Eu sou de Goiás. E lá nós nos orgulhamos do empadão que nossas mães fazem. Esse conhecimento costuma ser transmitido de mãe para filha. Minhas irmãs já dominam o segredo do empadão goiano. Eu sou um simpatizante das tradições, que exigem que sejam as representantes do sexo feminino a lidar com o forno, o fogão e a pia. Minha patroa discorda. Então nós dois freqüentamos restaurantes, fast-foods e lanchonetes. Mas um dia, juro, vou aprender a fazer o empadão.
Enquanto isso, numa dessas idas a lanchonetes, descobri, aqui perto de casa, que também os cariocas podem se orgulhar de suas empadas. Comi uma empada carioca na loja de mesmo nome e tenho arrepios só de lembrar. Boa demais. Pessoas que fazem coisas tão gostosas, como se sabe, são inescrupulosamente investigadas pela Receita Federal. Os caras da Receita presumem que pessoas dedicadas a proporcionar prazer aos outros, ainda que gastronômicos, sejam sonegadores contumazes de impostos. Talvez tenham um pouco de razão. Eu, por minha vez, presumo que os sujeitos que trabalham na Receita Federal sejam sádicos contumazes que só conseguem sentir prazer arrancando o máximo de dinheiro possível dos contribuintes. Talvez eu também tenha um pouco de razão. Mas, voltando à empada carioca, supimpa.
Então, espontaneamente, passei a fazer propaganda bucal da lanchonete e do empadão carioca. Meu amigo mineiro protestou. Disse que a empada mineira também é muito boa. O pernambucano também ensaiou algumas alegações, por isso tive que estabelecer uma escala de qualidade da empada, de seis mil pontos. Nela, lamento dizer, as empadas mineiras e as pernambucanas não atingiram o nível de excelência – acima cinco mil e 700 pontos. Percebi, para meu espanto, que o mineiro e o pernambucano não aceitaram os meus critérios de pontuação, baseados na quantidade de saliva produzida ao me lembrar das empadas. Como sou um cara absolutamente guiado por critérios científicos, eu os desafiei a elaborar um critério melhor do que a produção de água na boca do comedor de empadas número um desse país. Vieram com uma conversa mole de pesquisa quantitativa. Pesquisa quantitativa é o quadrado! Portanto, vencida a discussão, finquei pé nos critérios absolutamente qualitativos que devem guiar qualquer juízo de valor do ser humano de bom senso e mandei pernambucanos e mineiros às favas. Às favas, eu diria novamente.
Isso aconteceu na manhã de sábado. Para não dar o assunto por encerrado, lá pelas cinco da tarde, da varanda de casa, passei a monitorar a freqüência à lanchonete, com a ajuda de um potente binóculo que usava para outros fins. E eis que bastaram alguns minutos de tocaia para perceber um freguês atípico na lanchonete. Com um boné de beisebol da Praia do Forte e um par de óculos escuros do tamanho da viseira do Homem-Aranha, meu amigo pernambucano procurava se esconder atrás de uma pilastra, fazendo gestos para ser atendido. Aplicado como sou em leitura labial, pude notar que ele pedia insistentemente “um refri e uma carioca, sivousplé”. Regulei o binóculo para o máximo e vigiei as expressões despudoradas da degustação do Recifense.
O animal da “Veneza brasileira” pediu outras três empadas, sem esconder a cara de satisfação em nenhuma. E teria continuado se, de repente, não percebesse, pela direita, a aproximação de outro fã de beisebol, com o símbolo do Cruzeiro. Era o Mineiro, é lógico. Também pediu a carioca, “pliis”. O homem de BH saboreou outras três, fazendo caras lúbricas e repletas de concuspicências.
Pensei em armar um flagrante, me disfarçar de vendedor. Pensei em subornar o vendedor de empadas para ele introduzir um papel em cada empada comprada pela dupla. No papel estaria escrito: “eu sei o que vocês fizeram com a empada carioca”. Ou: “estou vendo vocês da varanda, seus bocós”. Ou: “com os cumprimentos do Careca”. Mas achei brega e achei pouco.
No sábado seguinte, no horário do chopp, as empadas voltaram a ser assunto. E, sem que eu precisasse falar muita coisa, a minha escala de qualidade da empada foi oficializada. Vitória do bom senso.
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