quarta-feira, 5 de outubro de 2011
Minha voz interior
Durante muito tempo eu me recusei a ouvir a minha voz anterior. Não é a que a tenha amordaçado, eu simplesmente não prestava atenção nela. Ela se sentia excluída e desprezada, mas mesmo assim não desistia.
_Não faça isso - dizia a minha voz interior.
Mas eu ia lá e fazia. Na verdade, eu achava a minha voz interior muito caipira, cheia de escrúpulos demais. Tinha um sotaque goiano, essa vozinha. Era bem tradicional, quase familiar, me acompanhava desde que me entendia por gente. Essa voz foi ficando baixinha, baixinha, até que eu pensei que tinha sumido. Um dia dei por falta dela quando fazia compras no supermercado.
_Caramba, cadê aquela voz interior para me dizer para não comprar um quilo dessa nectarina? Não compre, seu bobo, só você é que irá comer e algumas vão acabar se estragando, ela diria. Vai jogar dinheiro fora, não faça isso.
Então eu fiz, é claro. Eu adoro nectarinas e isso é sempre um bom motivo para fazer calar a voz interior. Ainda que ela não estivesse presente. Ou fingisse não estar presente. E aconteceu aquilo mesmo, eu comprei as nectarinas e só eu comi, muitas se estragaram. Foi só quando eu estava me livrando de umas nectarinas perdidas, coitadas, é que me lembrei da minha voz interior novamente. Quando tinha sido a última vez que eu a tinha visto? Eu nem me lembrava. De qualquer forma, não era importante.
_Cadê você? - eu perguntei.
Mas não ouvi resposta nenhuma. Então achei que tinha me livrado definitivamente daquela vozinha mixuruca que vivia me regulando e dizendo não pode isso, não pode aquilo, deixa disso e deixa daquilo. Fiquei livre, leve e solto. Eu me esbaldei durante um bom tempo, achando que tinha razão em tudo. Mas ninguém tem razão em tudo. E na maior parte das vezes, ninguém tem razão em coisa alguma. E que diferença isso faz? De qualquer modo, fiquei sem notícias da minha voz interior, aquela caipirazinha.
Isso foi até ontem à noite, quando fui tomar um copo dágua na cozinha.
_Cansei de você - eu ouvi a voz dizer.
_Rá, voltou hein, não resistiu de saudades - eu disse, baixinho. Já era tarde e minha mulher e as crianças já estavam dormindo.
_Estou indo embora - ela disse.
_Sim, vá, cheguei a pensar que você já tinha ido embora há muito tempo - eu disse, baixinho, baixinho.
_Desta vez é pra valer, não tem volta - ela disse.
_Claro, claro, vá andando - eu disse.
_Não pense você que eu irei te perdoar - disse a minha voz interior.
E eu escuto ela sair batendo as portas da minha mente, o sapato de salto baixo fazendo toc,toc,toc no assoalho da minha cabeça. Enquanto ainda estou bebendo água, escuto o barulho do salto, ela voltou correndo.
_Esqueci a minha bolsa - ela disse.
Mas todo mundo sabe que voz interior não gosta de usar bolsa. Se eu prestar atenção, posso vê-la sorrir encabulada, fingindo que procura alguma coisa atrás dos meus olhos. Eu sou um caso perdido, e gosto de pensar que ela não consegue viver sem mim. Acho que ela não vai me abandonar, não senhor, espero que não. Eu tenho que reconhecer que preciso muito dela.
_E tem mais, você é que é caipira - disse a minha voz interior.
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