quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Pescar truta na América

Uma vez eu estava relendo O Mundo Segundo Garp, um excelente livro do John Irving que virou um filme médio com o Robbin Williams no papel principal. Não foi nem culpa dele, Robbin, que na época era um excelente comediante. É que o livro é bom demais, cheio de histórias paralelas, difícil de transpor para o cinema. Pois no livro, de repente o escritor iniciante Garp conta o que o faz escolher um livro entre milhares de outros na livraria. A magia está relacionada à primeira página, às frases, às primeiras palavras escritas no compêndio. Garp, fã do Grande Gastby de F.S.Fitzgerald, que reli por causa dele, decidia levar um livro se sentisse a fisgada do primeiro parágrafo. Em resumo, são os livros que nos pescam. Somos todos peixes para os escritores. Mas muito deles não sabem disso.
Richard Brautigan sabia. Em 1967 ele escreveu um livro genial, Pescar truta na América. Vendeu dois milhões de exemplares. O livro saiu no Brasil, pela editora Marco Zero, com tradução de José J. Veiga. Na orelha do livro, o escritor goiano diz que é fã de Brautigan desde a década de 70, quando leu outros livros dele, Watermelon Sugar e All Watched Over. Mas os fãs e os elogios recebidos somente no início da carreira não adiantaram para o Brautigan. Ele caiu dos píncaros da glória para o ostracismo depois que o LSD perdeu o lugar para coisas da Bolívia e as anfetaminas subiram de preço. Mas de vez em quando, eu ainda volto a ser pescado por Pescar Truta...
Para mim, um dos melhores livros pescadores do mundo é A Gangue do Pensamento, do Tibor Fischer. O sujeito consegue arquitetar, com brilhantismo, uma gaiola de embromações literárias que hão de enrolar você e suas companheiras de cama por um longo período. Ele parece inteligente a partir da primeira frase. Depois continua inteligente, e termina de um jeito inteligente. No final, você nem percebeu, mas tinha sido fisgado e estará procurando outro livro pescador do mesmo autor.
Outro que sabia era o Guimarães Rosa. Nonada, a primeira e também a última palavra de Grandes Sertões, diz tudo. O cara sabia que ia prender você, leitor, pelo beiço. E não adianta sacudir a cabeça, dizer que achou que podia ser mais curto. Se você for um peixe honesto, vai admitir que o livro do G.R. é capaz de pescar qualquer um, do bagre ao atum. Ou seja, a coisa depende da armadilha do início, do garrote invisível acobertado no final do primeiro parágrafo. É ali, debaixo daquela isca de nada, imperceptível, que se esconde a ponta de aço de um anzol que irá ferroar a sua alma, irá aguilhoar o coração empedernido que bombeia o sangue nos seus pulmões.
E uma vez fisgado, faça como achar melhor. Existem peixes que só faltam gritar, se debatendo desesperados para ir até o fim, voltar, reler algumas partes, contar para os amigos e só depois se soltar. Outros fogem e voltam, tentam esticar uma linha que terá sempre o mesmo alcance ou se romperá. Poucos são os sábios que se entregam com tranqüilidade no primeiro momento, para depois, de leve, bem de leve, conseguirem aos poucos se soltar.
Eu não sou desses últimos, por sinal. Sou dos primeiros, que engolem a isca inteira e se vêem presos pelo esôfago. Me engasgo, me emociono, pareço virar do avesso. Só depois de muito cansado é que descanso de um livro pescador. E durante a minha vida tive a sorte de encontrar uma porção deles.

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