Quase todas as turmas possuem um sujeito dedicado a elaborar uma boa teoria da conspiração. A minha não é diferente. Nós o chamamos de Manga Rosa, ou simplesmente Manga. Ele está sempre antenado com os acontecimentos. Lê uns dez jornais por dia, fora a Internet. Manga nunca fez um comentário nos blogs e sites dos conhecidos e desconhecidos. Como qualquer teórico da conspiração, Manga é paranóico assumido e convicto, além de supersticioso. Somos amigos há muito tempo e por isso não poderia jamais dar qualquer pista da aparência do Manga. Isso, para ele, seria o mesmo que entregar o seu questionário do IBGE. Aliás, o Manga não participou do último censo.
Eu respeito o Manga. Ele possui teorias do balacobaco, mas eu respeito. As teorias versam sobre uma infinidade de assuntos. Uma delas diz que existem programas de transferência de recursos públicos para ONGs que ministram cursos de qualificação em turismo em lugares que não recebem visitantes. Para Manga, está em curso a operação anti-sabugosa, que consiste em autosabotar os exames de avaliação do ensino. Funciona assim: as provas de avaliação são vazadas para alunos escolhidos a dedo. Os piores entre os piores são transformados em dirigentes do MEC. E se forem muito, muito ruins, podem ser indicados para as eleições em São Paulo.
Em outra teoria mirabolante, Manga dizia que o governo estava pagando fortunas para que ONGs amigas do alheio distribuíssem lanche estragado para criancinhas indefesas. Mas antes, as crianças tinham que fazer polichinelos e flexões. Ele também foi o primeiro a dizer que tecnicamente o mensalão não existiu, uma vez que os pagamentos eram semanais e até diários.
Mas a principal teoria do Manga é que para cada um dos 389 ministérios, existe uma operação específica, onde o que importa é fugir do lugar comum, para um paraíso fiscal, sem esquecer sacolas de dinheiro em quartos de hotel, por favor.
Outro dia encontrei o Manga. Ou melhor, o Manga me encontrou. De outro modo, a paranóia dele entra em ação, ele finge que não é o Manga, é super-chato. Eu o vi no shopping, fui até ele e o cara simplesmente passou direto pela minha mão estendida. Dias depois ele me ligou de um lugar barulhento, devia ser telefone público, e pediu desculpas, mas tinha que ter certeza de que o encontro não havia sido planejado por mim, que ele precisava tomar cuidado, com certeza estava sendo seguido, o telefone estava grampeado, aquelas coisas. Eu disse que tudo bem, sem problemas e ele desligou. Isso foi há mais de um mês, eu até já havia esquecido do Manga, cada louco com sua mania, e ontem ele apareceu. O Manga veio me visitar.
Ele estava no portão, não tocou o interfone. Eu agora tenho interfone e estou muito orgulhoso dele, tem até câmera de vídeo. Foi um presente, é claro, estou em contenção de despesas nível cinco. Para você ter uma idéia do que é isso, basta dizer que no nível três eu só gasto com pão e água. No nível quatro eu respiro fundo. Pois o Manga também é super-econômico.
_Manga, que surpresa boa, vamos entrar? - eu convidei.
_Tudo bem, tudo bem, vamos lá para o quintal - ele disse, e foi entrando rapidinho, subiu as escadas correndo e foi para o jardim dos fundos da casa, debaixo do pé de jabuticaba. Carreguei duas cadeiras de plástico até lá e sentamos.
_Aceita uma água? - eu disse.
_Tem outra coisa? - ele disse.
_Bom, tem água gelada - eu disse.
_Aceito - ele disse.
Então eu levantei e fui buscar uma jarra de água gelada. Olhei para trás e vi o Manga examinando o pé de jabuticaba, atentamente. Será que procurava microfones? Quando voltei com a água ele já estava mais calmo. Só queria um ouvido para escutar suas histórias, quase todas impublicáveis, é claro. Segredos fantásticos e sacações incríveis que só aquele teórico da conspiração poderia ter sacado.
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