segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Não há pediatra



Logo na entrada do hospital, que é privado, um pequeno cartaz impresso em folha A4 dá o recado. Não há pediatra. O cartaz está ali há tanto tempo que poderiam ter providenciado uma moldura. Eu estou com o meu pai, não estou com as crianças, ainda bem. Ele está com uma sinusite braba, meu pai, e já veio ao hospital duas vezes. O médico receitou um antibiótico, um descongestionante e repouso. Ele cumpriu à risca as instruções, como sempre faz, e melhorou um bocado. Mas continua com uma tosse seca. O convênio de saúde do meu pai é excelente, um dos melhores, custa uma fortuna para ele, mas isso não alivia o tempo de espera. Esperar é a regra número um da saúde, seja pública ou privada. É muito triste isso. E não há pediatra. Enquanto esperamos, desenho pássaros e lembro das coisas.

Quando eu era um menino, eu e a minha mãe íamos muito a um hospital público, que hoje é o hospital escola da Universidade. Esperávamos horas. As consultas eram obtidas à custa de madrugadas da minha mãe em filas. Os períodos de marcação de consultas eram curtos e conhecidos apenas pelas mães e donas de casa. Aos cochichos com outras mães, lembro da minha conseguir saber quando a pediatria estaria atendendo, quando seria a vez do ginecologista, etc. Quem tinha doença grave na família, coitado, penava um bocado. A coisa ainda não mudou de figura, eu acho. Não há pediatra, informa o cartaz.

Acho que piorou e muito, mas as propagandas do governo atual e do anterior dizem que nunca tivemos um sistema de saúde tão bom quanto o de agora. Eu acredito na propaganda, ou pelo menos tento, mas não existem pediatras que atendem por convênio na rede privada. Simples assim. Não há pediatra. E no sistema público, não existem mais hospitais com alas pediátricas. Crianças só são atendidas na emergência. Com sorte.

Numa revista, enquanto esperamos o resultado de um raio-x, vejo numa revista as fotos da presidente com um bebê e fico preocupado. Caramba! E se a criança adoecer, Deus a proteja, e não conseguir ser atendida na emergência? Terá que ir para São Paulo? Terá que ir para o exterior? Ai, que tristeza, ser avó de uma criança em um país em que não há pediatra, eu penso. E ao mesmo tempo rezo, porque tenho dois filhos e a coisa mais triste do mundo é esperar na emergência de um hospital em que existe um cartaz de "não há pediatra". Mas estou generalizando, eu sei. Talvez isso seja um problema só daqui, da capital brasileira e campeã da renda per capita nacional.

E por falar em propaganda, acho que tenho memória seletiva porque só me lembro de ver propaganda de lançamento de programas do governo. Na hora de lançar é uma beleza. A toda hora lançam um novo, é fantástico, mas não me lembro de ver resultado de programa nenhum. Não. Não há pediatra. Minto. Já vi. E era exatamente de um programa de saúde. Lembro de ter assistido à propaganda e perguntado a mim mesmo de que país estavam falando. Acho que até coincidiu com uma greve de médicos.

Eles cruzam os braços por melhores salários e condições de trabalho. Eu concordo. Acho que têm razão. Por falta de condições, muitas vezes os médicos são xingados e até agredidos por pacientes em muitos hospitais. Eu não acho que os pacientes têm razão, mas é difícil culpar alguém que perde a cabeça quando vê um filho ou a mãe agonizar sem atendimento médico. Aqui no DF, a maior parte dos médicos aprovados em concurso público não assumem os cargos por causa das péssimas condições de trabalho. Mas acho que isso só acontece aqui, na capital brasileira, em outros lugares deve ser bem melhor, é claro. Alguns médicos valentes e altruístas resistem e continuam atendendo nesses hospitais. Para quase todos os que ficam, no entanto, é preciso fechar os olhos para a carga horária não cumprida. É que os médicos, altruístas ou não, precisam ter vários empregos por aqui, tudo está inflacionado por causa dos salários diretos e indiretos dos parlamentares. E mesmo com toda inflação, não há pediatra.

O que me consola é que teremos um estádio de setecentos milhões de reais na capital brasileira. Talvez menos. 650 milhões. Naturalmente temos dinheiro de sobra, porque vamos torrar essa grana para ter o privilégio de sediar umas duas ou três partidas de futebol na Copa do Mundo. Claro, milhares de turistas virão à cidade para ver os jogos. O coliseu brasiliense se pagará em quatrocentos ou quinhentos anos. Mas temo que longe do estádio, hospitais continuarão com os cartazes de "Não há pediatra".

Aos turistas que vierem, recomendo que tragam o kit Niemeyer: banco desmontável(porque não existe lugar para se sentar), sombrinha(porque não existem árvores nas piscinas de concreto do mestre arquiteto), lanterna(porque a iluminação das belas criações de Oscar são quase sempre penumbrosas), lanche(em nenhum lugar turístico de Brasília existe a possibilidade de se tomar um café de modo confortável), pinico e saco higiênico(esvazie a bexiga antes de sair do hotel)e guia eletrônico(criou-se um desprezo tão grande pela capital que ninguém quer conhecer nada da história deste lugar). E farei também um apelo aos visitantes para que não tragam crianças, porque não há pediatras. E muito cuidado na rua...

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