Li ontem, mais um conto do Joe Hill, chamado “A Capa”. Conta a história de um rapaz que voa. É de arrepiar. Falta uns dois ou três contos para acabar o livro. Estou relendo alguns dos contos, prolongando o tempo do livro, antes que desapareça na minha estante.
Acho que todo mundo que escreve tem uma história de gente que voa. Dos contos brasileiros, tem um chamado “O iniciado do Vento”, que é uma maravilha. O cinema está cheio de história de vôo. Eu já vi uma porção no cinema, uma das melhores, é claro, é a da bicicleta do ET. Mas tem muitas. Tem, por exemplo, aquela cena memorável do “Birdy”, um filme de Alan Parker. Naquela época, em 1984, Nicholas Cage e Mathew Modine, que fazia o papel do rapaz que pirava e imaginava que era um pássaro, eram só dois garotões. É mais uma história de Vietnã, coisa recorrente naqueles tempos. Os americanos começavam a cutucar as feridas. E o cinema ianque começava a fazer uma revisão radical de como retratar uma guerra perdida.
A cena memorável é a última cena do filme. Modine, o rapaz passarinho, está correndo por cima do teto do hospital psiquiátrico, junto com Cage. De repente, ele se empolga e dispara a correr batendo asa. Cage se desespera porque acha que Birdy vai tentar decolar de cima do prédio. Na poltrona do cinema, eu torci para que ele realmente decolasse.
Eu também tinha uma história de gente que voa. Era bem curta. Era a história de um menino que deseja muito voar. Ele rezava. Chorava. Fazia promessa. E nada. Tentava construir asas igual a Ícaro. Não funcionava. Nada dava certo. Ele não voava nem a pau. E em cada tentativa quebrava alguma coisa. Quebrava o nariz. O braço. A perna. A outra perna. O outro braço. O nariz, de novo.
Aí, um dia, já é quase noite, esse menino está andando no meio da rua e começava a levitar. Quando ele se dá conta, está passando por cima de um semáforo. Ele tenta se agarrar ao semáforo. Mas não consegue, parece que está sendo puxado para cima. Tudo o que consegue fazer é ficar por alguns segundos na frente das luzes. Ele provoca a maior confusão no trânsito. E depois continua a subir. Ele sobe muito alto, mas bem devagar. E depois, lentamente, começa a descer. E aí aterrissa, suave. Ninguém acredita nesse menino quando ele conta que voou.
E pelo resto da vida ele vai tentar voar de novo. Sempre se quebrando todo. Até que um dia o médico alerta o ex-menino, que agora é um tiozão.
_Olhaí, ô Mané, você não tem mais nenhum osso inteiro no corpo. Sua coluna não agüenta mais nenhum tranco. A sua próxima queda poderá ser fatal.
O tiozão não se emenda, mesmo assim. A vida inteira ele só fez aquilo. Perseguiu o sonho de voar igual ao menino que um dia foi. Ele não pode parar. Então ele se prepara para saltar de uma montanha. Coloca um para-quedas e vai para a beira de um precipício. E quando ele vai pular percebe que está levitando, igual àquela vez, só que muito mais rápido. Ele começa a subir vertiginosamente e só quando está no meio das nuvens é que descobre o segredo. O que o fez levitar foi um pensamento, uma coisa em que pensou uma única vez, quando era criança. E nessa hora ele percebe que está caindo em grande velocidade. E já é tarde demais para abrir o para-quedas.
Um comentário:
nada como um pensamento feliz.
mas um belo texto.
abraço, Carecone.
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