terça-feira, 30 de outubro de 2007

Pesadelos idiossincráticos



Sou um leitor compulsivo. Leio tudo que minhas mãos conseguem alcançar e colocar diante dos meus olhos. Especialmente quando me tranco no banheiro e as crianças não podem interromper. O universo de leitura vai de livros até brochuras com informações detalhadas sobre as formas de pagamento de um bloquete de cobrança bancária. É lógico que isso teria que provocar algum tipo de problema. E o calor que vem fazendo também só poderia aumentar as conseqüências.
Para resumir, embora ainda esteja no segundo parágrafo, tenho tido pesadelos estranhos, muito idiossincráticos. Sou atacado por expressões idiomáticas, sejam elas ninfetas ou maduras, vestidas em trajes de gala ou com indumentárias típicas, estereotipadas. Pequenas palavras estrangeiras também estão se organizando para me apavorar. Sozinhas ou em gangues, elas se aproveitam do meu estado de nervos e me ameaçam. Sou uma vítima constante de galicismos e anglicismos. As palavras e até expressões aparecem uniformizadas, em negrito itálico, ou vestidas de aspas sumárias, mas equipadas com o que existe de melhor em tecnologia armamentista.
Numa madrugada dessas, uma “Uh-lá-lá” tentou me obrigar a fazer alguma coisa que não consegui descobrir o que era depois de dançar o “Can-Can” em minhas sobrancelhas. Levou uma tapona de uma “Bad Girl” que decidiu que o melhor era me congelar com um raio cósmico. Ela também estava armada de mísseis “Exocet” e certamente teria alcançado seus objetivos se uma ambígua “Bah!Tri-legal, tchê!” não viesse em meu socorro. Acho lindas as mulheres lindas do sul e sudeste, e também as do norte, nordeste e centro-oeste. O devaneio me levou a outro e mais outros e foi assim que escapei.
Na manhã seguinte, analisei com cuidado a questão. Eu estava tendo sorte pois eram definitivamente expressões heterossexuais, que não ficavam nada más vestidas em “lingerie” preta. Mas a coisa poderia mudar de figura. E essa perspectiva não me agradava. Decidi que evitaria ler qualquer coisa. Decidi que passaria a observar com cuidado as orelhas e as capas. Ficaria de olho nos efeitos colaterais. Nada de entrelinhas, nada que tivesse parágrafos inteiros escritos em letras minúsculas. Pesquisaria contra-indicações. Não leria nada que tivesse letras e números entre parênteses no início das frases. Evitaria os sujeitos que abusam de adjetivos, esse glacê vicioso dos medíocres. Especialmente antes de ir dormir. E durante o dia, graças a um livro do William Golding, cumpri o prometido. Só que à noite, precisei ir ao banheiro, sem “O Senhor das Moscas”. Encontrei um folheto sobre seguros de automóveis no banheiro, que estava sendo usado como marcador de um livro do Philip Roth.
Naquela noite, um “Bar Mitzvah” me atacou num canto de pesadelo e teria me sufocado em Complexos de Portnoy se um sujeito de quipá e filicários não tivesse me explicado o significado da expressão. Na seqüência, fui salvo pelo mesmo sujeito de um “shtetl”, que significa vilarejo judeu tradicional. Só assim é possível escapar. Com o significado correto da expressão sendo atirado, feito uma torta de creme, no rosto do agressor. Por causa disso, abandonei Roth pela metade e não leio Saul Below e Isaac Bashevis Singer há tempos.
Teria que tomar novas precauções. Mas quais? Eu me policio, evito ler qualquer pedaço de papel. Tentei os clássicos. Mas bastou ler Macunaíma, de Mário de Andrade, e pronto. Um puíto (buraco da lapela do terno para colocar flor) me salvou de uma flunfa (sujeira do umbigo), que por sua vez havia me libertado, sob protestos meus e dela, de uma cunhã (mulher em Tupi) ajeitada. Sob protestos, volto a dizer.
Mas com essa descoberta, confesso, fiquei mais tranqüilo. Embora tenha percebido que ela, a descoberta, tenha vindo acompanhada da tendência a utilizar apostos. As pequenas explicações acompanhadas de vírgulas começaram a surgir nos meus pesadelos, bem vestidas em biquínis e maiôs, mas sempre com caras e poses de bandidas. Durante semanas, elas me dominaram. Agiam em duplas, me espancavam até que, no pesadelo, eu cochichasse gírias velhas como “Tremendão!”, “Baratão!”, “Brasa!”, “Jóia!”e a campeã de todas : “Putzgrilla!”.
“Putz”, como a chamo, faz um baita sucesso até hoje. Está sempre de mini-aspas e usa um batom vermelho brilhante reforçado. Dela, eu jamais conseguirei escapar. Nunca tive a menor idéia do que significa.

2 comentários:

Maína Junqueira disse...

:-)))))))

A insônia tá indo embora.
Volto amanhã/ou hoje pra ler o resto.

Eu leio bula de remédio.

Careca disse...

M.J. vou postar uma bula na segunda ou na terça-feira...

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