domingo, 7 de fevereiro de 2010

Corcundobol

Meu pai inventou esse jogo para brincar com os filhos. Já faz muito tempo que eu e meus três irmãos brincamos com o nosso pai, então acho que misturei algumas regras na memória. Mas acho que o jogo consiste basicamente em ficar curvado sobre uma bola e fazer gols. É preciso usar uma bola grande, de plástico, senão fica muito difícil empurrar uma bola até o gol. Não é permitido ficar de quatro. Só existe um gol. E todo mundo sem bola é adversário. Você pode quicar a bola só umas cinco vezes e não vale segurar o braço do adversário. É possível segurar o pé e a perna. Cabelo não pode. Cotovelo é falta.

Eu devia ter uns oito ou nove anos de idade quando meu pai me chamou para brincar de corcundobol pela primeira vez. Fomos todos os cinco para debaixo do prédio de apartamentos, onde havia um círculo gramado pequeno. Com dois gravetos espetados na grama fizemos o gol. Meu pai, que havia inventado o jogo e as regras, achou que tudo estava muito adequado para o jogo.

Logo que começamos a jogar, outros meninos e meninas do prédio apareceram para ver a brincadeira. Era extraordinário um adulto como o meu pai brincar com as crianças. Era mais extraordinário ainda que o adulto inventasse a brincadeira e se empenhasse tanto quanto o meu pai na brincadeira. Ao mesmo tempo em que era empolgante, as outras crianças percebiam de imediato que aquela era uma brincadeira familiar a que não teriam acesso. Era um jogo inventado pelo meu pai, com regras obscuras que ele moldava para exercer autoridade e também para transmitir algum ensinamento estranho, que ninguém de fora conseguia captar.

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