Jô é um apelido danado de comum. Mas Sumbrái eu sou capaz de apostar que a maioria de vocês nunca nem ouviu falar. Pois é corruptela de Sombrancelha. Quando eu era menino, um dos amigos era chamado de Sumbrái por causa das enormes sobrancelhas. Nem sei se a palavra existe. Havia uma infinidade de apelidos grotescos naquela rapaziada. O Pig, o Porrinha, o Xexéu, o Murrinha, o Bú, o Gasparzinho e o Olhos Azuis.
Os dois últimos, nem preciso dizer, eram negros de carapinha apelidados pelo nosso racismo (mais monetário do que de cor e credo). Aliás, os apelidos eram a mais pura demonstração disso. Alguns dos brancos, mais endinheirados, ganhavam os apelidos dos heróis dos seriados da TV: Kowalsky, Capitão Lee, Spock, Magnum e Mcgáiver. Se usassem óculos e fossem franzinos, como eu, sobravam os nomes de desenhos animados: Formiga Atômica, Mr. Magoo, BatFino, - “Minhas asas são como uma couraça de aço!”.
Se fossem mais fortinhos : Maguila, Falcão Azul, Falcon... etc. Mas poucos apelidos pegavam. De todos esses que já falei, os mais extraordinários eram Sumbrái, Zezinho e Bu.
Sumbrái eu já expliquei. Zezinho era o irmão mais novo da menina mais bonita da quadra, a Mônica. Essa menina de longos cabelos encaracolados, além de ter peitos, era carioca, falava como carioca e gostava de andar de bicicleta. Ela possuía uma bicicleta de 10 marchas, verde-limão, com guidão de corrida. Isso forçava a postura inclinada, o que favorecia a observação do decote e do cofrinho.
O forte calor, a secura e os hormônios faziam o resto. Íamos aos bandos chamar o Zezinho para andar de bicicleta. Falávamos todos ao mesmo tempo no interfone: “Alô Zezinho, desce aí, vamos dar um rolé de camelo...”. Nesse tempo, bicicleta era camelo e camelo só existia no zoológico. Não era como é hoje nas praias do Nordeste. Com sorte, a Mônica descia também para andar com a gente. Com muita sorte, ela chamava as amigas BBGs (Boa, Bonita e Gostosa) dela. E muitas vezes dávamos muita sorte.
Sempre tivemos enorme respeito pela irmã do Zezinho e pelo Zezinho. E isso só fez aumentar depois que ela arrumou um namorado. O sujeito tinha fama de lutar uma capoeira violenta. Certo dia, só para demonstração, ele derrubou uns quatro ou cinco de nós com uma única rasteira. O sucesso da demonstração foi tão grande que o bando diminuiu para 3 gatos pingados assíduos, que ainda insistiam em tentar brechar a irmã do Zezinho mesmo depois do aviso rasteiro.
Eu, Jô e o Sumbrái mantínhamos a expectativa. Depois comparávamos as impressões. Você viu o que eu vi? Vi, e vi mais ainda, viu também? Se vi. Vi muito e muitíssimo, que isso não aparece nem em revista.
- Do que é que vocês estão falando aí?, perguntava o Zezinho.
- Nada, não. É só um filme que passou ontem na Tupi.
E na verdade era tudo exagero, porque não dava para ver muita coisa mesmo. E acho que se tivéssemos mesmo visto alguma coisa não insistiríamos tanto em ver se conseguíamos ver.
Um dia estávamos andando perto do Zezinho e sua irmã, que conversavam. O Sumbrái esticou o ouvido, sorriu e perguntou se estavam falando dele.
-Quê isso, Sumbrái? Ninguém falou seu nome.
_ Mas ouvi alguém falar Maurício, e meu nome é Maurício.
- O meu também é , disse Zezinho.
_Péra lá, eu disse. Zezinho, seu nome não é José?
-Não, meu nome é Maurício. Mas até em casa todo mundo só me chama pelo apelido de Zezinho.
_ Lá em casa também, disse o Maurício, todo mundo só me chama de Sumbrái.
_ E Jô, como é seu nome?
_Gerônimo. Mas lá em casa só me chamam de José Carlos, que era para ter sido o meu nome.
_Putzgrila!, eu disse, a cabeça girando com os nomes e apelidos de todos os conhecidos. E alguém aí sabe qual é o nome do Bú?
_ É Marco Aurélio, disse, para minha surpresa, a Mônica.
_ E por que Bú?
_ Bom, o apelido é antigo, do tempo em que ninguém da quadra tinha cabelo nas pernas, continuou Mônica.O Marco Aurélio foi o primeiro a ter. Era tão bonitinho que eu e as meninas começamos a chamar ele de Bú. Mas foi a Laura quem botou o apelido de Bú.
_Bú, de urubu? De buraco? De búzios? De buriti?
_Não, as perninhas cabeludas dele pareciam com outra coisa. Você sabe, aquilo de mulher.
E no meio do sorriso da Mônica e entre um olhar maroto para o púbis, um rubor apareceu em todos os rostos. Eu, Sumbrái, Zezinho e Jô compreendemos. E desde aquele dia, passamos a infernizar o Bú como ninguém.
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