Foi o Maurício quem começou essa história. E dizem as más línguas que eu era o DJ que merecia ser morto. Pura maldade. Meu gosto musical é tão bom quanto o de qualquer um. O meu problema era encontrar o disco certo. Depois, o problema era encontrar o CD certo. E, em todas as ocasiões, onde é que eu tinha colocado as listas de músicas?
Lembro de fazer pesquisas extensas e profundas para elaborar as listas. Escutava rádio o tempo inteiro. Conversava com os caras das lojas de discos. Ficava parado, na frente das boates, em pesquisa aplicada de campo. E depois, num esforço intelectual, místico e retumbante, eu fazia nascer a lista de megahits arrasadores para a festa da semana. Três horas cronometradas, às vezes mais, de músicas perfeitamente organizadas para estimular uma gama variada de sentimentos nos seres humanos, inclusive com pausas para ir ao banheiro.
Sem falsa modéstia, minhas listas eram simplesmente perfeitas. Mas eu nunca as encontrava quando precisava. E depois, no final da festa, quando todos já estavam de porre e de agarração, e ninguém, a não ser o Maurício, se importava mais com a música, lá estava ela. A lista. Perfeita, pronta e acabada. A lista de músicas que eu havia preparado para tornar a festa um sucesso. A lista que iria me retirar do limbo dos DJs expostos à execração pública. A seqüência criteriosa e científica que faria as mulheres bonitas admirar a minha sensibilidade, ritmo e harmonia , além de provocar um avassalador desejo da minha carne. A fila de sucessos musicais delirantes que despertaria a inveja dos rapazes e demarcaria um território perfeito no coração das meninas. (Na frente desse território, em arial néon, estaria escrito em bom português: _Entre DJ. Pode fazer xixi de porta aberta)
A cabala musical que projetaria, sobre todos os dançantes e paredistas, meu conhecimento dos rankings da Billboard, das Dez Mais da Semana em NY, e dos SuperHits da Rolling Stones estaria na capa do álbum do Barão Vermelho. Eu a acharia uma semana depois da festa. O mantra de sucessos dançantes e hits descolados estaria grudado no fundo daquela minha calça jeans, transformado numa pequena massa de papel deformado. Eu a encontraria durante outra festa, no mês seguinte. A lista que eu nunca encontrava e cuja falta sempre provocava a minha substituição como DJ estaria alhures, ou bem à vista, naquele CD de versões de músicas do Roberto Carlos, que tem “È Proibido Fumar”, com o Skank. Eu vivia ouvindo, como é que não achei?
Lobão, Paula Toller, Blitz, Legião Urbana, Ira, Paralamas, estavam todos lá, na minha lista, na ordem correta para dançar, dançar colado, dançar com beijo e dançar separado. E como eu não achava a bendita lista, eu era obrigado a lembrar de cabeça e improvisar, alterando a química perfeita que eu havia arquitetado tão cientificamente. E nessa hora, o Maurício, sempre atento, mesmo de porre, vinha puxar o corinho.
_Matem o DJ! Matem o DJ! Matem o DJ!
E antes que a turba sedenta por sangue e descontrolada se lançasse sobre o meu pescoço eu largava a pick-up, ou saía de lado, deixando o tocador de CDs para outro aventureiro. Mais uma vez, o meu sonho intrépido de comandar corações, mentes e corpos por meio de músicas teria que ser adiado. Primeiro a discoteca, depois, o mundo...
Hoje em dia a rapaziada não tem esse grilo. Eu carreguei pilhas de discos para as festas. Depois, eram pilhas de Compact Discs. Hoje em dia, você carrega 40 horas de música num trequinho menor que um relógio de pulso. E tudo organizado em pastas previamente planejadas, na ordem exata, no tempo correto, na medida científica da emoção musical e do estímulo dançante. A rapaziada pode arriscar a ser DJ contando com o máximo em tecnologia e já com uma aura pré-projetada de profissionalismo. Dá até para pensar novamente em bancar o DJ nas festas. Mas só se o Maurício não for.
Nenhum comentário:
Postar um comentário