quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Valeu mesmo




As coisas que não têm a menor importância ficam grudadas na minha mente. Guardo diálogos inteiros de filmes de Jerry Lewis. Sei cantar velhas canções que já saíram de moda, tenho na memória cenas de filmes B que vi de relance na TV. Lembro do nome do cavalo branco do Fantasma, Herói. O nome do cachorro era Capeto. Sei que o cabo Rusty era o nome do dono do Rin-Tin-Tin. Lembro que Mussum fazia parte do grupo “Originais do Samba” e fez um mega-sucesso cantando “Assassinaram o camarão, e assim começou a tragédia no fundo do mar...”

A coisa não para por aí. Sou um prodígio para frivolidades e pródigo em conhecimento inútil e na maioria das vezes irrelevante. Coca-cola com pastilha menthos provoca um efeito efervescente perigoso. Vinagre corta a dor provocada pelo ácido da água-viva. Xixi também. E se você for comprar melancia inteira, eu sei reconhecer pelo som a melhor melancia que houver na bancada.

Isso não é nem um milionésimo das bobagens de almanaque coladas na minha memória.
Sou especialista em coisa nenhuma. Desenho a Mona Lisa de memória. Quando eu era menino, eu achava que era a imagem de uma santa. Sei que Elvis Presley tinha um irmão gêmeo que morreu precocemente. Consigo amolar uma faca usando um seixo. Um quadro não pode tocar na moldura de vidro. Posso consertar uma chave tetra, caso ela solte do cabo. Anotei num papel a medida perfeita para a solução de água e detergente para fazer bolhas de sabão.

E ainda quero mais.

Queria saber se Marilyn Monroe tinha um bicho de estimação, por exemplo. Quem era Vira Lynn e por quê perguntam sobre ela naquele álbum do Pink Floyd? E também coisas mais pessoais. Será que alguém mais furou a mão esquerda com um compasso porque estava escarafunchando a carteira da escola? Quem mais engoliu chiclete enquanto tentava aprender a fazer bola? Alguém de vocês também se lembra do nome da professorinha que lhe ensinou o bê-a-bá? Por onde andará Flávia Tatiana, a menina mais bonita da quarta série primária?

Sou precoce para algumas coisas. Aprendi a jogar xadrez com quatro anos de idade. Nessa idade também já sabia ler e escrever. E também já tinha a letra ruim que me acompanha até hoje.

Entrei na crise dos quarenta antes dos trinta e cinco e ainda não saí dela.

Ou seja, para outras coisas, sou um retardado. Eu sei que causo uma péssima primeira impressão. Minha segunda impressão também não é das melhores. Melhoro um pouco quando se trata da oitava ou nona impressão, mas quem é que tem paciência para isso?

Durante muito tempo fui um ingrato contumaz. Um dia percebi que é um milagre que eu tenha sobrevivido, entre tantos outros milagres. Hoje sou um ingrato menos assíduo, de vez em quando, em dia santo, eu olho para cima e digo muito obrigado, valeu mesmo.

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