sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Graminha

Graminha
Se baixa umidade fosse sinal de nobreza essa cidade seria majestade. A secura é uma presença constante da paisagem local. É preciso tomar cuidado para que ela também não penetre na alma. Mas isso é outra história. A que eu quero contar é sobre os profissionais que defendiam os gramados e mudas de árvores das áreas verdes de Brasília. Nós os chamávamos de “Graminhas”. Os Graminhas eram os caras que trabalhavam para o Departamento de Parques e Jardins - DPJ. Possuíam o poder de remover e apreender as bolas, pelotas e outros objetos e materiais que estivessem sendo utilizados para prejudicar os gramados e plantas ornamentais da cidade. Eles eram os defensores do verde ainda hoje difícil de manter da capital brasileira. Mas para nós eram sujeitos desalmados, que atrapalhavam o desenvolvimento do nosso futebol.
É preciso fazer um esclarecimento sobre a época. O futebol era o maior esporte nacional. A seleção só tinha jogadores que jogavam em clubes brasileiros. E os nomes dos craques até hoje quase todos nós sabemos de cor: goleiros, Félix (Fluminense), Leão (Palmeiras) e Ado (Corinthians); zagueiros, Carlos Alberto, Joel (ambos do Santos), Brito (Flamengo), Piazza, Fontana (ambos do Cruzeiro), Everaldo (Grêmio), Zé Maria (Corinthians), Baldocchi (Palmeiras) e Marco Antônio (Fluminense); meio-campistas, Clodoaldo (Santos), Gérson (São Paulo) e Rivelino (Corinthians); atacantes, Jairzinho, Paulo Cesar Lima, Roberto (todos do Botafogo), Tostão (Cruzeiro), Pelé, Edu (ambos do Santos) e Dario (Atlético Mineiro).
Esses craques fizeram com que, durante a década de setenta e até meados da década de oitenta, em todo o país, os meninos da minha idade, os mocinhos, os rapazes, os velhos e qualquer pessoa que fizesse xixi em pé só pensasse em futebol. E nessa cidade, futebol e Graminha estavam associados. Onde houvesse um pedaço de terra, havia grama, mudas de árvores e meninos querendo aproveitar aquele espaço para jogar futebol. Invariavelmente, as mudas que restavam numa área mais ou menos quadrangular estavam servindo de traves para os gols. A secura transformava a grama em pedaços de palha seca sobre a terra vermelha esturricada. Depois de uma hora com dez meninos correndo por cima, sobrava pouca coisa para se chamar de gramado. Por isso, os homens do DPJ e os porteiros dos edifícios onde morávamos formavam uma extensa rede de informações para evitar o prejuízo. A área estragada teria que ser replantada, pois sempre havia um militar ou amigo de militar fazendo pressão sobre o DPJ e seus funcionários. Portanto, para não ter que fazer tudo de novo e também para evitar o saco cheio, esses homens corriam atrás de nós e das nossas bolas. O que me obriga a fazer um novo parêntese.
Naquele tempo, meus caros, aprendíamos desde cedo a engolir sapos. Para começar, bola e dólar não davam em árvores. Poucas crianças possuíam uma bola de cobertão oficial. Quem tinha, não emprestava. Uma bola significava presença garantida no time e nas partidas, independentemente da qualidade do seu futebol. Os donos da bola eram orgulhosos e imponentes. Eram meninos de quem sabíamos até os sobrenomes. Eram malas sem alça que tratavam as bolas com o melhor sebo que pudessem conseguir de graça no açougue. Mas eram invejados e bajulados. Eram chatos metidos a besta. É que sem a bola, não há como jogar futebol. Devido a esse fato intransponível, o dono da bola era o ser humano imprestável que tínhamos que aturar para brincar como Pelé e Rivelino. E nós aturávamos.
Isso posto e bem colocado, posso voltar aos Graminhas. Eles apareciam em kombis. (Ah, não, Kombi você sabe o que é!) Onde eu morava, havia um esplêndido gramado, circundado por vários edifícios. Bastava um mero chute na bola para que, em 120 segundos dezenas de meninos saíssem das janelas e aparecessem para uma partida. As escalações eram rigorosas. Os capitães eram craques respeitados pela habilidade e capacidade de liderança. O mundo funcionava de acordo com as regras perfeitas do mérito. Não havia espaço nem lugar para nada errado, a não ser, é claro, para o dono da bola.

3 comentários:

Maína Junqueira disse...

Os gramados de Brasília não são de plástico???

Careca disse...

M.J. os gramados eram de plástico.Mas fraudaram uma licitação e conseguiram plantar grama de verdade, importada do Nepal. O único problema é que precisamos de mais cinzas de políticos para que a grama fique sempre verde. Solicitamos colaborações de todos os estados...

Think Different ! disse...

Ola gostaria de saber se tem mais historias pra contar dos graminhas.
Grata
se possível responder por email kah___182@hotmail.com

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