quarta-feira, 17 de outubro de 2007

O saudosista do supermercado

Se depender da caixa do supermercado, serei um velho mesquinho e zangado. Sou saudosista. Gosto de lembrar do tempo em que éramos bem tratados nos supermercados. Eles ainda não eram os campeões do varejo. Eles nos disputavam com a quitanda e a mercearia da esquina. Para acabar com essa concorrência, os supers ofereciam promoções o tempo inteiro. Hoje é só o esculacho. Acabaram com o Sinca Chambord. A maioria mal oferece o saco plástico para embalar a mercadoria. O caixa pesa tudo na hora, o que é bom. Mas fica olhando você se esforçar para colocar as compras rapidamente nas sacolas, acelerando a esteirinha com sadismo. Quando elas aceleram muito a esteirinha, eu começo a vetar itens já registrados. É o único jeito de ganhar fôlego.Detesto isso.
Meu amigo Rodrigão é quem sabe lidar com essa gente. Ele impõe respeito, com seus dois metros de altura, sua envergadura de condor. Ele parece um armário, sem maçanetas. É reto, duro. O cara tem ângulos obtusos e um cérebro dentro. É especialista em computadores e análise de sistemas. Quando o meu micro estraga eu levo para ele. Ele arruma em trinta segundos e não cobra nada. O cara é um gênio.
Pois o Rodrigão não mexe um dedo no caixa do supermercado. Ele aproxima o carrinho do balcão com a esteirinha e tira um ou dois pacotes. A fila começa a se formar atrás dele. Ele olha para as unhas. As pessoas atrás dele começam a reclamar, que a fila não anda, etc. Ele se vira, lentamente, e boceja, exibindo tríceps e bíceps. As pessoas se calam. Alguns, assobiam em disfarce, dão um jeito de trocar de fila. A caixa, com todo o respeito, pergunta se ele deseja um empacotador. Ele grunhe em assentimento. O empacotador chega e realmente empacota tudo, com separação e cuidado. Vidros com vidros, latas com latas, verduras com verduras, carnes com carnes. O Rodrigão dá duas moedas de 25 centavos para o empacotador. O cara quase chora de agradecimentos. Quando ele paga, a caixa sorri e agradece efusivamente. O gerente sai do cubículo onde se escondem os gerentes de supermercados e vem cumprimentá-lo. As pessoas da fila aplaudem a sua sabedoria compradora, o seu sucesso supermercadista. Nunca lhe ofereceram um cartão do super. Ninguém do super jamais se meteu a besta com ele.
Comigo é ligeiramente diferente. A caixa pergunta se eu tenho o cartão do super. Eu digo que não. Ela passa a grunhir comigo. Quando eu peço um empacotador ela nem tenta suprimir um sorrisinho de escárnio. E não chama ninguém. Nesse meio tempo, ela se divertirá comigo. Ela irá acelerar a esteirinha e entupir o balcão de mercadorias registradas.Lá para o final, quando eu estiver colocando a última coisa na sacola plástica aparecerá um empacotador para me ajudar. E esse cara ficará grudado em mim, me olhando com olhos pidões e mão estendida até que eu saque uma nota de dez reais.
Mas o pior é a fila. Se carrinho de supermercado tivesse buzina eu seria um campeão de buzinaços. Já levei até vaia da fila, imagine. Mas mantenho a minha pose de homem independente e que se vira sozinho. Tudo, porém, tem um limite. Teve um dia em que depois de passar pela seção de especiarias, decidi mostrar que também sei chatear um caixa.
_As nêsperas libanesas vão ficar, eu disse.
_Já registrei.
_Ah, bom. Então vai ter que cancelar.
_Vou ter que chamar um gerente.
_Melhor chamar uns dois ou três, vamos ter um bocado de trabalho.
_O quê?
_Nada, não.
_E aí?
_O quê?
_Vai levar a nêspera libanesa?
_Não. Pode cancelar.
_Para cancelar vou ter que chamar o gerente.
_Chame, chame.
E a fila começa a protestar. Uma velhinha de seus 90 anos se aproxima, ameaçadora, e me dá uma bolsada.
_Peraí, minha senhora, sou careca mas não sou Dirceu.
_O senhor faça o favor de pagar logo e deixar a fila andar.
Mas olho para o fim da fila e resolvo mesmo bancar o durão. Hoje estou com sorte e não vou facilitar para ninguém. Resolvo vetar mais um item das compras.
_As uvas, pode cancelar as uvas.
A caixa ameaça um protesto até prestar atenção no gesto que estou fazendo para o final da fila. Ele se aproxima lentamente, como o início de avalanche. E logo está ao meu lado, sorrindo para a Caixa e a fila silenciosa. Carrega apenas um pacote de mostarda italiana.
_ Rodrigão, meu amigão, que bom te ver!

2 comentários:

Maína Junqueira disse...

:-)))

Careca disse...

M.J. como te disse antes, sou analfa em mímica e nesses simbalozinhos. Vou tentar de novo:
@
:(:)( )..~
@

Bão, se você conseguir ver um macaquinho deixando uma banana escorregar...procure ajuda profissional.

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