terça-feira, 25 de novembro de 2008

Nota dez com estrelinha



Outro dia, conversando depois do almoço, nós nos lembramos das velhas redações da Escola Reunida da Divina Providência e Grupo Escolar Frei André Quinn (Seria um primo daquele Quinn que fez Zorba, o Grego?). O cabeçalho da velha escola, que tínhamos que preencher na folha de papel almaço da redação, já era um senhor exercício de escrita. Tinha sete linhas, sendo a última para o nome e série. As redações eram quase sempre com os mesmos temas monótonos, que não mudavam de ano para ano e nem de série para série.

Não importava se você estudava na primeira ou na quinta série, os temas faziam o acompanhamento do calendário. Era uma coisa assim: Carnaval, Semana Santa, Páscoa, Tiradentes, Trabalho, Escravos, Mães, Corpus Christi, Pais, Sete de Setembro, Crianças, Mortos e Natal. Meus irmãos mais velhos brincavam comigo. Diziam que poderiam emprestar a redação deles para que eu copiasse. E eles sempre tiravam dez. Eu não topava. Aprendi a escrever porque queria ser como os dois mais velhos, capaz de encher folhas e mais folhas com frases da minha cabeça.

Invariavelmente, depois das férias o tema da redação era “Minhas férias”. E eles brincavam dizendo que era a mesma redação do meio do ano. Bastava ler dezembro ao invés de julho que era a mesma coisa. Subi na árvore, brinquei no rio, joguei bola e encontrei os primos. E era mais ou menos assim, a redação que eu fazia, padronizada, sem erros de ortografia e gramática, mas sem maiores atrativos. Sem graça, sem ritmo, sem alegria e sem entusiasmo nenhum. Acho que a freira que pedia a redação nem prestava atenção.

Mas eram bem mais que isso, aquelas férias. Eram dias em que eu me ocupava em não fazer nada com o máximo de empenho, aproveitando cada segundo disponível para brincar. E quando não dava, por causa da chuva ou de uma coisa qualquer, eu sempre poderia ver o que a mãe estava preparando na cozinha, ou na máquina de costura. De vez em quando eu subia até um espaço que havia embaixo da caixa dágua. Sentado ali, eu via os quintais dos vizinhos, os telhados. Havia um cachorro, eu acho. Ianque, o fila manso que vigiava a casa. E, lá de cima, eu ficava treinando a pontaria com o estilingue. Era até bom com as mamonas. E havia também a fantasia desvairada dos gibis do Tarzan e do Batman, da Ebal. E os livros, é claro. Ia até a biblioteca do meu pai e começava um dos 40 livros da coleção Grandes Romances Universais, ou um volume novo dos livros do Lobato.

Aconteciam milhares de coisas nas férias. Fazíamos pescarias. Excursões e caçadas. Descidas de rio. Explorações de matagais e ruínas. Ovos de tartaruga na praia do rio. Futebol. Xadrez. Polícia e ladrão. Peão, bolas de gude, finca. Futebol de botão. E coisas menos inocentes. Saídas para apertar campainhas dos outros e sair correndo. Latas d’água equilibradas sobre portas. Latas amarradas em rabos de gato, em pernas de urubus. Corridas de bicicleta e tombos provocados. Guerras de barro. Guerras de mamonas. Espiadas em banheiros. Furtos de frutas nos quintais alheios.

Mas para mim, aqueles zilhões de acontecimentos não eram dignos de nota, não valiam a pena ser registrados ou não poderiam ser confessados. Eram coisas de menino. Não eram coisas para se escrever. Então, na redação da volta às aulas, eu suava para produzir uns dois ou três parágrafos fajutos sobre as férias. Que não diziam nada. Subi na árvore, brinquei no rio, joguei bola e encontrei um monte de primos. E a professora, preguiçosa, me dava um dez. E ainda colava uma estrelinha de prata, cheia de purpurina, debaixo da nota em letra azul. Eu ficava todo bobo.
_Ganhei dez com estrelinha! - eu me gabava para os meus irmãos.
_Rá!"Minhas Férias" é mole! Quero ver com os "Mortos"! - dizia o meu irmão.
_Rá!Quero ver "Corpus Christi"! - dizia a minha irmã.
E era fogo. Com essas duas eu nunca ganhei estrelinha.

9 comentários:

franka disse...

o meu blog tem estrelinha pras minhas redações, kareka.

anna disse...

que nem mãe, escola da nossa época só mudava de endereço.

sabe o que me arrepia toda vez que me lembro? aqueles trabalhos de geografia, geralemnet feitos em grupo, quando usava-se isopor.
tinha horror do barulho quando estava sendo cortado ou manipulado.

Paulo Bono disse...

Careca, sempre fui uma merda em redação. e sempre achei um saco escrever sobre "minhas férias". mas vou dizer uma coisa, eu era craque em botão.

abraço

Careca disse...

Franka, tem mesmo, e eu sempre dou um monte de estrelinhas para você.

Careca disse...

Anna, viche, estou arrepiado só de pensar. Não gosto de isopor até hoje.

Careca disse...

Bono, não seja modesto quanto às redações. E também não exagere a craqueza nos botões. Abç,

franka disse...

obrigada kareka.

Sunflower disse...

Estou fazendo um curso de redação e quando pego a folha branca travo.

Vou escrever sobre isso, essa semana talvez, e dedico a ti.

beijas

Careca disse...

Sunflower, oba, adoro dedicatórias.

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