sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

John Cheever e o Rádio Enorme

Um dos melhores contos que li do John Cheever se chamava "O rádio enorme". Conta a singela história de um casal que mora num edifício de apartamentos e leva uma vida rotineira. Um dia o marido chega em casa e encontra a mulher aos prantos. Ela conta que escutou uma terrível briga de um casal de vizinhos no rádio. O marido chama um técnico para consertar o rádio. No dia seguinte, a mulher relata mais uma infinidade de coisas tristes que ouviu pelo rádio. Mães e pais maltratando filhos, casais se odiando, agressões cometidas e assassinatos tramados. O marido tenta encontrar um técnico da empresa que fabricou o rádio, mas não encontra ninguém.

É um conto lúgubre, triste e ao mesmo tempo instigante. A história é uma dupla manipulação das curiosidade: a do casal, que acaba viciado no rádio que capta as histórias reais dos vizinhos, e a do leitor que não consegue deixar de espreitar o casal da história. Não me lembro de como termina esse conto. Mas é sempre dele que me lembro quando chego em casa e não há ninguém. O apartamento fica imerso em seu silêncio e logo depois eu começo a ouvir os sons da vizinhança.

São sons de histórias tristes. Nenhuma lúgubre ou especialmente mórbida, em geral são fragmentos de histórias tristes e banais que chegam aos meus ouvidos. Mães ralhando com os filhos. Um marido mais nervoso do que o habitual. Alguém falando ao telefone com voz muito alta. Um cão latindo. E TVs. Muitas TVs. É raro ouvir alguém escutar música, talvez os adolescentes de hoje só escutem música com fone de ouvido. Muito raramente, duas meninas do primeiro andar brincam de karaokê. Elas berram muito e são cansativas, em geral dura pouco.

Também ouço os porteiros e as pessoas falando com os porteiros. Todo mundo trata muito mal os porteiros do meu prédio. É raro ouvir alguém cumprimentar, dizer boa noite, como vai. Não há sorrisos. As gentilezas são poucas. Por causa disso, tenho certeza, há um mínimo de reciprocidade dos porteiros, que parece muito próximo da extinção.

Em Brasília, às vezes tenho a impressão de que as pessoas preferem não ser cordiais a arriscar uma intromissão. Aqui, em alguns bairros, a privacidade é um conceito exagerado, é uma idiossincrasia que perdeu as estribeiras. Mas nos apartamentos, com as portas fechadas, muitas vezes as vozes se alteram e escapam pelas beiradas das janelas.

Mas hoje eu não quis nem saber. Cheguei em casa e coloquei uma música para tocar.

2 comentários:

Cecilia Ferreira disse...

É, careca... É mesmo de se perder os cabelos! r****

Careca disse...

É, já perdi uma peruca quase inteira.

Frase do dia