Eu já fui bom em ping-pong. Ou tênis-de-mesa, como preferem os pernósticos. Sim, já fui bom nisso. Tem gente que nem considera ping-pong um esporte. Para muitos Intelectuais e Ministros do Supremo, ping-pong deveria ser retirado de competições olímpicas. Eles têm seus motivos. Por exemplo? É um dos poucos esportes que combinam com uma barriga de chopp, junto com xadrez e tiro. Quero dizer, você não precisa realmente estar em boa forma física para jogar ping-pong. E a vantagem sobre xadrez e tiro é que você também não precisa estar muito sóbrio.
Com tudo isso em mente, resolvi aceitar o desafio do meu sobrinho de 15 anos para uma melhor de três de ping-pong. Partidas de 21 pontos. Regras clássicas. Saque queimado, repete o saque. Tem gente que joga com o saque revertendo para o adversário, mas prefiro a repetição. Bola na linha é bola dentro. Quina é azar do adversário. Ponto chorado vale o dobro.
Meu pai, sabiamente, me ensinou que cortar o saque do adversário é a humilhação suprema do ping-pong. Você pode até perder a partida, mas uma cortada de saque permite a você sair por cima, com um sorriso demolidor no canto dos lábios.
O garoto joga bem. Precisa aperfeiçoar o estilo da pegada, é claro. Eu pego a raquete no estilo "suyo zanbatha", que assimilei ao ver uma capa da revista "Lobo Solitário" publicada nos anos 80. Meu sobrinho prefere a clássica pegada tipo "caneta". A primeira partida foi apertada, com uma avaliação mútua cuidadosa. Eu explorei a proximidade do adversário, alternando a colocação da bola: perto da rede, longe da rede. É lógico que isso me levou a cometer vários erros. Também fiz a tradicional e emblemática "esquerda-direita-cruzada", que sempre sempre deixa os adversários aturdidos. O garoto pegou e respondeu com uma incrível jogada de sorte, com a bola batendo na quina à minha direita e mergulhando 90 graus.
_Putz! - eu disse.
E foi lamentável mesmo porque as regras eram claras. Ponto chorado conta dobrado, assim perdi a primeira partida. Na segunda, mantive a boca fechada durante todo o certame, com breves interrupções para alguns goles de cerveja. Apliquei raquetadas homéricas. Realizei jogadas deslumbrantes, que deveriam ter sido imortalizadas em dodecassílabos pelos mais valorosos poetas. O garoto não teve a menor chance. O ponto final foi uma cortada certeira com direito a giro de 360 graus. Ou seja, desci o braço e dei uma voltinha. Iuhu!
Eu estava bem. Eu estava no auge. Ou seja, a cerveja começava a falar baixo e ronronante no meu sangue. A terceira e última partida foi realizada com torcida discreta de Rafael, o cãozinho shi-tsu da minha filha. Ele ficou sentado, observando o embate. Disputamos ponto a ponto com um desfile de jogadas sensacionais. O "cartipiu estralado com revertério à esquerda". O "telefone vermelho com sino na orelha", a "cortada Africa Bambatha incendiária - tacando fogo casa abaixo". O terrível e dolorido "corte seco frontal com marca redonda no peito". E assim por diante.
Estávamos novamente 20 a 20, disputando o melhor de dois. Quem fizesse o primeiro ponto tinha vantagem incontestável. O saque era dele. Era o meu momento "karatê kid". A hora da "CORTADA SUYO ZAMBATHA", a cortada mata-cavalos que havia feito a minha fama no círculo restrito de jogadores de ping-pong da pesada, de meados dos anos 80. O silêncio se instalou em volta da mesa. A única coisa que eu ouvia era a respiração chiada do Rafael.
Foi daqueles momentos que colocam a câmara lenta nos filmes. Meu sobrinho sacou e apliquei a "CORTADA SUYO ZAMBATHA" com uma violência indescritível. Nem Petrarca conseguiria colocar aquilo em palavras. Nem João Ubaldo, que é um gênio. Estamos em câmera super-lenta agora. Vejo meu sobrinho piscar e abrir um sorriso de lado. A raquete dele surge da linha da mesa e descreve um semi-círculo quase perfeito, TOC. A bola laranja bateu no meu lado da mesa e depois sumiu.
_Uma "ZAMBATHA SUYO ZAMBATHA"!! Caramba! A cortada das cortadas - eu disse, sem pensar.
_Vale dois! - disse o meu sobrinho, abrindo os braços e cantando o hino dos vencedores.
_Ô balancê, balancê, quero dançar com você...
Talvez os Ministros do Supremo tenham razão. Esporte besta, ping-pong.
4 comentários:
Texto maravilhoso, acompanhei a partida com muita emoção!
Também já joguei pingue-pongue bem em algum momento da minha vida, e gosto muito até hoje, mas sou do time dos que pensam que trata-se de um clássico "esporte de play", bem como o totó, e que transformá-lo em esporte olímpico é uma incrível forçação de barra.
Ah, em tempo: chamar de tênis-de-mesa é uma espécie de piada de mau gosto, não?
Anna, obrigado pelo comentário generoso. Realmente, tênis-de-mesa é exagero.
Fala careca. Eu joguei muito ping pong e até treinei tênis de mesa por uns dois anos. Tina não acreditava nisso até que, em uma visita a Rio Preto, encontramos o treinador e ele me reconheceu. Mas nunca fui muito bom mesmo, e até acabei desistindo disso, já em Brasília, quando ia ao CO matar tempo com a galero do "poleiro dos paulistas". Não sei se vocÊ se lembra do Umberto Mantelli, mas ele era escroto e subia na mesa para dar cortadas. Era do tipo que humilhava os oponentes mesmo. E eu, com o sangue espanhol, ficava puto e apelava, sempre saindo na pior. É claro que a saída mais natural era optar pela mesa do bar...
Mário, caramba, você teve até treinador! Em abril vai ter aniversário, vamos jogar uma partida, com certeza. Grande abraço,
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