sexta-feira, 12 de outubro de 2007

O banheiro é importante para toda mulher

Adoro encontrar os amigos em restaurantes. E em botecos também. E como a grana anda mesmo curta, ultimamente eu só encontro a turma de sempre nos botecos. E assim mesmo, só pé-sujo. As esposas de alguns reclamam, é claro. Boteco pé-sujo, em geral, não tem papel Neve e nem porcelana chinesa. O nome pé-sujo, aliás, só existe por causa do banheiro. Se não quiser sujar o pé, consulte um guia da cidade.
Mas se algumas mulheres reclamam, só as namoradas radicalizam. E a namorada do Junão, a Júlia, é radical. Outro dia foi assim.
_Pôxa, Junão. No banheiro daqui só vou de asa delta.
_ Junão, vou deixar o nariz na mesa e volto já.
_Caraca, Junão. Não volto lá nem amarrada e sob tortura.
_Ali deve ter um anão assassinado .
_ Junão, prefiro fazer aqui, numa garrafa.
E lá foi o Junão embora. O Cabeça, que tem sempre uma frase boa para tudo, ficou calado. Paulinho, que é mais estourado, quebrou o silêncio.
_Mas não se pode nem tomar cerveja. Essa mulé é um porre. O Junão tem que mandar passear.
_Quêisso... o banheiro é importante para toda mulher, diz o Cabeça.
Putz! Uma faísca elétrica percorreu todas as cadeiras. Um sentimento comum foi compartilhado no mesmo instante. O Cabeça havia criado mais uma sentença profunda e sintética, uma oração dirigida aos céus e infernos. Uma frase digna de virar placa, de entrar para a posteridade num pára-choque de caminhão.
_Cabeça, tu é campeão, eu digo, olhando o cardápio de petiscos. Aqui tem uma carne-de-sol de primeira.
_Essa é a melhor da semana, diz a minha patroa.
_Queria ser negão para virar essa frase num pagode, diz o Niltão.
_Alguém me passa a gelada, diz o Cabeça, modesto.
E uma semana depois, no retorno ao pé-sujo, para nossa surpresa aparece o Junão.
_Ué, você por aqui...
_Pois é, pois é.
_Cadê a Júlia?- pergunta a mulher do Cabeça.
_Tá vindo aí.
E veio mesmo. E sentou de frente para o Paulinho. Que lembrou logo da sentença do Cabeça.
_O banheiro é importante para toda mulher.
_ É verdade, concordou a Júlia. Só voltei aqui porque eu gosto muito do Junão. Se dependesse de mim, a gente ia para um boteco com um banheiro onde fosse possível respirar.
_Ah, deixa de exagero, vai. Não é tão ruim assim.
_Só não é pior que o da rodoviária.
_Vocês dois, será que não tem outro assunto? É só banheiro, mictório, w.c.. Coisa mais escatológica!, apelou a Aninha.
_É que você ainda não viu o banheiro daqui.
_Vi sim, e é bem limpinho.
_ Aposto como você não agüenta cinco minutos lá dentro, diz a Júlia.
_Tá certo, aposto. Se eu ficar lá dentro cinco minutos, você paga a minha parte da conta e nunca mais fala de banheiro perto de mim. Se eu não agüentar, eu pago a sua parte e agüento esse assunto caladinha.
Fiquei apreensivo e olhei para a patroa. A Aninha é gente fina. Tem antepassados ilustres e nobres. Olfato sensibilíssimo. Do tipo que sente cheiro de barata num apartamento de 250 metros quadrados, como o dela. Pelo olhar da patroa ela também não estava levando fé. A Aninha era do tipo cri-cri-pernilongo. Encontrava defeito em vaso Ming e mancha de cobre em prata inglesa. O banheiro do pé-sujo era limpinho, mas até a minha patroa não agüentaria aquele cheiro de morto no ralo por cinco minutos. Que dirá a Aninha!
Mas para surpresa de todos, inclusive do Cabeça, a Aninha ficou os cinco minutos. E seis. E sete. E nós começamos a ficar preocupados. O Cabeça já estava ligando para uma ambulância, para o Corpo de Bombeiros, quando escutamos a descarga. Suspiramos de alívio. Até a Júlia.
_E aí, gente. Não é mais assunto, tá.
_Táááá.
E não falamos mais nisso. A Júlia se comportou direitinho. Não azucrinou o Júnior, nem reclamou de nada. Naquele dia, o Paulinho só pediu coisas delicadas, começando pelo mocotó. O Cabeça, a patroa e a Maira se entupiram de feijoada. O Niltão abusou do repolho e da couve. E a Aninha atacou uma carne de bode. Senhoras e Senhores, eu pedi carneiro desfiado e fui chamado de fresco. Todos consumimos mais chopps do que o permitido para um retorno seguro ao volante. Voltei de táxi com a patroa. No caminho, descobri com ela como foi que a Aninha tinha agüentado.
_ Ela entrou no banheiro com o Chanéu Nâmber Fáive. Gastou meio vidro no lenço.
_ Ah bom.
_ Para ela, o banheiro vale o mesmo que o poeta falava de mulher. Não é só importante. É fundamental. Mas ela jamais daria o braço a torcer para a Júlia.
_Por quê?
_Porque o Junão, antes de terminar com ela, vivia reclamando do excesso de frescuras da Aninha.
_E eu nem sabia que os dois tinham tido um caso.
_Foi uma coisa de louco. Começou por acaso, num banheiro. Lá em casa eu te conto...

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