Qualquer pessoa que saiba fazer uma conta simples sabe que a Copa do Mundo custará um preço alto demais para todos nós, nossos filhos e nossos netos. Mas nenhum representante do povo, nenhuma entidade da sociedade civil(onde andam todas elas?) veio a público dizer em voz alta e clara que, do jeito que foi conduzido, esse é um projeto ruim, que deveríamos ter o bom senso de não apoiar. Teremos vários elefantes brancos cercados de favelas penduradas em encostas deslizantes, sem esgoto, com estradas, escolas e hospitais em frangalhos. É tão idiota quanto construir uma ponte de um bilhão de dólares no meio da selva. Mas nenhum político se rende ao evidente, porque acha que vai desagradar ao povo. Só irá desagradar ao povo se não conseguir mostrar o óbvio, que o dinheiro a ser gasto em estádios e aeroportos é o mesmo que não será aplicado em escolas, hospitais, segurança, estradas e coisas que estamos precisando.
Sei que essa é uma tarefa ingrata, porque a maioria já se acostumou a conviver com a falta de escolas e ensino decente, com a penúria e o péssimo atendimento nos hospitais, com a insegurança e a insalubridade das ruas das cidades, com a péssima situação das estradas. Das coisas que estamos precisando, então, ninguém nem se lembra. Isso é Brasil, todo mundo fala, a gente escuta a toda hora. A verdade é que a sétima ou oitava economia do mundo também é a número um em taxa de juros, impostos, barreiras burocráticas e péssimos representantes. É lugar comum, ninguém se impacienta mais com nada, é sempre aquele ôô, vida de gado. E nada melhora, só piora.
E piora mesmo, não tem nem comparação com o tempo em que você podia falar mal do que não funcionava em voz alta, em crítica sincera e sentida, sem ter medo de patrulha ou de malucos fanáticos e vingativos, que são da mesma corja. Sejamos sinceros, só não está na mesma, ou pior, quem aderiu ao coro dos contentes.(E você, o desafinado que só finge que aderiu, não se sente um bosta?) Agora, voltamos ao período dos cochichos, mesmo nas festas com os amigos, onde as panelinhas dos alinhados ficam separadas dos não-alinhados.
Eu fico de fora das panelinhas, como sempre. Sempre foi uma questão de personalidade. Mas hoje em dia, também é de caráter. Quem anda na linha é trem. Quem segue palavra de ordem, sem pensar, tem parafuso a menos. Quem apóia corrupto, quem torce para corrupto dar certo, é corrupto, é corrupto, é corrupto. Não tem meio termo.
Ou tem? Acho que não, não mesmo. Quem se preocupa com a ética quando mentirosos e corruptos contumazes são vistos todos os dias, livres, impunes e faceiros, dando conselhos velhacos a aprendizes de vilão? Será que só eu estou levantando a mão?
Quando estava na universidade eu sonhava com um país mais justo, com menos desigualdades e mais oportunidades. Mas hoje as distâncias começam a ganhar contornos indianos, ficam abissais. O salário de um dia de um parlamentar equivale ao que dois ou mais trabalhadores ganham em um mês. Desde, é claro, que não se coloque as mordomias na conta. As diferenças estão se aprofundando. Estamos criando nossas castas de uma maneira perversa, tolhendo oportunidades com regras cada vez mais absurdas, diminuindo a qualidade de tudo graças ao olhar complacente dos poderosos para a incompetência dos apaniguados. Só se salvarão aqueles que tiverem o próprio helicóptero. O sonho da maioria é trabalhar para o governo, executivo, legislativo ou judiciário. É lá que estão os bons salários. É lá que estão as férias bem remuneradas. É lá que estão os bons planos de saúde e a aposentadoria tranquila. Não lhes tiro a razão, cada um deve fazer o que lhe apetece. Seguro morreu de velho. A velhacaria encontra refúgio em qualquer ditado popular com a maior facilidade. E eu? Eu ando descrente, descrente.
Nos tempos de estudante, todos nós éramos contra as obras faraônicas, contra o desperdício e o mau uso dos recursos públicos. A Transamazõnica era o grande exemplo do que não deveria ser feito. Uma estrada perdida no meio do mato, ligando nada a canto nenhum. E o que são 12 estádios de futebol, cada um custando um bilhão, em cidades de pessoas amontoadas, violentas, doentes, ignorantes e tristes? Só depois de passada a euforia da Copa é que os questionamentos virão? E se a poderosa seleção do "Errar é o Mano" fracassar no início?
Com o quê sonham os jovens de hoje? Com entrada franca em ônibus e meia entrada para o cinema? Com um estádio terminado a tempo para a Copa do Mundo? Duvido. Acho que querem o mesmo que eu e você já quisemos um dia: paz, liberdade, justiça e prosperidade. Não acredito que todo mundo nasça bonzinho ou com bons propósitos. Nascemos sem nada, ou só com muito pouco, pelados, chorando de fome e frio. A duras penas, aprendemos o que é bom e o que é errado. Alguns não aprendem nunca. Outros mais ou menos. E sempre existirão os cínicos com a resposta adequada para o momento na ponta da língua.
Liberdade é poder passar a mão na bunda do guarda, dizia a camiseta do Pasquim, que eu comprei por reembolso postal. Nunca passei a mão na bunda de guarda nenhum, e nem quero, a frase vale pelo espírito libertário. O chato do politicamente correto é ter que explicar o que antes era óbvia liberdade de expressão. Era evidente exercício de liberdade, uma provocaçãozinha estampada no peito. Mesmo assim não tive coragem de usar, bunda era uma palavra pouco usada, minha mãe achava ofensiva, minhas irmãs nem se fala. Deixei a camiseta anos dentro da caixa de papelão. Quando abri, as traças tinham feito furinhos, estava arruinada.
Quando vejo os protestos nas ruas, as pessoas indignadas contra a corrupção, jovens, velhos, crianças, adolescentes, gente feia e gente linda, seres humanos, eu digo que na próxima eu vou, na próxima estarei lá, sem falta. Minha mãe, minhas irmãs, meu irmão, meu pai, minha mulher, meus amigos do peito, todo mundo acha que a corrupção está demais, ninguém aguenta. Mas eu acabo adiando, mais uma vez. Ao mesmo tempo eu fico pensando que talvez eu esteja de novo guardando a camiseta dentro da caixa de papelão. Só que agora, nem desculpa eu tenho.
4 comentários:
Você escreve o que eu sinto e toda a gente sente
Porque estamos paralizados?
Tenho tanta revolta que ainda fico doente.
Liz
LIZ, bom saber que não estou sozinho. Mas é um texto ranzinza, preciso melhorar o meu humor. Sem alegria no fazer, não se muda nada. :)
Me identifico com essa sensação terrível de que estamos sob uma censura estranha, onde não se pode criticar, correndo o risco de parecer direitista.
Essa realidade absurda que nos rodeia não espanta ninguém? Como foi mesmo que a gente chegou até aqui?
Parece aquele pesadelo em que queremos gritar e, apesar de fazer força, a voz não sai.
É legal ver essa ideia elaborada no texto. Esse é o papel da Arte. Obrigada a você e a todos os escritores e poetas maravilhosos que fazem a vida mais inteligível pra nós.
Abração
Anônimo, também agradeço as boas palavras, abç
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