quinta-feira, 9 de julho de 2009

As corridas de São Firmino

Esse meu amigo, de vez em quando, falava nas corridas de touros. Ele se lembrava, é claro, de ter visto uma corrida pela TV. Mas não se lembrava de quando se imaginou, pela primeira vez, descalço, correndo a plenos pulmões na frente dos touros. Mas era assim que se via. Ultimamente, era só assim que se via. Um lenço vermelho amarrado no pescoço, como os espanhóis. Uma camisa branca e uma calça preta, enrolada à marinheiro. Ou então, com os sapatos de sola de borracha, terno e gravata. Pra dizer a verdade, a maneira como estava vestido não importava.

_No meio de umas quinhentas pessoas! – ele dizia. Ele tinha uma fixação com o número quinhentos.

Em geral, quando esse meu amigo falava nas corridas de touros, a mulher dele sorria. As filhas também achavam aquilo uma loucura engraçada do pai. Ninguém levava a sério. Era só mais um devaneio do marido. Mais uma coisa engraçada que o pai dizia na frente dos amigos.

Mas a verdade é que as corridas de São Firmino, em Pamplona, sempre estiveram em seus planos. Ele não se lembrava de como a idéia tinha aparecido na cabeça. Parecia apenas que sempre esteve lá. Era uma coisa que tinha que fazer. Como fazem, todos os anos, os milhares de turistas que vão a Pamplona. É bem verdade que muitos não se atrevem a correr à frente dos touros. Mas ele não desperdiçaria a oportunidade. Não, senhor. Ele correria. Nossa, como ele correria. Ele vivia dizendo isso.

Mas naquela noite, não. Naquela noite esse meu amigo estava tomando cerveja. Muita cerveja. A maioria dos homens enche a cara de birita quando está triste. Uma boa parte também enche a cara de birita quando está feliz. Então fica difícil saber se o cara bebe porque está feliz ou se está triste e por isso bebe. Mas no caso desse meu amigo, ele não estava feliz. Eu sabia o motivo. Eu e todos os outros. Mas os homens não falam sobre isso, você sabe.

Homens falam muito pouco sobre as coisas do coração. E o que não falam geralmente é mais importante do que o que dizem. O único problema é que tem muita adivinhação e chute errado sobre o que não é dito. E sobre algumas coisas é melhor não errar.

Por causa disso, eu estava em silêncio, perto desse meu amigo. Era óbvio que ele estava sofrendo. Era óbvio que falar sobre a mulher não estava nos planos dele. Também não estava nos meus planos mencionar alguma coisa sobre as meninas. Longe de mim. É triste. Separação é uma coisa muito triste.

_Rapaz, eu poderia muito bem correr na frente daqueles touros! – ele disse, batendo a mão na coxa, com muita força. Achei que podia ser efeito da cerveja, aquela emoção extravasada. Talvez fosse apenas uma maneira de encher o silêncio com o som de alguma coisa. Afinal, estávamos todos calados.

Esse meu amigo acabou cochilando um pouco. Nós, os outros amigos, os caras que tinham ido ali, falamos de outras coisas, de rock, de filmes piratas, de música, política, de filmes que a gente queria ver. Ninguém mencionou as corridas de touros. Acho que foi por respeito.

Depois, quando eu já estava em casa, um pouco bêbado, dormi pesado, aos roncos. Sonhei que estava à frente dos touros. O que importava, a única coisa que importava, era correr mais do que aquele sentimento no peito. Correr mais do que aquele desespero. Mas é impossível.

2 comentários:

Elga Arantes disse...

Vc é muito bom!
Cadê o campo de seguidores? Queria adicionar vc aos blogs que sigo.
Beijos.

Elga
www.oprometeuacorrentado.blogspot.com

Careca disse...

Elga, bem-vinda à minha Kombi de leitores e leitoras. Abs,

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