabim, hocus pocus, berimbau, berimbês! Faz essa menina desaparecer no três! Um, dois e três! – e puxou o cobertor de boneca, que era menor que um lenço.

Todos nós, na roda de adultos, arregalamos os olhos para a menina no colo do tio. Todos nós fingimos que ela havia desaparecido.

-Oh, ah, nossa! Cadê a princesa? Puxa vida, traz ela de volta! – e ela mal conseguia esconder a vontade de gargalhar, os olhos brilhantes percebendo que todos também fingiam e brincavam. Não tem coisa mais gostosa que brincar e ver os outros brincando com a gente.
_Hocus, pocus, John Travolta, ABC, traz a menina de volta, faz a menina aparecer! – meu irmão é muito ruim com rimas. Mas parece ser bom de mágica. Ele cobre a cabeça da minha filha com o cobertorzinho e o retira, apressado.
_Oh, ah, nossa! Onde você estava princesinha? – nós dizemos, admirados.
_Na praia, lá na casa do Sam – ela responde. E a casa fica lá na Bahia, em Lauro de Freitas, uma casa linda, na beira da praia. As pedras formam piscinas rasas, onde é possível passar a manhã inteira brincando de enfrentar o mar com areia. Bem que dá vontade de sumir para lá.

4 comentários:

Rodrigo Carreiro disse...

E tudo acaba numa praia da bahia hahahaha
Sua filha é uma figura!!!

Careca disse...

Rodrigo, tinha que ser na Bahia mesmo. Ela é mesmo uma princesa linda!

Anônimo disse...

é delicioso entrar na brincadeira das crianças!
gosto muito dos seus posts, careca.
abraço,
nina

Careca disse...

Nina, valeu, venha para essa Kombi de leitores você também!

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