quinta-feira, 30 de julho de 2009

O meu sentido-de-aranha

Às vezes eu acho que estou me repetindo nesse blog. Mas talvez não. Talvez ainda não tenha falado do meu sentido-de-aranha. Naturalmente, percebi com a tenra idade de oito anos que o meu destino e o de Peter Parker, o Homem-Aranha dos quadrinhos, estavam unidos por uma singularidade.

Lembro de passar manhãs e tardes de alguns dias das férias mergulhado no mar de gibis que havia dentro de um cofre. A parte de cima do cofre era inacessível em altura e tranca de segredo. Mas ali, por trás da portinhola de aço, na parte de baixo, protegida por uma fechadura simples, havia uma porção de revistas em quadrinhos do Peter Parker. Naquela parte do cofre meu primo escondia ,de mim e dos outros primos, a sua preciosa coleção de revistas em quadrinhos.

Eu era um menino franzino e míope. Catarrento. Asmático. Pés chatos. E perebento. Comparado com a bailarina da música do Chico, eu tinha tudo o que ela não tinha, mais as frieiras, chulé, caspas e verrugas, montes de verrugas. O cofre ficava no laboratório do consultório do meu tio e padrinho Izaías. Ele era dentista prático. Na época, dentista formado morava na capital. E meu tio morava numa cidadezinha, lá no interior da caixa prego. E um dia, um belo dia, meu tio me deu uma cópia da chavinha do cofre.

Mergulhado nas aventuras de Peter Parker descobri em mim o fantástico sentido-de-aranha. Nos quadrinhos, o sentido era uma espécie de vibra-call que alertava o Peter sobre os vilões. Era um aviso dos perigos que se aproximavam.

Só que em mim, o sentido-de-aranha nunca foi um vibra-call. Sempre foi mais um frio na barriga, um zumbido nos ouvidos, uma coceira macabra. Era como um calafrio que me dizia para ficar calado, de vez em quando. Era ele que me recomendava cautela e caldo de galinha quando tinha vontade de mandar alguém implodir. Era físico-mental, uma eletricidade que me congelava o coração. Me ajudou muitas vezes. Me salvou a pele. Sobrevivi a diversos desastres graças ao meu sentido-de-aranha. Mas às vezes, ele falhava, esse sexto sentido.

As falhas começaram na mesma época em que descobri o meu sentido-de-aranha. Ele falhou quando eu ainda era menino, no dia em que um cachorro entrou na frente da minha bicicleta. Quebrei dois dentes. Falhou quando não percebi que Sidão, o professor de Educação Física da sétima série, estava olhando enquanto eu o imitava. Duzentas flexões de braço e quase uma semana sem nem conseguir escovar os dentes, os braços doíam muito. Falhou quando tive que brigar na saída da escola. Uma cicatriz no rosto, sete pontos na cabeça.

Falhou miseravelmente durante a adolescência, quando levei a pior em muitas situações. Falhou quando eu entrei para a universidade e quebraram o meu nariz. Falhou depois que eu me formei e quebrei a cara. Depois disso, aliás, falhou várias e várias vezes.

E é engraçado como é mais fácil lembrar mais dos fracassos do que dos sucessos.

Até que eu achei que tinha perdido o meu sentido-de-aranha.

Até ontem, quando acordei de madrugada, suando frio. Fui até a janela e olhei para todos os lados. Não consegui perceber nada de diferente no horizonte. Mas poucos minutos antes, o meu universo havia se desintegrado enquanto eu estava sob as cobertas. Tomara que tenha sido só um sonho ruim. Tomara que não seja o sentido-de-aranha. Tomara que esse sentido esteja falhando. Tomara que tenha sido apenas um ataque de pânico. Essas coisas acontecem. Ou então estou com uma alergia qualquer, a dipirona sódica, igual ao Bono.

2 comentários:

Paulo Bono disse...

pra vc ver, Carecone.
Não tenho superpoderes como você, mas tenho a minha kriptonita.

abraço

Careca disse...

Bono, você lê nas entrelinhas, o que também é um superpoder. Grande abraço,

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