Ao vencedor, as buzinas I
As crianças esperaram quase trinta dias pela manhã deste sábado. E ele nasceu perfeito. O sol brilhou, o céu estava azul e com nuvens, os passarinhos cantavam e os Secos e Molhados cantavam na minha cabeça (Leve, como leve pluma, leve e pousa...). Maravilha, nós fomos comprar as bicicletas novas. Fomos a pé, é lógico. O plano era comprar as bicicletas previamente examinadas, cheiradas, observadas, testadas, sentadas e namoradas e voltar para casa a pedalar. E assim foi feito. Mas não exatamente como o planejado.
Acontece que não é possível alguma coisa sair como o planejado numa loja de bicicletas. Isso é dessa maneira porque não existe nada mais amador do que o mais profissional dos lojistas de bicicletas. Isso é lógico, para começar, porque se o cara fosse realmente um profissional, ele estaria vendendo veículos de verdade. Não que os caras das lojas de carros sejam o supra-sumo do glacê do marrom-glacê. Eles não são. Mas os vendedores de automóveis, na maioria das vezes, se concentram numa única venda. Numa loja de bicicletas, isso não acontece.Os vendedores ficam atrás do balcão. É atendido primeiro quem tem a venda mais rápida e ao alcance da mão. Como resultado, você espera muito e é mal-atendido ao mesmo tempo. Foi mais ou menos assim que aconteceu.
Entramos na loja confiantes, já havíamos localizado a primeira das bicicletas a serem adquiridos na manhã de sábado. Uma bela bicicleta aro 16, com rodas, cor-de-rosa com lilás, com cesto à frente e banco para boneca atrás. Minha filha, de quatro anos, já havia definido que aquela era a bicicleta dela há muito tempo, então não tivemos nenhum problema de indecisão. Enquanto minha mulher perscrutava a bicicleta em busca dos detalhes perdidos, eu iniciava via crucis do pagamento. É que não basta estar disposto a pagar numa loja de bicicletas. Você tem que esperar para o sujeito do caixa parar de atender qualquer pessoa que chega.
_Qual é o seu nome, senhor? – perguntou o sujeito no caixa, com pinta de dono da loja.
_Meu nome é .... – comecei.
_Desculpe, o senhor vai querer uma câmara de ar? – perguntou o mesmo cara.
_Não, eu vou levar...- eu dizia.
_Não, senhor, é com o senhor atrás do senhor, quer uma câmara? Ah, uma bomba de ar?
_Ei, você tem capacete cor-de-rosa? – disse uma mulher com algum excesso de peso que também surgiu de repente no balcão.
_Tem rodinha avulsa? – disse um sujeito com uma barriga maior do que a minha.
_Claro, o capacete é da Hello, Kitty? E o seu CPF?
_O meu CPF é...
_Não, não é o seu CPF, é o da senhora do capacete.
_Eu também quero um capacete.
_Tem câmbio?
_É shimano? Mas o dólar voltou a subir, então está mais caro.
_Você consertam corrente quebrada?
_Depende. Olha, ainda tem da Hello Kitty, vai querer?
_Nãum, da Hello Kitty não quero. Tem da
Para resumir, levei cerca de quarenta minutos para que o dono da loja preenchesse meu cadastro com nome, telefone, endereço, identidade, cpf e número de série da bicicleta. Essa última informação, sozinha, levou vinte minutos para ser obtida, porque a toda hora chegava um freguês novo na loja. E eram sempre coisas mais importantes: regulagem de freios, ajuste da pressão de pneus, uma capa de banco nova, dois pitos de pneus, uma garrafinha dágua que precisou ser substituída e um cara que queria ver quem tinha levado a volta da França. Aliás, eu nem sabia que as provas de ciclismo tinham tantos fãs na pátria amada. Mas aparentemente, em qualquer assunto, temos fãs e especialistas brasileiros. Até mesmo na Volta da França. (continua )
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