sábado, 4 de outubro de 2008

Sobre monstros



Uma boa parte da minha vida eu tive medo de monstros. Não eram monstros à toa, desses de filme japonês. Meus monstros de infância eram monstros pessoas. Não eram mortos vivos comedores de cérebro, nem múmias, nem vampiros, nem frankensteins, nem lobisomens, nem nada que eu já tivesse visto em filmes, nos quadrinhos ou nas ilustrações dos livros.

Os monstros que me assombravam eram sempre pessoas comuns, um vizinho que eu achava assustador, uma balconista da padaria que uma vez me tratou muito mal. Quando se é menino, os monstros podem ser qualquer adulto misterioso e de aparência cruel que cruze o nosso caminho infantil. Mas os piores monstros são os outros meninos, os que são mais cruéis do que todos os outros meninos com quem você convive.

No meu tempo de menino, o mais cruel de todos os meninos se chamava Dídio, corruptela de Gígio, que vem de Gilberto. Era filho de um veterinário, um coroa legal. Tinha outros dois irmãos e uma irmã. O irmão mais novo, Alexandre, era gordinho, tinha o apelido de Pig e costumava andar mais comigo e os outros meninos com quem eu andava. Dídio era um pouco mais velho, adolescente de 13 anos. Era cruel conosco, os meninos que estavam na faixa dos dez anos.

Dídio era estupidamente forte para a idade. Era branquelo e sardento. Ruivo. Braços de Popeye. Tinha a agilidade dos lutadores de kung fu e era um especialista em humilhações públicas. Era um campeão em insultar quem quer ousasse dar a impressão de ter tido a intenção de desrespeitá-lo. Ninguém queria se meter com o Dídio. E isso era pior, pois ele precisava manter a fama de mau. Estava sempre nos desafiando. E os meninos, bobos como éramos, não conseguiam arrumar um jeito de desviar dos desafios lançados por ele.

O Dídio falava coisas assim:
_Duvido você conseguir ficar em um só pé, durante dez minutos, naquele canto de calçada.
E o menino bocó ia lá e ficava nove minutos e trinta segundo num pé só. Quando faltava apenas dez segundos o Dídio ia lá e passava uma rasteira no sujeito.

_Duvido alguém conseguir andar em cima daquela linha até o outro lado da rua.
E alguém ia andando até lá até perceber que o Dídio estava vindo atrás, correndo com uma mangueira de borracha girando como uma hélice de helicóptero. Vump, vump,vump.

_Podem vir dois disputar queda de braço comigo, um em cada braço, que eu ganho.
E dois aventureiros se apresentavam e o Dídio ganhava dos dois num piscar de olhos, quase quebrando os braços dos meninos.

Teve muitas antes dessa, mas essa marcou a meninada. Eu lembro de ouvir um braço estalar. Depois disso, nós ficamos mais espertos. Ninguém queria ser voluntário para os desafios do Dídio. Mas não durou uma semana.

_Meninos, façam fila para levar cascudo. Quem não entrar na fila vai ter que disputar queda-de-braço comigo.

Dídio foi um dos maiores monstros da minha infância. Outro dia vi um sujeito na rua, que só poderia ser ele. Sardento, branquelo, ruivo, braços de Popeye. Parecia normal, um cidadão comum. Rezei para que um cofre caísse sobre sua cabeça.

5 comentários:

Anônimo disse...

Inicio esse depoimento com a seguinte explicação: sou uma pessoa "calma". No primário, existiam brincadeiras bestas, cruéis, e vítimas predestinadas a esse posto de saco de pancadas. Eu só ficava de lado observando. Não gostava nem de chegar perto. Eu ficava muito na minha. Até que um dia, alguém (um menino um pouco maior que eu, o que não era dificil de achar!) teve a infeliz idéia de mexer com minha irmã e comigo. Resultado: não briguei,mas nós e ele fomos pra sala da diretora, ele com o nariz sangrando e um olho que no outro dia ficou roxíssimo!!Não gosto de confusão. Foi uma questão de segundos pra que eu só mirasse o rostinho dele. Anos depois, ele se tornou amigo da minha irmã. Mas nunca mais olhou na minha cara até que eu o reconheci numa loja lá na cidade. Somos quase da mesma idade, mas ele é totalmente da paz, gente fina hoje em dia...rs.
"calma" = tô quieta, me deixa quieta, não mexe comigo!...risos
abração, Careca

Careca disse...

Uai, também sou do tipo "calmo". Só não gosto quando dizem "Fique calmo". Aliás, não existe nada melhor para deixar um ser humano nervoso. Abração,

Anônimo disse...

Ah, eu queria saber quem foi o "iluminado" que disse que a infância é a melhor fase da nossa vida? Deve ser o mesmo ser que queimou sutiã em praça pública e me faz ter jornada quádrupla agora! Abraços!

Careca disse...

Janaína, jornada quádrupla dá direito a quantos décimos terceiros?:)

Anônimo disse...

Careca, nenhum décimo terceiro além do que a repartição já paga. Na faculdade, que eu faço pra trabalhar melhor e continuar com o salário da repartição, não tem décimo terceiro. Na academia, que eu faço para manter o corpo, mente e saúde em dia, também não tem. Minha família e cachorras também não me pagam o décimo. Perceba que eu só tenho de ir pra faculdade e pra academia porque alguém queimou sutiã e disse "vamos trabalhar fora, mulherada". Resultado: no trabalho, me estresso, como mal, engordo, preciso competir... Então, preciso das outras coisas. E dá-lhe faculdade, dá-lhe academia, dá-lhe falta de energia, de tempo, de saco. E de décimo terceiro. Maldita criatura essa que queimou sutiã, maldita!!! Abraços!

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