sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Palomas

O pai de Picasso tem 43 anos quando o filho nasce, em 25 de outubro de 1881. Era um pintor provinciano. Foi professor de pintura e conservador de museu de arte durante algum tempo. Não deixou quadros aclamados. Parece que seu maior sucesso foi mesmo ter sido pai do gênio da pintura. Don José Ruiz y Blasco, pai de Picasso, não era um mau desenhista, nem tampouco brilhante. Antes do filho nascer, era visto em Málaga como um sujeito que gostava de pombos. Na biografia de Picasso, de Gilles Plazy, ele afirma que Don José era conhecido como um “especialista em pombos (ele os cria antes de pintá-los)”. Também gostava de touradas, como todo bom espanhol.
Mas há quem diga que não é nada disso. Com alguns cliques no Google, você encontra informações sobre estudiosos que afirmam categoricamente que Picasso fraudou o próprio pai. Ele teria assumido diversas pinturas feitas pelo pai como suas. Os estudiosos afirmam que isso foi feito como forma de dar continuidade à criação do mito de gênio em torno de Picasso. E teria tido a conivência da própria mãe de Pablo. Esses estudiosos afirmam que os diversos museus do mundo que ostentam essas obras como sendo de Picasso deveriam devolver o dinheiro ao público.
Eu não iria tão longe. Aliás, eu não daria sequer um passo nessa direção. Em primeiro lugar porque acredito em boa parte do mito e considero Picasso o grande, o maior artista e mexedor de pincéis e tintas do século XX. Ele tem mais de 45 mil obras atribuídas, sendo pelo menos 20 mil catalogadas. É obra pra dedéu. A acusação de furto e fraude envolve o período em que Picasso teria entre 10 e 16 anos. Ou seja, os tais estudiosos não admitem como verdadeira a parte do mito que fala em criança prodígio. Eu não ligo a mínima para isso. Para mim, o gênio não precisa ser, necessariamente, prodígio. Aliás, de prodígio, basta Mozart. Acho que Picasso não foi uma criança modelo e provavelmente era pouco mais que um analfabeto funcional até os 20 anos. Mas pintou e desenhou horrores. Também acho que alguma centelha se acendeu no rapaz depois dos 16 anos. Ele era preguiçoso e mimado. De repente, torna-se incansável, um sujeito que não consegue ficar parado com o lápis. Testa tudo e o tempo inteiro. E assim será. Futucará a onça com o lápis de cor até o fim da vida. Foi um gênio ao vencer a preguiça.
Resolvo bancar o detetive, à la Nero Wolfe, no conforto da minha poltrona. Tem alguma coisa nessa história de fraude que me parece verdadeira. Os tais especialistas falam que o quadro “A primeira comunhão” foi obra do pai de Picasso. E isso é muito importante. Com esse quadro, Picasso venceu o primeiro concurso de que participou. Com isso, obteve apoio do tio Salvador para os primeiros estudos. Foi um estímulo do pai para que estudasse? Talvez. Para mim, a religiosidade de Picasso é tão grande quanto a cabeça de um alfinete. E o quadro é tão certinho... Bom, havia a necessidade de bajular o tal tio Salvador, esse sim, muito devoto, o que explicaria esse quadro e também outro, chamado “Ciência e Caridade”.
Alguma coisa aconteceu com o menino Pablo. O que foi? Aos 13 anos perde uma das duas irmãs. Aos 16 anos, em outubro de 1897, passa o aniversário sozinho, em Madri., estuda na academia San Fernando com um velho amigo de seu pai, o professor Degrain. Não é nada aplicado. Conhece Toledo em uma visita e as obras de El Greco. Tenta copiar freneticamente tudo o que vê do mestre a partir daí. Em junho de 1898, depois de uma escarlatina, está de volta à casa paterna. Traz um boletim não muito bom de Degrain. Deve ter tomado uma senhora bronca do pai. Prefere se curar de vez em Horta de San Juan. Depois dirá que tudo o que aprendeu, aprendeu em Horta. É aqui que existe uma guinada. O que aconteceu com Picasso em Horta? Foi ali que virou gente.
Depois de alguns minutos observando o nada, verifico com pesar que não possuo nem um centésimo de milésimo do talento extraordinário de Nero Wolfe. Volto aqui para terminar esta crônica. E volto apenas para comentar que um dos primeiros desenhos que me lembro de ter visto na vida foi uma “Pomba da Paz”, que Picasso pintou em 1949. Em 1950, também para figurar em pôster do Congresso Mundial de Partidários da Paz (Congrès Mondial des Partisans de la Paix) ele pintaria uma outra, mas em nenhuma dessas aparecem os raminhos de oliveira. Mas a partir da série de "El rostro de la paz" que celebra o trigésimo aniversário do Partido Comunista em 1950 a paloma surgirá com o raminho e será pela pena de Picasso que se tornará o símbolo Universal da Paz. Pois antes não era. E não posso deixar de pensar que Picasso, com as Palomas, encontrou um jeito seu, muito particular, de agradecer e homenagear seu pai, Don José.

1949. 9 de enero. Realiza la litografía de La paloma.
Febrero. Aragon escoge La paloma para el cartel del Congreso de la Paz, que se va a celebrar en el mes de abril en la Salle Pleyel de París.
8 de marzo-2 de abril. Exposición de las últimas obras de Picasso en la galería Buchholz de Nueva York.
19 de abril. Nace Paloma, segunda hija de Picasso y Françoise.
20 de abril. Se inaugura el Congreso de la Paz en la Salle Pleyel.
Abril. Exposición de Picasso en la Galería de Arte de Toronto.
Primavera. Regreso a Vallauris para adquirir los talleres Fournas, donde trabajará a partir de entonces.
Julio. Exposición de 64 obras de Picasso en la Maison de la Pensée Française de París.
(Mais em http://www.museupicasso.bcn.es/guerraipau/cast/crono_cast/1949.htm )

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