Homem não pode chorar. Ou melhor. Pode, é claro. Mas ninguém pode ver. Tem que ser escondido. No escuro do cinema. À noite, espremendo a cara no travesseiro. Ou no banheiro, disfarçando com o barulho da torneira. O melhor mesmo é fazer isso com o chuveiro e a torneira ligados. Aí é camuflagem perfeita.
No cinema americano a regra é bem clara. Homem, na tela e na platéia, só pode chorar em momento de emoção incomensurável. Isso pressupõe uma série de situações prévia e intensamente anunciadas pela trilha sonora. Os americanos são assim, cheios de avisos prévios. Por exemplo, antes da cena emocionante do abraço de pai e filho. Aliás, abraço de pai e filho em filme americano é de cortar o coração de qualquer machão. É só reparar. Nessa hora, o cinema inteiro começa a tossir e espirrar horrores, com toda a cambada de marmanjos procurando disfarçar a choradeira incontida.
Outro cena onde é permitido verter lágrimas, com macheza, é em filme de guerra. O Johnny no chão, ferido, gritando “Diga a Mary que eu a amo”, fechando os olhos logo depois da seqüência em que ele salva o batalhão e vira a batalha contra o inimigo. Em filme romântico só é permitido homem chorar se a mocinha morrer de câncer. Ou em filme de ação, como no último 007, se a mocinha(nem é preciso dizer que trata-se de uma tremenda gata que já fez loucuras sexuais com o machão na telona) decidir se afogar de puro remorso por ter traído você, o agente secreto da rainha.
Mas tem homem que não tem vergonha de chorar. Não são muitos, é verdade, mas existem. Os caras que não se importam se alguém está vendo. É o caso do Digão, um amigo meu. Machão, machão. Um metro e noventa, 120 quilos, pescoço de Mike Tyson, lutador de jiu-jitsu, orelha queimada pelo tatame. Mas é um tremendo coração-mole. Super-sensível. Uma moça, diria Caetano. É bem educado também, o Digão. Quando ele pressente que não vai resistir, ele avisa antes.
_Olha, você vai me desculpar, mas eu vou chorar.
Então ele se acaba. Lágrimas vertem feito cachoeiras dos olhos do infeliz. E ele faz mais barulho que uma panela de pressão.
_Já vou terminar. É que isso é muito tocante..., explica o Digão. E torna a se debulhar em lágrimas.
O Digão é capaz de empapar toalhas de banho, de encharcar sapatos. Em resumo, o cara é um exagero. Mas nós todos já estamos acostumados. Só a Soraia, novata no pedaço, é que ainda não sabia. E foi descobrir no dia do aniversário de três anos da minha filha.
Todo mundo tinha cantado os parabéns e a patroa resolve perguntar para quem a filhota queria dar o primeiro pedaço de bolo. E apesar do alvoroço dos avós, dos primos, do papai aqui e dos amiguinhos, ela escolheu o Digão.
_Olha, vocês vão me desculpar...
E antes mesmo de pegar o pratinho de bolo, o Digão já estava no maior esguicho de lágrimas e fazendo aquele barulho de pneu furado. (continua)
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