quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Porque voltei a usar lápis



Passei dois dias seguidos desenhando os pássaros de Eckhout, o célebre pintor holandês. Usei principalmente dois lápis KOH-I-NOOR HARDTMUTH 1500. Um 3B e outro 4B. Nos outros lápis não conseguia afinar a ponta como desejava. Quero dizer, eu até conseguia fazer a ponta se tivesse bastante cuidado, mas o problema é que bastava encostar no papel para que o grafite se esfarelasse um pouco.

Às vezes eu acho que desenho com muita força e marco as folhas seguintes do caderno que uso. Para diminuir o problema eu me obrigo a usar um mata-borrão com uma folha branca 220g. Mas minha filha adora desenhar no mata-borrão, então acabo desenhando sem ele. Então agora estou buscando suavizar o traço, desenhando no papel 120g sem marcar o papel seguinte. Ainda estou longe de ser suave.

Durante muito tempo desenhei somente com caneta gel. Em geral usava uma Signo 0.7mm. Foi muito importante usar somente a caneta durante vários anos para conquistar confiança no meu próprio traço. Quando se desenha direto à caneta gel, não há conserto no traço errado. Ou se faz certo, ou o desenho ficará muito ruim, cheio de retoques e rasuras. Durante muito tempo também decidi usar o traço claro, linha pura, sem sombras e hachuras. E decidi usar um método radical para não jogar papel fora. Passei a comprar os sketchbooks da Moleskine, que custam uma fortuna cada um. Assim me obriguei a pensar mais sobre o quê desenhar e também a fazer o melhor de uma única vez. Melhorei bastante o traço usando esses dois estratagemas e hoje já me sinto mais satisfeito com os meus rabiscos.

Isso não quer dizer que me considero um bom desenhista. Não. Não mesmo. Também acho que o importante é o processo e não as coisas que conseguimos no meio do caminho. Não guardo troféu de nada. E espero que este seja um longo caminho. Da mesma maneira que o ato de escrever, desenhar é um pretexto para o reexame atento das coisas que me acontecem ou, de alguma maneira, me atingem. Muitas vezes não sei porque tanto reexame, mesmo assim escrevo e desenho.

Decidi voltar a experimentar um lápis porque outro dia visitei o blog da Renée French, uma desenhista que sempre me impressionou muito. Ela possui o traço fino. Ela possui uma sensibilidade fantástica. E tudo é transmitido com suavidade, ainda que a mensagem seja intrincada.

Uma vez, no trabalho, um colega viu um dos meus desenhos a gel e disse que parecia uma tatuagem. Era um peixe. Houve uma época em que eu vivia desenhando peixes. Lembro de olhar para o desenho e concordar com o colega. Parecia mesmo uma tatuagem, a linha do desenho muito larga. Será que ficaria bem no braço de alguém? Eu seria capaz de fazer uma menor, bem pequena, para tatuar a nuca de uma pessoa? Quem é capaz de se deixar tatuar debaixo da língua? Se todo mundo fosse obrigado a usar tatuagem, qual seria o desenho que você levaria estampado? Ou qual seria a palavra? Seria um nome? E onde?

Claro, nada disso importa. Talvez eu tenha voltado a usar lápis por causa da frase que ouvi de um violonista, que a soube de André Segovia. Metade da vida é afinar o violão e a outra metade é desafinar. O interessante é que o violonista ganha a vida a desafinar o violão. Talvez eu já tenha passado da fase de afinação e seja hora de desafinar. Talvez isso seja apenas um adágio bacaninha. Não sei. Mas voltei a usar lápis. De preferência, 3B.

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